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3. A SENTENÇA PARCIAL DE MÉRITO COMO INSTRUMENTO À

3.3 Análise jurisprudencial

O campo jurisprudencial é o espaço em que se revela a variedade de interpretações existentes sobre as normas jurídicas vigentes, fato que comumente acarreta entendimentos e decisões divergentes sobre casos análogos. É que ao juiz é dada a prerrogativa de decidir pautado em suas convicções próprias, logicamente que de maneira fundamentada e observando os princípios da legalidade e do devido processo legal.

Nessa perspectiva, o que ocorre com o instituto da sentença parcial de mérito não é diferente. A análise jurisprudencial evidencia uma gama de julgados admitindo sua utilização, assim como outra considerável parte que defende sua inviabilidade, demonstrando se tratar de situação controversa ainda longe de ser pacificada no âmbito dos tribunais. Por certo, o fato de se tratar de uma alteração legislativa recente contribui para que os efeitos desse dispositivo comecem tão somente agora a transparecer nos mais fervorosos debates jurídicos.

Com efeito, no propósito de melhor compreender a aplicação prática do julgamento parcial, passa-se ao exame de situações fáticas já apreciadas na esfera

jurisdicional. Traz-se inicialmente à baila a pioneira decisão que abrangeu a discussão sobre a utilização do art. 273, §6º, do CPC, no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Trata-se da apelação cível tombada sob o nº 70006762470, interposta por um condomínio em face de uma condômina, ementada em março de 2004 nos seguintes termos:

CONDOMÍNIO. SÍNDICO. TRANSAÇÃO. ÁREA COMUM. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO DA ASSEMBLÉIA. NULIDADE. RESOLUÇÃO PARCIAL DO MÉRITO. ART. 273, § 6º, DO CPC. PROCEDÊNCIA. COISA JULGADA AFASTADA. REMESSA À INSTRUÇÃO.

Hipótese em que a inicial formula pedidos cominatórios e de desconstituição de transação judicial, pedido esse prejudicial ao primeiro. Sentença que repeliu os defeitos da transação e, via de conseqüência, extinguiu o pedido cominatório, em vista do reconhecimento da coisa julgada.

Convenção condominial registrada antes da escritura que outorgou o domínio da unidade condominial à apelada, na qual constou claramente que a garagem é coletiva e, pois, de uso comum, pelo que prevalece sobre o ato notarial que, equivocadamente, fez constar a parte ideal da condômina na garagem como se fosse área privativa.

Transação nula, ainda que homologada em juízo, vez que o síndico, sem autorização da assembléia geral de condôminos, não pode transigir acerca de área de uso comum.

Apelo visando à desconstituição do acordo acolhido via resolução parcial do mérito, nos termos do art. 273, § 6º, do CPC.

Procedência do pedido prejudicial com conseqüente afastamento da coisa julgada em relação ao pedido cominatório, a ser resolvido oportunamente pelo juiz a quo, após ampla dilação probatória, especialmente prova pericial, em vista da controvérsia fática existente.

RECURSO PROVIDO EM PARTE. UNÂNIME. (RIO GRANDE DO SUL, 2004).

Na oportunidade, o condomínio apelante visava desconstituir uma transação judicial sob alegação de nulidade, bem como impor cominação à condômina apelada para que deixasse considerar dois boxes de garagem como sua área privativa no prédio. A decisão de primeira instância julgou o feito improcedente de forma antecipada, sem o enfrentamento do mérito da questão, fundamentando-se na existência de coisa julgada por não haver qualquer vício na transação ocorrida entre o síndico e a condômina. Assim, deixou de realizar a regular instrução do feito e de apreciar pedido de prova pericial postulada inicialmente.

O relator do julgado, Pedro Luiz Pozza, atuando naquela oportunidade como juiz convocado do Tribunal de Justiça, em reforma à decisão, entendeu como nula a transação havida entre síndico e condômina, julgando, consequentemente,

procedente o pedido de desconstituição da transação formulado na inicial, invocando o art. 515, §3º, do CPC11.

