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A sentença parcial de mérito como instrumento à efetividade da prestação jurisdicional

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RICARDO DALLA ROZA SCHIAVO

A SENTENÇA PARCIAL DE MÉRITO COMO INSTRUMENTO À EFETIVIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL

Ijuí (RS) 2013

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RICARDO DALLA ROZA SCHIAVO

A SENTENÇA PARCIAL DE MÉRITO COMO INSTRUMENTO À EFETIVIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL

Monografia final do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Monografia.

UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: MSc. Lisiane Beatriz Wickert.

Ijuí (RS) 2013

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Dedico o presente trabalho aos meus pais, Rosane e Joceli, alicerces da minha vida, e à minha irmã Julia, com a qual nutro a mais verdadeira forma de amizade.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais pelos valores ensinados e por me possibilitarem concluir a graduação no Curso de Direito.

Ao Sr. Odacir Secchi, pelos ensinamentos e incentivo na trajetória acadêmica.

Aos meus amigos, pelo companheirismo de todas as horas.

À minha professora orientadora, Lisiane Beatriz Wickert, pela confiança e pelo auxílio na elaboração desta pesquisa.

A todos que de alguma forma participaram da minha vida acadêmica e contribuíram na minha formação pessoal e profissional.

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"Luta. Teu dever é lutar pelo Direito. Mas no dia em que encontrares o Direito em conflito com a Justiça, luta pela Justiça."

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RESUMO

O presente trabalho de pesquisa monográfico visa apreciar o instituto da sentença parcial de mérito, previsto no artigo 273, §6º, do Código de Processo Civil brasileiro, notadamente no que toca à sua real efetividade na atual sistemática processual. A análise se pautou basicamente em consulta doutrinária e jurisprudencial, além de exame de diversas normas da legislação brasileira. Parte-se, prefacialmente, do estudo do direito fundamental à razoável duração dos processos, aliando um resgate histórico da matéria à sua positivação pela Emenda Constitucional nº 45/2004. Em seguida, analisam-se os atos judiciais no processo, enfatizando-se a antiga e a novel conceituação da sentença cível no ordenamento jurídico brasileiro, especificamente na suposta mudança de paradigma implementada pelas reformas processuais de 2005, que desencadearam o sincretismo processual ora vigente, o qual, em tese, viabilizou a utilização da sentença parcial. Ademais, aborda-se a questão da natureza jurídica do referido dispositivo, mormente na sua diferenciação com o instituto da antecipação de tutela. Por fim, adentra-se na controversa discussão acerca do seu sistema recursal, passando-se, posteriormente, a uma análise de casos já julgados relativos à matéria.

Palavras-chave: Direito processual civil. Sentença parcial de mérito. Antecipação de tutela. Celeridade processual. Sentença cível.

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ABSTRACT

The present monographic work aims to assess the institute of the partial judgment on the merits, provided in the article 273, §6º, of the brazilian Code of Civil Procedure, notedly with regarding its efficacy in current systematic procedure. The analysis was based primarily on consultation doctrinal and jurisprudential, besides examine diverses rules of brazilian legislation. Starts, initially, with the study of the fundamental right to a reasonable length of proceedings, combining a historical surrender of matter with the Constitutional Amendment nº 45/2004. Then, analyzes the judicial acts of the process, emphasizing the old and the new conception of the civil sentence on the brasilian legal system, specifically on the supposed paradigm change implemented by procedural reforms by 2005, that initiate the syncretism procedural now present. Moreover, encompasses the question of the legal kind the said device, especially in its differentiation from the institute of the guardianship anticipation. Finally, enters into the controversial discussion about the resource system, posteriorly going to analysis about cases already judged relating to matter.

Key-words: Civil procedural Law. Partial judgment on the merits. Guardianship anticipation. Procedural celerity. Civil sentence.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 9

1 O DIREITO FUNDAMENTAL DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO ... 11

1.1 Aspectos históricos ... 11

1.2. A Emenda Constitucional nº 45/2004 e a positivação do direito fundamental da razoável duração do processo ... 15

1.3 A questão da segurança jurídica ... 19

2 OS ATOS DECISÓRIOS DO JUIZ, A REFORMA PROCESSUAL CIVIL DE 2005 E O JULGAMENTO ANTECIPADO DO PEDIDO INCONTROVERSO ... 23

2.1 Os atos decisórios do juiz ... 23

2.2 O conceito original de sentença e a alteração instituída pela Lei nº 11.232/2005 ... 28

2.3 A viabilização do julgamento antecipado do pedido incontroverso... 32

3. A SENTENÇA PARCIAL DE MÉRITO COMO INSTRUMENTO À EFETIVIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL ... 37

3.1 Natureza jurídica: aspectos comuns e distintos entre a sentença parcial e a antecipação da tutela ... 37

3.2 Aspectos recursais ... 43

3.3 Análise jurisprudencial ... 49

CONCLUSÃO ... 57

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INTRODUÇÃO

Desde a promulgação da Lei nº 11.232/2005, a qual alterou a redação atribuída ao art. 162, §1º, do CPC, e, por conseguinte, o conceito de sentença cível no ordenamento jurídico brasileiro, são imensuráveis as publicações destinadas à nova interpretação do instituto. Dentre essas discussões, merece destaque aquela relacionada à possibilidade de julgamento antecipado de pedido incontroverso na demanda, contida no §6º do art. 273 do mesmo diploma legal e viabilizada em razão da novel conceituação de sentença. Trata-se da “sentença parcial de mérito”, assim denominada pela doutrina e jurisprudência brasileira.

O referido dispositivo surge no cenário jurídico como uma nova alternativa para a célere resolução dos conflitos, uma vez que importa no julgamento antecipado de um dos pedidos (ou de parte de um pedido) quando restar incontroverso, agilizando, assim, a execução do pleito deduzido nos autos.

O tempo de resolução dos feitos, aliás, é um dos temas de maior relevância no âmbito dos atuais debates jurídicos, espraiado também pela sociedade em geral, que invariavelmente se vê prejudicada pela intempestividade da prestação jurisdicional. Nesse panorama, a elevação do direito à razoável duração dos processos como garantia fundamental se justifica por ser cada vez mais evidente no cenário processualístico a morosidade na resolução das demandas. Logo, impõe-se ao legislador a elaboração de reformas legislativas visando mitigar o vagaroso deslinde dos processos, as quais, todavia, ainda não se mostram suficientes para revelar resultados eficazes.

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Com efeito, por ter sido recentemente instituído no ordenamento jurídico brasileiro, a precípua finalidade do presente estudo é aprofundar a análise em torno do ainda pouco desvendado instituto da sentença parcial de mérito, além de aferir se a sua aplicação prática se presta a atingir a finalidade principal para o qual foi concebido, qual seja, a de dar efetividade à prestação jurisdicional, intento atualmente compreendido como garantia fundamental.

Para tanto, o presente trabalho fragmenta-se em três capítulos, desenvolvidos sob forma de pesquisa exploratória, pautada em busca de materiais doutrinários, legislativos e jurisprudenciais. O primeiro deles se digna a apreciar de forma sucinta o contexto histórico que ensejou a promulgação da Emenda Constitucional nº 45/2004, responsável pela famigerada “reforma do judiciário” e que estabeleceu a célere tramitação dos feitos como direito fundamental do cidadão.

Posteriormente, passa-se à análise dos atos decisórios do juiz nos processos, notadamente nos aspectos que diferenciam a antiga e a novel conceituação de sentença, atribuída pela retromencionada Lei nº 11.232/2005.

Por fim, adentra-se na análise da sentença parcial de mérito em si, abordando a questão da sua natureza jurídica e as alternativas recursais cabíveis. Como fechamento, realiza-se um exame jurisprudencial da matéria, que evidencia a inexistência de uniformidade de interpretação do dispositivo, enaltecendo ainda mais a relevância da presente pesquisa.

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1 O DIREITO FUNDAMENTAL DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO

Os entraves para a agilidade da Justiça podem ser analisados sob diversas perspectivas, quer sejam elas formais, processuais ou até mesmo sociais. No entanto, sob um aspecto inexistem controvérsias: sem celeridade não há que se falar em efetividade da prestação jurisdicional. Nesse propósito, o instituto da sentença parcial de mérito apresenta-se como uma alternativa disponível às partes e ao órgão julgador para imprimir celeridade aos processos, através da resolução antecipada da parte incontroversa da demanda, viabilizando, assim, sua pronta execução.

Nesse cenário, importa notar que o constituinte originário brasileiro, não obstante tenha deixado de prever dentre os direitos e garantias individuais dos cidadãos (artigo 5º da Constituição Federal de 1988) o direito à razoável duração do processo, posteriormente supriu tal lacuna com a promulgação da Emenda Constitucional nº 45/2004, que ainda inseriu nesse rol a salvaguarda dos meios que garantam a celeridade de tramitação (art. 5º, LXXVIII, CF/88). Assim, pertinente a abordagem específica da matéria neste ponto, no intento de compreender a evolução histórica da temática e seu desenvolvimento até o panorama atual.

1.1 Aspectos históricos

Há muito é discutido no meio jurídico e até mesmo na esfera dos relevantes debates políticos e sociais a problemática da morosidade na prestação jurisdicional. Não há operador do Direito que não tenha se deparado com tal questão em algum momento da sua vida profissional. A justiça, como se vê, segue caminho inverso às atuais tendências de agilidade e presteza, caracterizadoras da era pós-moderna. Tal realidade, por óbvio, clama por solução, e as alternativas existentes ainda não demonstram resultados práticos satisfatórios.

O Estado, a partir do momento em que retira dos sujeitos o poder de autotutela, ressalvadas as restritas hipóteses autorizadas legalmente, toma para si o exercício da função judicante, consistente na resolução dos conflitos de interesses entre seus jurisdicionados. Logo, porquanto detentor de tal poder, cabe também ao Estado, compreendido em sentido amplo, primar pela efetividade da tutela

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jurisdicional, de forma que seja prestada de maneira eficaz e capaz de suprir os anseios de seus cidadãos.

Na lição de Spalding (apud WAMBIER, 2005, p. 35):

O Estado, ao coibir a autotutela, tomou para si a responsabilidade de garantir a todos os cidadãos o direito à tutela jurisdicional efetiva, o que significa dizer também tutela tempestiva.

Nesse contexto, cabe também ao legislador a responsabilidade de editar leis que possam viabilizar uma adequada tutela jurisdicional, e ao magistrado o dever de aplicá-la para garantir sua efetivação diante do caso concreto.

A partir dessa concepção, como resposta à mazela da morosidade do judiciário, o legislador brasileiro, em 08 de dezembro de 2004, instituiu a Emenda Constitucional nº 45, que posteriormente ficou conhecida como “Reforma do Judiciário”, na perspectiva de estatuir amplas alterações no ordenamento jurídico, de forma a implementar novos mecanismos capazes de prestar celeridade ao desenvolvimento dos processos judiciais e administrativos.

Em que pese necessária a contextualização da referida Emenda, o presente tópico se limitará a abordar a inserção do inciso LXXVIII ao art. 5º da Constituição Federal brasileira, o qual dispõe que “A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”

A apreciação do desenvolvimento histórico da matéria nesse contexto evidencia-se primordial, haja vista que o direito em voga há anos enseja discussões no âmbito jurídico, mas somente há pouco tempo foi elevado à condição de direito fundamental dos cidadãos na legislação pátria, através da sua inclusão no texto constitucional.

Como dito, não obstante o inciso LXXVIII tenha sido introduzido no Brasil apenas na primeira década do presente milênio, a preocupação com a entrega da tutela jurisdicional dentro de um prazo razoável já vinha sendo demonstrada em diversos dispositivos de convenções internacionais desde o século passado. A positivação de direitos fundamentais do homem, aliás, compreendendo a celeridade

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processual como tal, é objeto de constantes tratados internacionais e, no magistério de Afonso da Silva (2005, p. 178), podem ser compreendidos como:

[...] princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. No qualitativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente concretizados. Do homem, não como macho da espécie, mas no sentido de pessoa humana. Direitos fundamentais do homem significa direitos fundamentais da pessoa humana ou direitos fundamentais.

Na esteira dessa evolução, cumpre referir que a Convenção Europeia para a Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, subscrita em Roma, em 04 de novembro de 1950, no seu art. 6º, § 1º1, já resguardava a

importância de um julgamento dotado de mecanismos capazes de ensejar uma demora apenas que não ultrapassasse aquela estritamente necessária. No mesmo sentido, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto San José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1979, ratificada pelo Brasil em 1992, elencou em seu art. 8º que: “Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial [...]”

Oportuno transcrever, a título de exemplificação de históricos precedentes do ordenamento jurídico europeu sobre o tema, parte de julgado que traz Cruz e Tucci (2001, p. 385-390), advindo da Corte Europeia dos Direitos de Homem que, em 1987, condenou o Estado italiano a indenizar uma litigante em razão da excessiva demora na prestação jurisdicional:

Direitos políticos e civis – Itália – Duração dos procedimentos judiciais – limites razoáveis – Caso concreto – Violação da Convenção – ressarcimento

do dano – critérios de determinação (Convenção Européia para a

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Art. 6º, §1º, da Convenção Européia para a Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais: “Toda pessoa tem direito a que sua causa seja examinada eqüitativamente e publicamente num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial instituído por lei, que decidirá sobre seus direitos e obrigações civis ou sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal contra ele dirigida.”

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Salvaguarda dos Direitos do homem e das Liberdades Fundamentais arts. 6º e 50).

Excede os termos razoáveis de duração, prescritos pelo art. 6º, 1, da Convenção Européia para a Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, o processo não particularmente complexo, tanto em matéria de fato, quanto em matéria de direito, e que ainda não foi concluído depois de 10 anos e 4 meses de seu início [...]

O Estado italiano é obrigado a pagar à requerente, em face da excessiva duração do processo no qual é ela autora, a soma de 8.000.000 liras, determinada eqüitativamente ao ressarcimento, seja do dano moral advindo das despesas efetuadas e das perdas sofridas, seja do dano moral derivante do estado de prolongada ansiedade pelo êxito da demanda.

Como se vê, não obstante paute fervorosas discussões jurídicas atualmente, a questão atinente à célere entrega da tutela jurisdicional há anos é debatida no direito nacional e internacional.

No Brasil, aliás, o princípio da razoável duração do processo e da celeridade processual, segundo Barcellos (2012, p. 10), foi introduzido pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, de 1992, como forma de lei ordinária. Em suas considerações, o autor menciona que:

O Congresso brasileiro aprovou o texto do diploma internacional (Pacto) por meio do Decreto Legislativo n. 226/91, sendo a carta de adesão depositada em 24 de janeiro de 1992; é o que prescreve o Decreto presidencialista n. 592, de 6 de julho de 1992, passando a vigorar três meses após, ou seja, em 24 de abril de 1992. Sabe-se que o Tratado foi recepcionado pelo ordenamento jurídico como lei ordinária e, desta feita, não teve muita efetividade.