Todavia, foi a segunda abordagem de sua decisão que revelou o ineditismo da aplicação da sentença parcial de mérito. Isso, pois, como o condomínio havia formulado dois pedidos inicialmente, sendo que um deles fora resolvido por ocasião do julgamento do próprio recurso, determinou-se o retorno dos autos à instância de origem apenas para processamento do feito em relação ao segundo pedido, que demandava ampla dilação probatória, inclusive com realização de prova pericial. Dessa forma, ao primeiro pedido o julgador aplicou o §6º do art. 273 do CPC, decidindo sobre seu próprio mérito e, consequentemente, atribuindo a ele, após o decurso do prazo recursal extraordinário/especial, o efeito da coisa julgada material. Segundo o relator Pozza:

Assim sendo, como no caso dos autos só é possível resolver sem dilação probatória um dos pedidos formulados, justamente aquele cujo acolhimento é pressuposto da apreciação do cominatório, a aplicação do art. 273, § 6º, do CPC, é não só cabível como recomendável, para fins de solucionar, de imediato, aquela pretensão acerca da qual os fatos são incontroversos, visando à economia processual. (RIO GRANDE DO SUL, 2004)

Posterior e também relevante decisão nesse sentido igualmente foi proferida pelo aludido magistrado, desta vez como juiz de primeiro grau de jurisdição, em março de 2006, nos autos do processo nº 001/1.05.2268650-6, que tramitou perante a 5ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central de Porto Alegre/RS. A causa cuidava- se de ação indenizatória por danos materiais e morais contra o Estado do Rio Grande do Sul. Na ocasião, entendendo suficientemente instruída a primeira discussão (referente aos danos materiais), sobreveio sentença parcial em relação a este pleito. Ainda, no mesmo pronunciamento, procedeu-se também ao saneamento da porção litigiosa não resolvida, designando audiência de instrução para a prova oral que havia sido postulada.

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§ 3o Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar

desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento.

Naquele ato, o julgador fez questão de esclarecer que a decisão se tratava de uma sentença parcial e, portanto, sujeita ao recurso de apelação, nos termos do artigo 513 do CPC, inobstante não extinto o processo. Continuando, alinhavou que, tendo em vista a necessidade de prosseguimento da instrução probatória em relação ao pedido de danos morais, deveriam ser formados autos suplementares com as cópias pertinentes, a fim de se proceder a novo registro no sistema Themis que, segundo ele, não estaria preparado para o julgamento parcial de mérito.

Após o regular processamento, foi promovida a apelação pela parte prejudicada e os autos subiram à superior instância. Contudo, no segundo grau de jurisdição, o apelo, protocolado sob o nº 70017516881, foi provido para o fim de desconstituir a sentença parcial de mérito. Segundo o desembargador relator, em que pese fosse nobre o objetivo do julgador de primeiro grau, aquela hipótese de decisão encontrava óbice intransponível no art. 463, incisos I e II do CPC12:

É que, na hipótese, a solução adotada pelo magistrado encontra óbice intransponível no art. 463, I e II, do CPC, com a redação em vigor na data da sentença, ou seja, 14.03.2006 (fl. 344), segundo o qual, ao publicar a sentença de mérito, o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional, só podendo alterá-la para lhe corrigir, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais, ou lhe retificar erros de cálculo ou por meio de embargos de declaração. (RIO GRANDE DO SUL, 2007).

Ademais, houve expressa menção de que o direito à célere tramitação, em que pese incluído dentre as garantias individuais dos cidadãos, não devia anular outros princípios igualmente constitucionais, tais como o da legalidade e o da segurança jurídica.

Em sentido contrário, todavia, é a decisão proferida no agravo de instrumento nº 70021085097, em novembro de 2007. Na ocasião, em fase de liquidação de sentença, o juízo a quo indeferiu o pedido de liberação de valor tido como incontroverso, já que não impugnado pela parte adversa. A decisão, que reformou o julgado de primeira instância, foi ementada nos seguintes termos:

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Art. 463. Publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la:

I - para Ihe corrigir, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais, ou Ihe retificar erros de cálculo;

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONHECIMENTO. ALEGADO DESCUMPRIMENTO DO DISPOSTO NO ART. 526, PAR. ÚNICO, DO CPC NÃO COMPROVADO POR CERTIDÃO CARTORÁRIA. AÇÃO DE EXECUÇÃO PROVISÓRIA. SENTENÇA DE LIQUIDAÇÃO. IMPUGNAÇÃO FUNDADA EM EXCESSO DE EXECUÇÃO. LIBERAÇÃO DE VALOR INCONTROVERSO. POSSIBILIDADE.