Em que pese as variadas interpretações doutrinárias acerca do tema, consenso é que o direito à razoável duração do processo, juntamente do direito ao devido processo legal (art. 5º, LIV), do direito de acesso à Justiça (art. 5º, XXXV) e do direito ao contraditório e ampla defesa (art. 5º, LV), formam o conjunto mais amplo das garantias processuais, cabendo ao Estado, como detentor da função jurisdicional, zelar pelo efetivo cumprimento.

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1.2. A Emenda Constitucional nº 45/2004 e a positivação do direito fundamental da razoável duração do processo

A Constituição Federal de 1988, atualmente em vigor no Brasil, trata-se de uma constituição rígida, ou seja, que necessita de um procedimento solene e especial para a promoção de alterações em seus dispositivos. As eventuais modificações, com efeito, processam-se mediante proposição de emendas constitucionais, dependendo de aprovação, em dois turnos, de 3/5 dos membros das duas casas do Congresso Nacional, conforme estabelece o art. 60, parágrafo segundo, da Lei Maior.

A competência para a elaboração de emendas à Constituição pelo próprio Poder Constituinte Originário foi conferida ao Congresso Nacional, através da instituição do denominado Poder Constituinte Renovador/Revisor, o qual, segundo leciona Ferreira Filho (1999, p. 124):

[...] visa, em última análise, permitir a mudança da Constituição, a adaptação da Constituição, a novas necessidades, novos impulsos, a novas forças, sem que para tanto seja preciso recorrer à revolução, sem que seja preciso recorrer ao Poder Constituinte originário.

Assim, as adaptações constitucionais ocasionadas pelas constantes transformações e necessidades políticas, econômicas e sociais, passam, paralelamente, por um rito formal específico e, por evidente, mais rígido em relação ao das leis ordinárias.

A partir dessas considerações, note-se que, após ter transcorrido pouco mais de três anos da promulgação da Constituição Federal de 1988, o então Deputado Federal Hélio Bicudo, no ano de 1992, já identificando problemáticas existentes na legislação, apresentou proposta de emenda à constituição, através da PEC 96-A/1992. No entanto, foi somente a partir de 31 de dezembro de 2004 que, após anos de discussões e adaptações, as reformas passaram a vigorar através da Emenda Constitucional nº 45/2004, cujo escopo maior, como já dito, foi o de capacitar o Poder Judiciário às demandas sociais emergentes, a fim de proporcionar uma prestação jurisdicional mais célere e efetiva.

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A referida Emenda, portanto, implementou uma série de modificações no texto constitucional, dentre as quais pode-se destacar algumas com grande relevância prática atualmente, tal como a necessidade mínima de três anos de atividade jurídica para ingresso na carreira da magistratura (art. 93, I); a possibilidade de servidores judiciais realizarem despachos sem cunho decisório (art. 93, XIV); a competência do Supremo Tribunal Federal editar súmulas vinculantes (art. 103-A); a “constitucionalização” dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, desde que aprovados pelo quorum qualificado das emendas constitucionais (art. 5º, §3º); dentre outras. Contudo, consoante dito alhures, o rol de alterações é deveras extensivo, e por si só abrange matéria suficiente para pesquisa exclusiva a tal fim, que não será objeto de análise neste trabalho.

Não obstante a característica essencial dos direitos fundamentais seja sua aplicabilidade imediata, entendendo-se assim o direito da razoável duração do processo, vez que inserido no rol do artigo 5º da Carta Magna, assevera Bermudes (2005, p. 2) que eles por si só não bastam para alcançar os objetivos que lhes são propostos, dependendo dos operadores jurídicos sua emolduração às imposições da realidade. Daí porque a aplicabilidade do direito à duração razoável do processo não necessita do intermédio da legislação infraconstitucional, justamente em razão de se sobrepor a ela.

Nessa linha de entendimento, Vieira (2007, p. 17), refere que:

[...] ainda que a duração razoável do processo já estivesse implicitamente disposta na carta republicana, conforme o entendimento de Marinoni, tal disposição constitucional não tinha total efetividade em sua plenitude, seja pela mora do legislador infraconstitucional, pela deturpação das normas já existentes pelos operadores do direito ou pela inadequação da máquina judiciária, culminando na morosidade da prestação jurisdicional.

Com efeito, de acordo com tal concepção, a efetivação do dispositivo se vincula diretamente à atividade diretiva dos julgadores, que, responsáveis pela condução dos processos, assumem também a obrigação de assegurar aos jurisdicionados uma atividade eficaz, seja na esfera qualitativa ou na temporal. Humberto Theodoro Júnior (2005, p. 20-23), acerca do assunto, doutrina:

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A primeira grande conquista do Estado Democrático é justamente a de oferecer a todos uma justiça confiável, independente, imparcial e dotada de meios que a faça respeitada e acatada pela sociedade [...] O processo, instrumento de atuação de uma das principais garantias constitucionais - a tutela jurisdicional -, teve de ser repensado. É claro que, nos tempos atuais, não basta mais ao processualista dominar os conceitos e categoriais básicos do direito processual, como a ação, o processo e a jurisdição, em seu estado de inércia. O processo tem, sobretudo, função política no Estado Social de Direito. Deve ser, destarte, organizado, entendido e aplicado como instrumento de efetivação de uma garantia constitucional, assegurando a todos o pleno acesso à tutela jurisdicional, que há de se manifestar sempre como atributo de uma tutela justa.

Pela análise do tema, possível observar também o caráter dúplice do direito fundamental em comento, porquanto se apresenta como direito individual, ou seja, exigível pelos jurisdicionados, bem como um direito prestacional, na medida em que aos órgãos prestadores da atividade jurisdicional devem ser disponibilizados os “meios que garantam” a celeridade dos feitos, conforme redação atribuída ao aludido inciso.

Nesse viés, considerada, então, a referida norma como verdadeiro princípio constitucional que, nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello (apud WAGNER JÚNIOR, 2008, p. 27) “[...] é por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, dispositivo fundamental que se irradia sobre diferentes normas [...]”, há de se compreender seu necessário atrelamento a outros princípios fundamentais, os quais, aliás, já estavam positivados no ordenamento jurídico brasileiro antes mesmo da promulgação da Emenda Constitucional nº 45/2004.

Há entendimento, inclusive, conforme retromencionado, de que os institutos da razoável duração do processo e da celeridade processual já estavam implicitamente presentes no texto constitucional, mais precisamente no art. 5º, inciso XXXV, que trata do direito ao acesso à justiça, o qual não garantia a todos tão somente o acesso ao juízo, mas sim que o serviço da jurisdição fosse prestado de maneira adequada, efetiva e tempestiva (CRUZ E TUCCI, 2001).

Outros doutrinadores ainda referem que o direito ao processo em um tempo justo é corolário do devido processo legal, previsto no art. 5º, LIV, da Lei Maior. A lição de Moraes (2005, p. 94), inclusive, vai além, referindo que

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Essas previsões – razoável duração do processo e celeridade processual -, em nosso entender, já estavam contempladas no texto constitucional, seja na consagração do princípio do devido processo legal, seja na previsão do

princípio da eficiência aplicável à Administração Pública (CF, art. 37, caput).

Incontroverso, nesse sentido, é que o novo realce dado ao instituto em questão, com a sua explicitação como uma garantia fundamental, decorre da insatisfação da sociedade com a prestação da tutela jurisdicional, aliada à ideia de que esta atividade deve ir além da simples prestação pelo Estado, mas que ocorra de forma efetiva, justa e tempestiva.

Aliás, a questão do tempo também é tema de discussão, porquanto a subjetividade do que se entende por prazo razoável abre margem a distintas interpretações. O transcurso do processo entre o ajuizamento da ação e a entrega da tutela jurisdicional deveria ser, no plano teórico, aquele estritamente necessário para que o julgador firme seu convencimento acerca do litígio, desprezando-se a observância exacerbada de aspectos formais e as dilações indevidas, aqui compreendidas como atos despiciendos à resolução do mérito da lide.

Para Aury Lopes Júnior (2004, p. 113):

[...] as pessoas têm direito de saber, de antemão e com precisão, qual o tempo máximo que poderá durar um processo concreto [...] É inerente às regras do jogo [...] é uma questão de reconhecimento de uma dimensão democrática da qual não podemos abrir mão.

Nessa trilha, a duração do processo em tempo considerado aceitável é verdadeira obrigação do Estado, em que pese a prática revele tal pressuposto mais como uma exceção do que propriamente uma regra. E é por essa realidade enfrentada que a insatisfação pública acerca da atividade jurisdicional possui as dimensões atuais, a justiça prestada de forma tardia nada possui de justiça, sendo verdadeira denegação desta em relação aos jurisdicionados.

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1.3 A questão da segurança jurídica

O fator paradoxal entre a busca pela celeridade de tramitação dos processos e a necessidade de zelo à segurança jurídica historicamente proclama atenção, acentuando-se ainda mais diante do apelo social às reformas legislativas visando combater a morosidade da prestação jurisdicional. Logo, é notório um dos maiores desafios do processo civil contemporâneo: equacionar o aspecto temporal do processo com a segurança jurídica.

A respeito da colisão entre os princípios, assevera Mansoldo (2010, p. 10):

Na prática o que não pode ocorrer é a colisão entre os Princípios da Celeridade e o Princípio da Segurança Jurídica. Não é seguro pensar em uma prevalência de um princípio sobre o outro. Os dois devem se complementar, sendo que, o limite de cada um deve ser respeitado. Ou seja, um caso concreto, em função da busca desenfreada da celeridade, não pode ser afetado pela insegurança jurídica, assim, prejudicando as partes. Apenas haverá a verdadeira efetividade processual coexistindo com a segurança jurídica, pois, caso contrário, não houve efetividade processual.

Ademais, não há como se desprezar o princípio da celeridade processual, mas, ao mesmo tempo, necessária a observação do devido processo legal. O dilema, assim posto, reside na harmonização de ambos os institutos, de modo que a tutela jurisdicional seja equânime e tempestiva, o que, por fim, representa a pretensa segurança jurídica aos jurisdicionados. Nessa linha, sábia é a lição de Gajardoni (2007, p. 105) ao aduzir que: “Celeridade não pode ser confundida com precipitação. Segurança não pode ser confundida com eternização.”

Nesse diapasão, pertinente notar a imprescindibilidade do formalismo procedimental do processo. O ordenamento dos atos processuais a serem seguidos é essencial para estabelecer uma ordem na marcha do feito, do contrário, abrir-se-ia margem a uma desenfreada disputa entre os litigantes e, por conseguinte, a eventuais arbitrariedades pelos julgadores. O formalismo das regras procedimentais, assim, atua como garantia contra esses desajustes.

No entanto, em muitas ocasiões o formalismo exacerbado desvia a finalidade para o qual existe, resultando em tramitação lenta e desnecessária do

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processo. Grande parte da crítica aponta como fator primordial para obstar o deslinde dos feitos a quantidade demasiada de incidentes e instrumentos processuais disponíveis às partes, os quais invariavelmente são utilizados como meios de obstruir a marcha regular dos processos. Destarte, o desvirtuamento na utilização das possibilidades oferecidas pelo sistema acaba por se transformar em fator de insegurança jurídica. Segundo Miller (2011, p. 3), tal questão acarreta, inclusive, em violação ao princípio do acesso à justiça:

[...] o formalismo excessivo, exagerado, desvirtuado que, deixando de ver a forma como algo capaz de contribuir para a realização do direito, serve para sufocar a pretensão da parte.

Tal tipo de formalismo em nada contribui para que se tenha um desfecho digno da lide posta para a apreciação do judiciário. Pelo contrário, com o exagero na valorização das formas dos atos processuais tem-se a inacessibilidade da justiça.”

A atividade do magistrado, diante do panorama de desvio da finalidade das regras formais, exsurge como fundamental, já que a legislação oferece ao julgador meios de coibir a má-fé na utilização dessas ferramentas. O art. 17 do Código de Processo Civil2 estabelece as hipóteses em que se reputa de má-fé o litigante processual, destacando-se, nesta discussão, a previsão dos incisos IV, V, VI e VII, todos relacionados à desvirtuada utilização das alternativas processuais, como forma de obstar o andamento do feito. No art. 183 do mesmo diploma legal, inclusive, há previsão de multa a quem faça uso de tais artifícios ardilosamente.

Em meio a esta discussão, impossível não trazer à baila o princípio da instrumentalidade das formas como uma alternativa de combate à morosidade, sem prejuízo da segurança jurídica. Tal princípio, representante dos novos valores adotados pelo Estado Democrático de Direito, com mentalidade voltada à eficiência da atividade processual, exalta o desapego exagerado ao formalismo, de maneira a

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Art. 17. Reputa-se litigante de má-fé aquele que: I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; II - alterar a verdade dos fatos; III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal; IV opuser resistência injustificada ao andamento do processo; V proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; Vl - provocar incidentes manifestamente infundados; VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório (grifou-se).

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Art. 18. O juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, condenará o litigante de má-fé a pagar multa não excedente a um por cento sobre o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou (grifou-se).

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arredar óbices ao desenvolvimento do processo e consequentemente alcançar a efetividade jurisdicional.

Pela compreensão do princípio em comento, o ato processual não deve ser entendido como um fim em si mesmo, mas um meio utilizado para atingir determinada finalidade, evitando, assim, o deslocamento da concessão e da efetividade da tutela judicial a segundo plano, em detrimento do formalismo excessivo. Ressalta-se aqui que não está a se falar de inobservância do procedimento legal, mas que se façam dos atos processuais apenas meios aptos a atingir a finalidade pretendida. Na lição de Dinamarco (2005, p. 329):

Sem transformar as regras formais do processo num sistema orgânico de armadilhas ardilosamente preparadas pela parte mais astuciosa e estrategicamente dissimuladas do caminho do mais incauto, mas também sem renegar o valor que têm, o que se postula é, portanto, a colocação do processo em seu devido lugar de instrumento que não pretenda ir além de suas funções; instrumento cheio de dignidade e autonomia científica, mas nada mais do que instrumento.

Clássico exemplo de aplicabilidade do princípio da instrumentalidade das formas encontra-se normatizado no art. 214, §2º4, do Código de Processo Civil, o qual estabelece o suprimento da falta de citação quando o interessado comparecer espontaneamente e em tempo hábil de exercer o seu direito. Percebe-se a partir deste exemplo que, não obstante o formalismo não tenha sido rigorosamente observado na hipótese, já que não há citação em si – mediante mandado, correspondência ou edital - a precípua finalidade é atingida através de outro meio, sem ferimento de garantias de defesa.