O descumprimento do disposto no art. 526, par. único, do CPC há de vir comprovado mediante certidão cartorária pela parte que o alega, não sendo bastante para tanto informação disponibilizada na Internet. Preliminar de não-conhecimento rejeitada.

Agravada que em liquidação de sentença admite como incontroverso devido o valor de R$713.324,15. Impugnação que diz apenas com o excesso de R$340.658,80. Liberação do valor incontroverso que encontra fundamento legal no art. 273, § 6º, do CPC. Preliminar de não conhecimento rejeitada. Agravo provido. Unânime. (RIO GRANDE DO SUL, 2007)

No referido decisum, o juízo ad quem deu provimento ao recurso aduzindo que o fato de a própria executada não ter se insurgido contra o levantamento requerido tornava impositiva a liberação do valor incontroverso. Consignou, ainda, que esta hipótese encontrava-se prevista no art. 273, §6º, do CPC, sendo imperiosa a imediata concessão do pleito ao autor quando não houvesse lide resistida.

Diferente interpretação da norma ocorreu no julgamento da apelação cível nº 70040972861. A situação se referia a uma ação de cobrança de indenização securitária em que, sob forma de sentença parcial, foi julgado procedente um dos pedidos iniciais para o fim de condenar a ré ao pagamento de determinada quantia em dinheiro. O decisum a quo prescreveu a formação de autos suplementares para remessa à superior instância, bem como esclareceu que o recurso cabível era o de apelação.

Já no segundo grau de jurisdição, após ser transcrita integralmente a sentença proferida pelo juízo de primeiro grau, a fundamentação do acórdão refutou a utilização do instituto da resolução parcial da lide. Nas suas justificativas, o julgador alegou que ainda compreendia como finalístico ou topológico o critério para identificar a decisão do juiz como sentença ou não, sendo que esta somente se caracteriza quando importe no fim de uma fase do procedimento de primeira instância. Segundo ele, ainda, a admissão do referido ato judicial importaria em desorganizar o sistema recursal que a duras penas foi consolidado, além de criar uma insegurança jurídica desnecessária. Outrossim, estabeleceu duras críticas ao

instituto defendido na sentença, dentre as quais se destacam as apontadas no seguinte excerto:

Então, sempre que se fizesse presente os requisitos para tanto, inclusive durante o andamento do processo e para cada pedido, o juiz teria obrigação de proferir nova sentença. Então, se eventualmente a sentença única possa levar a algumas perplexidades, a multiplicidades de sentenças em um único processo certamente levará a muitos mais absurdos. Vejamos alguns: cingir- se-á o processo tantas vezes quantas forem as sentenças? Na era digital vamos dobrar ou multiplicar as folhas dos autos? E a responsabilidade pelas custas e honorários? E qual será a abrangência da coisa julgada? Haverá conexão entre os recursos? Haverá prevenção do julgador de segundo grau? Está o Tribunal preparado para receber um aumento de recursos e os cartórios de primeiro grau estariam preparados para a prática de todos os atos que lhe passam a ser exigido com a prolação da sentença parcial de mérito? Essas questões manteriam hígido o princípio de organização e segurança até agora conquistado? (RIO GRANDE DO SUL, 2011).

Contextualizada a questão, fez o julgador questão de ressaltar que, em sua concepção, a sentença parcial não simplifica nem torna mais célere a atividade jurisdicional, muito pelo contrário, cria complicações até então inexistentes no ordenamento jurídico. Desse modo, declarou nula a decisão recorrida e determinou o retorno dos autos à origem para ser único o procedimento e a sentença ao final. De acordo foram os votos da revisora e do desembargador presidente.

Ainda noutro julgado da Corte gaúcha, analisou-se especificamente a polêmica questão do recurso cabível ao julgamento parcial de mérito. A apelação, tombada sob o nº 70038635454, não foi conhecida pelo Tribunal. Segundo o acórdão, a hipótese tratava-se de decisão interlocutória, já que não colocava termo à fase de conhecimento do processo, de modo que o recurso oponível seria o de agravo de instrumento. Ainda, referiu-se que a apelação importaria na paralisação do feito, o que prejudicaria a efetividade da prestação jurisdicional. Por fim, foi também afastada a possibilidade de aplicação do princípio da fungibilidade recursal. Eis a ementa do julgado:

APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSO CIVIL. RECURSOS. EXTINÇÃO PARCIAL DA DEMANDA, POR FALTA DE INTERESSE DE AGIR. RECURSO CABÍVEL. AGRAVO DE INSTRUMENTO.