Impõe-se, a partir disso, compreender que o dilema exposto deve ser enfrentado com a utilização dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, a fim de que o trâmite do processo não ultrapasse o limite do razoável e tampouco se agilize a ponto de prejudicar o contraditório e a ampla defesa, o que acarretaria desestabilização da segurança jurídica pretendida. Nos dizeres de Rodrigues (2005, p. 290): “Celeridade e segurança jurídica são forças antagônicas que têm de

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Art. 214. Para a validade do processo é indispensável a citação inicial do réu. [...]

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conviver. Como operadores do direito, o papel é mediar esse constante conflito, fazer com que essas forças se conciliem, da melhor maneira possível.”

Como se depreende, a Reforma do Judiciário, ao mesmo tempo em que incluiu mudanças no ordenamento jurídico pátrio, inclinou o pensamento legislativo para a necessidade de novas mudanças nas normas já estabelecidas, no sentido de adaptá-las ao que idealiza o princípio da razoável duração do processo e da celeridade de tramitação, sem que, contudo, haja prejuízo da segurança jurídica daqueles que são tutelados pelo órgão jurisdicional.

O pontapé inicial, portanto, dado pela Emenda Constitucional nº 45/2004, foi o impulso e o embasamento de reformas legislativas pontuais, dentre as quais se insere aquela estabelecida pela Lei nº 11.232/2005, que alterou o conceito de sentença cível em nosso ordenamento jurídico, implicando em mudanças também nos atos de competência do juiz, objetos os quais serão apreciados no vindouro capítulo.

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2 OS ATOS DECISÓRIOS DO JUIZ, A REFORMA PROCESSUAL CIVIL DE 2005 E O JULGAMENTO ANTECIPADO DO PEDIDO INCONTROVERSO

A Lei nº 11.232/2005, que entrou em vigor em 23/06/2006, alterou a redação de vários dispositivos do Código de Processo Civil, visando à implementação de um processo sincrético e multifuncional, acumulando no mesmo feito as atividades de certificar, liquidar e executar. A sentença, em meio a essas transformações, foi um dos institutos para o qual mais se voltaram as atenções da doutrina, já que teve seu próprio conceito gramaticalmente alterado pela norma, ensejando numerosas discussões acerca das implicações práticas dela decorrentes.

Como se observará no presente capítulo, a novel redação da sentença afastou antigos óbices à aplicação do instituto da resolução parcial de mérito, consistentes na percepção da sentença não mais como um ato do juiz que põe fim ao processo, mas simplesmente como o ato judicial que pressupõe uma das situações de julgamento ou não do mérito da demanda. Nessa senda, contudo, imperiosa a sistematização das formas de decisão judicial, bem como do antigo conceito previsto originariamente na Lei processual civil, a fim de compreender as nuances que levaram tal reforma legislativa a viabilizar a aplicação prática da sentença parcial de mérito, tema central desta pesquisa.

2.1 Os atos decisórios do juiz

A percepção da função jurisdicional do Estado é requisito básico para visualizar o contexto no qual se insere a atuação judicial no processo. O juiz, revestido de poderes conferidos por lei, toma para si, em uma posição imparcial, a função estatal de solucionar conflitos interindividuais ou supra-individuais, bem como de gerir os demais escopos do sistema processual.

A função do Estado, na premissa imperativa de solucionar os conflitos surgidos entre seus jurisdicionados, passa pela aplicação da lei processual ao caso concreto, de modo que seja viabilizada a tutela conferida em sede de direito material. Tal função, essencialmente pública, e sujeita, portanto, às normas de direito público,

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deve ser diferenciada dos demais poderes estatais (legislativo e executivo), conforme doutrina Cândido Rangel Dinamarco (2009, p. 316, grifo do autor):

Todas as funções do Estado são exercidas com fundamento no poder (jurisdição, legislação e administração), mas só a jurisdição com o poder

objetivo de atuar à vontade do direito material. Legislando, o Estado cria

normas jurídicas, que são imperativas mas não têm destinatário certo nem se endereçam a determinada situação concreta, conhecida e definida (daí o caráter genérico e abstrato da lei, em contraste com a sentença, que é específica e concreta). Administrando, o Estado cumpre outras missões no plano social e econômico, tendo a lei como limite mas não agindo com a

finalidade de dar-lhe atuação [...] os objetivos dessas atividades estão

ligados ao dever de propiciar o bem-comum e não ao de dar efetividade à lei.

Ainda, segundo o referido autor, a atividade jurisdicional exercida pelo juízes representa uma atuação do Estado em si, já que este, na condição de pessoa jurídica, não é capaz de ultrapassar a esfera da mera abstração e de pôr em prática as prerrogativas que lhe são conferidas, o que só ocorre quando investido em uma existência física (juiz) para externar seus desígnios e exercer seu poder.

Nessa trilha, impõe-se compreender que na relação endoprocessual o juiz possui duas grandes missões básicas: a de conduzir o feito segundo o procedimento legal, originado pela iniciativa de uma das partes5, resolvendo eventuais questões incidentes, e a de solucionar a lide, proferindo decisão fundamentada ao caso processado.

A partir disso, tratou a própria lei instrumental civil de conceituar as formas de atuação do juiz de primeiro grau no processo, diferenciando e definido cada uma delas em seu artigo 162, as quais se classificam em sentenças, decisões interlocutórias e despachos. Eis o ter do aludido dispositivo:

Art. 162. Os atos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos.

§ 1º Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas

nos arts. 267 e 269 desta Lei.

5

Neste ponto, não se deve confundir o princípio da iniciativa das partes com o princípio do impulso oficial. Este se refere à obrigação do juiz, uma vez acionado pelo ajuizamento de uma ação, em dar andamento ao feito até sua resolução, enquanto que aquele diz respeito à vedação, salvo exceções, da instauração de ação de ofício pelo magistrado.

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§ 2ºDecisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente.

§ 3ºSão despachos todos os demais atos do juiz praticados no processo, de

ofício ou a requerimento da parte, a cujo respeito a lei não estabelece outra forma.

§ 4ºOs atos meramente ordinatórios, como a juntada e a vista obrigatória, independem de despacho, devendo ser praticados de ofício pelo servidor e revistos pelo juiz quando necessários.

Sobre a sistematização legislativa dos pronunciamentos judiciais, Fredie Didier Jr. (2012, p. 281-282) refere que o objetivo maior da lei foi o de organizar o sistema recursal:

A principal razão para proceder-se a uma sistematização dos pronunciamentos judiciais está na necessidade de organizar o sistema recursal. Daí a legítima preocupação do legislador de estabelecer conceitos de cada um dos tipos de pronunciamentos judiciais (arts. 162 e 163, CPC) e a preocupação da doutrina em aperfeiçoá-los.

Todavia, imperioso observar que tal relação diz respeito unicamente aos atos de cunho decisório ou ordinatório, não podendo ser olvidado que, além desses provimentos, ao magistrado incumbe também o dever de praticar outros atos, registrados por termos e lavrados nos autos pelo escrivão, tais como: inquirição de testemunhas (art. 413), interrogatório das partes (art. 342), inspeção judicial (art. 440) e interrogatório do interditando (art. 1.181).

Em uma análise específica dos atos atribuídos ao juiz no processo, opta-se aqui por se iniciar com o exame dos despachos, nomeadamente em razão de, segundo majoritária doutrina, não se tratarem de atos de cunho decisório, o que retira das partes a prerrogativa de interpor recurso, conforme redação do artigo 504 do Código de Processo Civil6, diferenciando-os dos demais pronunciamentos referidos.

Há que se ressaltar, no entanto, a possibilidade de tais atos ensejarem correição parcial ou mandado de segurança, segundo refere Elpídio Donizetti (2012, p.321):

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Os despachos, porque desprovidos de conteúdo decisório, de regra não têm aptidão para causar lesão às partes. Por isso, nos termos do art. 504, dele não cabe recurso. Se causarem gravame, podem ensejar correição parcial (recurso anômalo previsto nas leis de organização judiciária) ou mandado de segurança.

De outra banda, Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery (2010, p. 451) entendem que, ocorrendo lesão à parte ou ao interessado a partir do teor do despacho, este deixa de se configurar, passando a se tratar de decisão interlocutória, recorrível mediante recurso de agravo:

Por não possuírem conteúdo decisório algum, os despachos são irrecorríveis (CPC 504). Contudo, se causa dano à parte ou ao interessado, não será despacho, mas decisão interlocutória, sendo impugnável pelo recurso de agravo.

Não pairam dúvidas, portanto, que os despachos possuem a essencial finalidade de dar andamento ao feito, segundo o procedimento legal estabelecido para a ação correspondente. Há, nesse pronunciamento judicial, uma íntima relação com o princípio do impulso oficial, segundo o qual se atribui ao magistrado o papel de presidir o feito a fim de torná-lo maduro para julgamento, por óbvio, de acordo com o devido processo legal.

Em meio a esse desenvolvimento processual até o pronunciamento final, é natural que surjam questões incidentais que, de alguma forma, interfiram no resultado derradeiro da lide. São, essencialmente, decisões suscetíveis de causar gravame às partes. Para elas, a lei processual civil atribuiu a denominação de decisão interlocutória, consoante dispõe o artigo 162, §2º.

A identificação deste ato torna-se simples se vislumbrada sob um enfoque de exclusão: todo o ato do juiz, com conteúdo decisório, que não se enquadra no conceito de sentença e que não tenha o condão de por fim ao processo, será reputado decisão interlocutória. Todavia, com a instituição do processo sincrético, tema que adiante será abordado, a compreensão deste ato tornou-se menos incontroversa, uma vez que o código passou também a utilizar o critério teleológico para sua identificação, e não unicamente o finalísitco.

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A instituição do processo sincrético acarretou dificuldades para conceituação de decisão interlocutória. Esse ato, tal como a sentença, era classificado pelo critério finalísitico. Para saber se o ato tratava-se de sentença ou de decisão interlocutória, fazia-se a seguinte indagação: a decisão pôs fim ao processo? Caso afirmativo, estava-se diante de uma sentença; se negativa a resposta, tratava-se de decisão interlocutória. [...] Outro critério comumente utilizado para saber se o ato caracterizava-se como sentença ou decisão interlocutória era o recurso cabível. Sabe-se que da sentença cabe apelação (art. 513) e, da decisões interlocutórias, cabe agravo (art. 522). [...] Feitas essas considerações {...} o que caracteriza a decisão interlocutória é haver ela resolvido, no curso do processo, uma questão incidente.

Nessa mesma ótica de diferenciação entre a conceituação de sentença de decisão interlocutória, Araken de Assis (2006, p. 23) ressalta:

A tais atos decisórios o art. 162, §2º, chama de decisões interlocutórias. Na

verdade, a classe das “decisões” se afigura mais ampla do que aquela

constituída pela resolução de questões incidentes, sob pena de tornar supérfluo o adjetivo aposto à decisão mencionada no sobredito parágrafo (“interlocutória”). Assim, o gênero “decisão” abrangerá dois tipos de atos decisórios, proferidos pelo juiz singular de primeiro grau: a sentença (art. 162, §1º) e a interlocutória (art. 162, §2º).

Portanto, verifica-se que a própria literalidade do dispositivo legal supramencionado é suficiente para a essencial compreensão da decisão interlocutória, bem como para diferenciá-la das demais modalidades de decisões judiciais de primeira instância. Trata-se de decisão proferida no curso da demanda, que não implica em encerramento do feito, mas que tem conteúdo capaz de afetar o interesse de uma das partes, razão pela qual o recurso de agravo é o meio apto para impugná-la. Distingue-se dos despachos porque é capaz, em regra, de provocar gravame às partes; e, por outro lado, das sentenças, porquanto não leva ao encerramento do procedimento.

Acerca desta última distinção, propõe-se aqui abordar o instituto da sentença em item específico, mormente em razão da alteração da sua conceituação após a promulgação da Lei nº 11.232/2005, que estabeleceu novos ditames ao processamento das demandas cíveis no Brasil, e, como será visto, viabilizou a aplicação prática da sentença parcial de mérito, objeto maior do presente estudo.

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2.2 O conceito original de sentença e a alteração instituída pela Lei nº 11.232/2005

A feição original da sentença cível, prevista no Código de Processo Civil de 1973, previa o direito em cognição exauriente, de cunho certificador, como uma utilidade jurídica para dar sustentação a um processo cognitivo, de maneira que, após isso, se procedesse à execução em nova demanda. Desse modo, o direito eventualmente adquirido na ação de conhecimento seria buscado, na prática, através do exercício da ação de execução de sentença, ou seja, em processamento autônomo para tal fim. O caminho para a satisfação da pretensa tutela jurisdicional, portanto, subdividia-se em processo de conhecimento e de execução.

O teor redacional dos dispositivos relacionados à sentença no processo civil foram bem delimitados pelo legislador, a fim de não abrir margem a interpretações extensivas. Originalmente, o artigo 162, §1º, do Código de Processo Civil, estabelecia que “Sentença é o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa”, ao que se associava ao disposto no caput do artigo 269: “Extingue-se o processo com julgamento de mérito”, bem como ao constante no artigo 463, que prescrevia que “Ao publicar a sentença de mérito, o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional [...]”

Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery (2010, p. 447, grifo dos autores), ao apreciar o antigo conceito de sentença, referem que a primazia da redação foi pela finalidade do ato, em detrimento do seu conteúdo, como anteriormente já mencionado:

[...] a pedra de toque estabelecida pelo CPC para classificar os pronunciamentos do juiz de primeiro grau era somente a finalidade do ato, seu objetivo, seu sentido teleológico, sua consequência. Se a finalidade do ato fosse extinguir o processo, seria sentença; [...] Nenhum outro parâmetro anterior ao da lei, por mais importante e científico que seja, poderia ser utilizado para estabelecer a natureza e a espécie do pronunciamento judicial. O critério, fixado ex lege, tinha apenas a finalidade como parâmetro classificatório.

Daniel Mitidiero (2005, p. 52-54), por seu turno, leciona que o pragmatismo do instituto sob enfoque visava, dentre outras coisas, definir a apelação como a via recursal cabível. Para o autor, o CPC de 1973

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resolveu assumir a respeito do tema uma postura dita puramente pragmática: conceituou sentença como o ato que encerra o processo, com ou sem a resolução do mérito (art. 162, § 1º), tornando-a sempre apelável (art. 513), recebendo destarte os aplausos de Pontes de Miranda. Colheu a legislação, segundo autorizada pena, o critério topológico de classificação dos atos jurisdicionais. [...] É sentença todo e qualquer ato que tende a enfeixar o procedimento em primeiro grau, examine ou não o mérito da causa.