A decisão que extingue parcialmente a demanda, desafia recurso de agravo de instrumento, não de apelação cível. Trata-se de decisão interlocutória, que não põe fim ao processo. Ainda que diante das alterações do Código de Processo Civil queira denominar este tipo de decisão de sentença parcial, inviável se mostra a apelação, porquanto o feito há de continuar tramitando.

Inaplicável à hipótese o princípio da fungibilidade dos recursos, seja por tratar-se de erro inescusável, seja em virtude da diferente sistemática entre o recurso interposto - apelação - e o cabível - agravo.

APELO NÃO CONHECIDO. (RIO GRANDE DO SUL, 2011).

Em sentido antagônico e evidenciando a ausência de uniformização jurisprudencial acerca da matéria, tem-se o julgamento do agravo de instrumento nº 70044691251. No caso, o agravante se insurgiu contra decisão que não recebeu apelação interposta em face de sentença parcial de mérito. O relator, apreciando o recurso, votou no sentido de ser mantida a decisão que não conheceu a apelação, bem como pela inaplicação do princípio da fungibilidade recursal ao caso, porquanto, no seu entendimento, havia clareza que a decisão interlocutória (no caso, a sentença parcial) desafiava recurso de agravo. No entanto, o redator proferiu voto divergente. Em sua análise, fez a seguinte observação acerca da famigerada problemática recursal:

Primeira premissa: mesmo sem encerrar o processo, haverá sentença se o ato judicial implicar algum dos casos previstos nos arts. 267 e 269 do CPC; segunda premissa: na forma do art. 513 do CPC, “Da sentença caberá apelação (arts. 267 e 269)”; conclusão lógica: independentemente ou não do encerramento do processo, haverá sentença se o ato judicial implicar algum dos casos previstos nos arts. 267 e 269 do CPC, cabendo ao sucumbente exercitar direito ao recurso pela via da apelação. (RIO GRANDE DO SUL, 2011)

Prosseguindo, aduziu que a própria lei outorga maiores vantagens aos litigantes no uso da apelação do que no manejo do agravo de instrumento, conferindo possibilidade de sustentação oral, submissão do feito a revisor, embargos infringentes, etc. Assim, persistindo dúbia a interpretação do recurso cabível, asseverou ser preferível aquele que garante o mais abrangente espectro recursal previsto em lei ao jurisdicionado. Ainda nessa mesma trilha, defendeu a admissão do princípio da fungibilidade recursal, a menos até que se proceda na competente e imperiosa revisão legislativa sobre a matéria:

E, nesse contexto, mesmo sem abraçar uma ou outra vertente, compete ao Colegiado agir com cautela e parcimônia, admitindo, com espeque no primado da fungibilidade, tanto o agravo de instrumento, como o apelo com autos suplementares, compreensão esta que busca a tornar efetiva a garantia constitucional de acesso ao Judiciário. (RIO GRANDE DO SUL, 2011)

Referido voto foi acompanhado pelo desembargador presidente, de modo que restou provido o agravo de instrumento por maioria, para o fim de ser recebido o recurso de apelação à sentença parcial, observando-se a máxima da fungibilidade.

Essas decisões são representativas de uma quantia não muito extensa de julgados referentes ao polêmico tema. Como se denota, pela simples busca nos acervos do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já saltam aos olhos a desarmonia existente quando o assunto é a interpretação do art. 273, §3º, do CPC. Aliás, os próprios Tribunais Superiores ainda sequer se manifestaram sobre a matéria, abrindo uma margem ainda maior a diferentes decisões no âmbito das jurisdições estaduais e federais.

Tal constatação prática apenas corrobora a relevância do estudo em questão, que se encontra em paulatina evolução e que merece minuciosa análise dos operadores do Direito. O espeque da construção, por certo, haverá que residir sempre na busca pela efetividade da prestação jurisdicional, até que se redunde em um entendimento ao menos majoritariamente uniforme sobre esta controversa questão de ordem processual civil.