A respeito da observada taxatividade atribuída ao conceito de sentença pelo legislador, Aragão (1986, p. 51), ao comentar acerca da Exposição de Motivos do Anteprojeto do CPC de 1973, refere que toda a definição é perigosa em direito, merecendo destaque, dentre elas, a da sentença, que, segundo ele, não estaria em consonância com a melhor doutrina, porquanto apenas a decisão do mérito da causa, acolhendo ou rejeitando o pedido do autor, definiria a sentença, nos mesmos moldes seguidos por Chiovenda e outros processualistas inspirados em fontes romanas. Todavia, o mesmo processualista faz a ressalva de que a sentença nem sempre encerra o processo, já que as possibilidades recursais podem remeter o feito a instâncias superiores, pelo que se conclui que a sentença é o provimento judicial que põe fim ao procedimento em primeiro grau de jurisdição ou uma de suas fases (ARAGÃO, 1992, p. 79/80).

No tocante ao referido aspecto da subdivisão da sentença em definitiva, quando julga o mérito da causa, e terminativa, quando assim não o fazem, ao contrário do que defende Aragão, a doutrina majoritária entende ser irrelevante a apreciação do mérito da causa para que se configure um ato judicial como sentença. Nessa trilha, basta que o desiderato seja propriamente fulminar o processo, ainda que a questão de fundo não seja apreciada. Em sintética e clara definição, Fredie Didier Jr. (2012, p. 285-286), em referência ao conceito antigo, que segundo ele se aplica também ao atual, conclui: “Sentença é o pronunciamento pelo qual o juiz, analisando ou não o mérito da causa, põe fim a uma etapa (cognitiva ou executiva) do procedimento em primeira instância.”

Relevante destacar, nesse contexto, a doutrina de Nagib Slaibi Filho (2004, p. 281), quando menciona que a sentença não se resume somente à atividade do

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magistrado, mas é sim o resultado da atuação conjunta das partes envolvidas no processo como um todo:

[...] sentença é o resultado da atividade processual não só do juiz, mas de todos os participantes do processo, sejam eles protagonistas (as partes), coadjuvantes (assistentes, terceiros intervenientes incidentalmente, as testemunhas, auxiliares da justiça, como os serventuários e peritos, etc.) e até mesmo os terceiros desinteressados que se submetem aos efeitos da decisão (por exemplo, o credor do casal, na ação de divórcio) ou que devem colaborar para a descoberta da verdade e da atuação da lei (por exemplo, o dever jurídico insculpido no art. 341).

Exatamente nessa visão de conjugação de ações entre os envolvidos na atividade processual, adveio a reforma processual de 2005 objetivando otimizar o desenvolvimento dos feitos civis, primando, dessa forma, pelo aclamado princípio da razoável duração do processo, consoante visto no capítulo anterior. A Lei nº 11.232/2005, com efeito, estabeleceu no ordenamento processual civil brasileiro o denominado sincretismo processual, que suprimiu, salvo pontuais exceções, o processamento apartado das ações de conhecimento e de execução. Pela nova regra, tais funções se unem no bojo dos mesmos autos, eliminando a autonomia da ação de execução, uma vez que o título obtido na ação de conhecimento passou a ser exigido (executado) na mesma demanda, sem necessidade de nova citação do devedor e do estabelecimento de uma nova relação processual. A execução, portanto, deixou de ser configurada como um novo processo, tratando-se de simples fase de cumprimento da sentença.

Por corolário lógico, sobreveio a necessidade de alteração legislativa também dos dispositivos relacionados à sentença cível. A partir de então, o artigo 162, §2º, passou a vigorar com a seguinte redação: “Sentença é o ato do juiz que implica em algumas das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei”. Por sua vez, do caput do artigo 269 foi retirada a referência à extinção do processo, passando a constar unicamente “Haverá resolução de mérito:”, taxando as possibilidades em cinco incisos. Igualmente, do artigo 463 suprimiu-se a assertiva de que ao publicar a sentença o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional, em substituição, passou a referir que: “Publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la:”, enumerando em dois incisos as restritivas hipóteses.

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Veja-se que as alterações legislativas foram no sentido de retirar da sentença o seu efeito de dar cabo ao processo, até mesmo a fim de viabilizar o sincretismo processual retro referido. A par desse novo conceito, Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery (2010, p. 447, grifo dos autores) aludem:

A lei não mais define sentença apenas pela finalidade, como previsto no ex-CPC 162§1º, isto é, como ato que extingue o processo, mas sim pelo critério misto do conteúdo e finalidade. [...] A modificação trazida pela L 11232/05 não alterou o sistema do CPC no que tange aos pronunciamentos do juiz e sua recorribilidade. Atendeu-se a reclamos de parte da doutrina, que propugnava definição de sentença e de decisão interlocutória pelo conteúdo do pronunciamento do juiz [...] O novo sistema, instituído pela L 11232/05, não extinguiu as ações de liquidação e de execução. Extinguiu os “processos” autônomos de liquidação de sentença e de execução, transformando-os em “fases” do processo de conhecimento, permitindo sua

procedimentalização mais célere, desburocratizada, sem todas as

formalidade do Livro II do CPC (Processo de Execução).

No mesmo sentido, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero (2012, p. 197) contextualizam que a nova concepção de sentença se harmoniza com os anseios das reformas processuais inclusive anteriores à Lei 11.232/2005:

Completando o ciclo de reformas estruturais do Código de Processo Civil (Leis 8.952, de 1994, 10.222, de 2002, e 11.232, de 2005), desapareceu a necessidade de dois processos autônomos para obtenção da tutela jurisdicional do direito, tudo ora se passando dentro de um único processo em que se misturam em duas fases, quando necessário, cognição e concretização do direito (processo misto ou sincrético). Assim, no Código Reformado, a sentença de mérito pode não extinguir o processo, quando não autossuficiente, isto é, quando dependa de cumprimento para prestar completamente a tutela jurisdicional à parte.

Assim sendo, a sentença passou a ser configurada como um ato do juiz que trate de qualquer dos temas elencados nos art. 267 e 269 – hipóteses de resolução ou não do mérito -, diferenciando-se da interlocutória por não ser decisão que aborde apenas uma questão processual incidente. Na lição de Haroldo Serrano de Andrade (2006, p. 1), haverá sentença quando concorrerem dois requisitos essenciais, quais sejam: (a) ter por conteúdo um dos itens listados nos dispositivos referidos e; (b) não se limitar à resolução de questão incidental em meio à marcha natural do processo. E completa: “É dizer, deverá pôr fim ou à fase processual de conhecimento (se a pretensão de direito material for a de pagar) ou ao próprio processo (nos outros casos).”

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Segundo Pozza (2011, p. 88/89), no entanto, as alterações oriundas da referida lei não modificaram a essência da sentença que:

[...] continua a ser o ato do juiz que resolve a lide (mérito), ainda que de forma parcial (sentença definitiva), ou a ela põe fim (sentença terminativa). Sem, todavia, dar cabo do processo, muito menos do ofício jurisdicional, porque, em vista do sincretismo das fases de cognição e execução, essa sucede àquela sem que haja necessidade de formação de nova relação processual, prosseguindo o juiz em seu mister no mesmo processo.

No entanto, sempre que houver apreciação do mérito, o conteúdo do pronunciamento implicará sua qualificação como sentença, ainda que por razões de opção legislativa, seja qualificada como decisão interlocutória, sujeita a recurso de agravo de instrumento.