CONCLUSÃO

O essencial propósito do presente estudo resumiu-se à demonstração do cabimento da sentença parcial de mérito no âmbito da processualística civil brasileira, considerando não apenas o teor legislativo da matéria, mas também as implicações práticas decorrentes da sua utilização, para o fim de clarear sua efetividade no plano real de aplicação.

Para tanto, aliou-se à abordagem um breve resgate histórico do princípio constitucional da razoável duração dos processos, inexoravelmente vinculado ao instituto da sentença parcial de mérito, que busca implementar uma alternativa à agilização da resolução dos feitos judiciais civis.

Do mesmo modo, não haveria que se olvidar do estudo da sentença em si, mormente sobre sua novel conceituação e atrelamento à também nova sistemática do sincretismo processual, que une no bojo dos mesmos autos as atividades processuais de certificar e executar, igualmente visando imprimir maior celeridade às demandas.

Ainda, demonstrou-se relevante ponderar as diferenciações existentes entre a sentença parcial de mérito e o instituto da antecipação da tutela, já que não possuem entre si a mesma natureza jurídica e finalidade. Logo, evidenciou-se que a topologia da resolução parcial encontra-se equivocada na lei processual civil, não se configurando como hipótese de antecipação de tutela, mas como uma forma autônoma de decisão fracionada do feito, mais ligada a uma espécie de julgamento antecipado do processo, prevista no artigo 330 do CPC.

Posteriormente, chegou-se à apreciação da tormentosa questão atinente ao recurso cabível à espécie, concluindo-se que a apelação aperfeiçoa-se melhor ao procedimento vigente. Isso, pois, o ato judicial atacado configura-se como hipótese de cognição completa e exauriente, decidindo acerca do próprio mérito da demanda, e não sumariamente sobre questão incidental. Para tanto, ressalta-se, depreendeu- se que o apelo deverá ser normalmente interposto perante o juízo a quo, porém, com a particularidade de ser remetido ao Tribunal em autos suplementares, viabilizando o prosseguimento do feito relativamente à parte da causa ainda não analisada. A parte examinada pela sentença parcial, diga-se, restará coberta pelo manto da coisa julgada material, caracterizando um julgamento fracionado da lide mediante prolação de decisões autônomas.

Deve-se atentar, por evidente, que essa possibilidade de julgamento fragmentado trata-se de verdadeira exceção ao rito usual, devendo ocorrer tão somente quando manifestar notório benefício à presteza do feito. Do contrário, impõe-se preferir o julgamento ordinário através de sentença única, que se caracteriza como regra em nosso ordenamento jurídico civil, sob pena de se alongar ainda mais a solução definitiva, que é justamente o contrário do que propugna o instituto.

De outra banda, a análise jurisprudencial do tema se dignou a demonstrar o quão controversa é a matéria que ensejou o presente estudo, tornando ainda mais valioso o seu aprofundamento. As decisões examinadas em pouquíssimas vezes se mostraram uníssonas, realçando o destoamento na interpretação da resolução parcial da lide, quer seja sobre seu recurso cabível, quer seja sobre sua própria aplicabilidade.

Finalmente, em resposta ao problema ventilado quando da projeção da presente pesquisa, pode-se afirmar que a sentença parcial de mérito é, de fato, um instrumento que se presta a dar efetividade à prestação jurisdicional, entregando-se à parte interessada - ainda que parcialmente - o pedido deduzido nos autos sem dilações indevidas, harmonizando, assim, a atividade judicial com o mandamento constitucional da celeridade.

Por derradeiro, vale notar que a ausência de expressa previsão no ordenamento jurídico não deve ser motivo de omissão do julgador quando se deparar com fato que represente violação de preceitos fundamentais. Aliás, no Anteprojeto do Novo CPC, dedicou-se uma seção exclusiva para o instituto em comento, evidenciando a relevância do seu debate para uma futura e próxima utilização com mais consistência no âmbito prático-processual. Com efeito, a garantia da razoável duração do processo, por possuir essência constitucional e a característica da autoaplicabilidade, deve prevalecer a qualquer omissão do legislador quando não der adequado tratamento a instituto primordial à defesa dos jurisdicionados, como no caso da sentença parcial de mérito. Somente dessa forma é que se trilhará no rumo de uma prestação jurisdicional mais célere, efetiva e eficaz.

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