Em suma, da conjuntura doutrinária exposta, extrai-se que o atual conceito de sentença resume-se como o ato do juiz que, resolvendo ou não o mérito da demanda, põe fim a uma fase do processo (ou do procedimento) em primeira instância. Afasta-se, portanto, a antiga percepção da sentença como ato que pressupõe a extinção do feito, até mesmo porque isso não se ampararia com o estabelecimento do sincretismo processual, conforme já abordado.

Com efeito, é nesse aspecto que reside o ponto nevrálgico da discussão acerca do cabimento da sentença parcial de mérito. Parte da doutrina e maioria da jurisprudência, antes da vigência da Lei nº 11.232/2005, entendia que a sentença parcial de mérito não se sustentava em nosso ordenamento jurídico, em razão do fato de que não haveria como decidir, através de uma sentença, apenas parte de um processo, porquanto isso implicaria necessariamente na sua integral extinção na instância correspondente, sem que fosse resolvida a lide num todo. A nova redação, todavia, trouxe novamente à tona a discussão, já que a sentença não mais importou em um ato extintivo do feito. A suposta viabilização do instituto, nesse contexto, é digna de abordagem mais detalhada, conforme se verificará no item seguinte.

2.3 A viabilização do julgamento antecipado do pedido incontroverso

As sucessivas alterações do Código de Processo Civil foram fundamentais para estabelecer uma legislação mais harmoniosa com os princípios constitucionais relacionados à razoável duração dos processos. Dentre essas modificações, destaca-se aqui o §6º do art. 273, incluído pela Lei nº 10.444/2002: “§6º A tutela

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antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso.”

O referido dispositivo estabeleceu em nosso ordenamento jurídico aquilo que mais tarde ficou conhecido como sentença parcial de mérito, uma vez que possibilitou ao julgador conceder antecipadamente parte da pretensão jurisdicional ao autor, caso ela se evidenciar incontroversa nos autos. Trata-se, assim, de uma medida contra o protelamento à satisfação de direitos já passíveis de reconhecimento no feito. Por que esperar até o final julgamento quando parte do pedido encontra-se já maduro para apreciação?

Nessa concepção de análise legislativa, Fredie Didier Jr. (2012, p. 535) leciona:

O reconhecimento jurídico do pedido pode ser total ou parcial: o primeiro impõe a extinção do processo com julgamento de mérito; o segundo, não, supondo a existência de pedido suscetível de fracionamento. Quando parcela do direito não é mais controvertida, qualquer defesa que protelasse a sua realização seria abusiva. A parte só pode esperar para ver realizado o seu direito quando este ainda depender de demonstração em juízo.

Exemplificativamente, pode-se imaginar uma ação de cobrança em que o autor postula o recebimento de R$ 200,00; o réu, por seu turno, reconhece a dívida, no entanto, discorda do montante cobrado, afirmando dever apenas R$ 150,00. É fato incontroverso, portanto, que existe uma dívida de R$ 150,00, enquanto que ainda pende de resolução a controvérsia relativa aos R$ 50,00 restantes, o que possivelmente demandará dilação probatória e mais tempo de tramitação do feito. Eis nessas situações em que se aplicaria o disposto no art. 273, §6º, do CPC, de modo que fosse já julgado, em forma de sentença, parte do pedido deduzido nos autos (R$ 150,00), já que reconhecido pelo próprio réu (ponto incontroverso), viabilizando sua pronta execução.

Contudo, na prática a utilização dessa alternativa não se mostrava possível, em razão da interpretação sistemática dos artigos referentes à sentença no CPC, os quais determinavam a necessária extinção do feito ao ser prolatada uma sentença. Ou seja, não haveria como se utilizar a resolução parcial do mérito, porquanto o juiz,

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ao decidir parte do mérito da demanda (que já restava incontroverso), haveria que, necessariamente, extinguir o feito, deixando de apreciar o restante da lide. As causas, portanto, ainda que parcialmente já prontas para julgamento, deviam se arrastar até o solucionamento de todas as questões abarcadas na demanda, para somente após se proceder na prolação da sentença de mérito.

Na esteira das reformas processuais da primeira década do século XXI, a Lei nº 11.232/2005 alterou o paradigma de sentença, como exaustivamente demonstrado no item anterior. Denota-se que tal ato legislativo se deu apenas três anos após a instituição do §6º ao art. 273 do CPC, evidenciando-se como uma resposta aos apelos da doutrina, que clamava por alterações no texto legislativo. Assim, tendo a sentença se enquadrado aos ditames da nova ordem processual civil brasileira - pautada na ideia una e sequencial da ação de conhecimento e de execução - ela passou a não mais possuir a prerrogativa de extinguir o feito, óbice que impedia a utilização da sentença parcial de mérito.

Para Câmara (2008, p. 19), a sentença jamais possuiu o condão de pôr termo ao processo, nem mesmo antes da referida reforma, citando, como exemplo, os procedimentos previstos para as ações de despejo, de depósito e as possessórias, nas quais são proferidas sentenças que não finalizam o procedimento:

[...] Para fixá-la, levei em conta, em primeiro lugar, o fato de que o mero fato de ser proferida a sentença não é (nem era) capaz de pôr termo ao processo. O mero fato de ser possível interpor recurso contra sentença mostra que o processo sobrevive àquele provimento jurisdicional. Além disso, jamais me pareceu correto definir a sentença como ato que põe fim ao procedimento em primeiro grau, já que há alguns procedimentos que não têm (nem tinham) na sentença seu ato final. Basta lembrar de procedimento como o da “ação de despejo”, “ação de depósito” ou o das “ações possessórias”.

Acerca dos procedimentos que já previam a sentença parcial, Pozza (2011, p. 168-169) ainda inclui neste rol a ação de consignação em pagamento, a ação de divisão e de demarcação de terras, bem como a sentença que, condenando o réu ao pagamento de quantia, não fixa o quantum devido, a qual carecerá de liquidação. Segundo o autor, tais procedimentos, caracterizados por se dividirem em duas fases - excetuando-se a liquidação de sentença -, sempre dependiam da decisão da primeira delas para poder adentrar na segunda etapa. Destaca-se, nesse ponto, que

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o referido decisum trata-se de verdadeira sentença, suscetível à apelação, que somente após seu trânsito em julgado autorizava o início da segunda fase do procedimento. Nas palavras do jurista:

Todos esses procedimentos especiais referidos dividem-se em duas fases distintas, ambas concluídas por uma sentença, portanto, apelável, só se podendo iniciar a segunda fase após o trânsito em julgado do decisum proferido na primeira. Já na sentença cuja liquidação é imprescindível, até o advento da lei nº 11.232/05, seu trânsito em julgado era requisito para o início da liquidação.

Todavia, com a vigência do diploma que instaurou a fase de cumprimento da sentença, não só passou a ser possível a liquidação na pendência de qualquer recurso, inclusive apelação (art. 475-A, § 2º), como deixou de ser sentença, pelo conceito do código, o ato judicial que julga a liquidação (art. 475-H), passando à condição de mera decisão interlocutória, atacável por agravo de instrumento. De qualquer sorte, em todos esses procedimentos a sentença da primeira fase é preliminar à segunda fase e, portanto, à próxima sentença (ou decisão, no caso da liquidação), sendo, pois, a primeira condição de existência da segunda.

Desse modo, tais procedimentos que “implicitamente” já previam a sentença parcial, passaram a corroborar ainda mais a utilização do instituto nas demais ações de um modo geral. Isso, repisa-se, pelo fato de que o novo conceito viabilizou a aplicação da resolução parcial no campo prático. Para tanto, passou a bastar que um dos pedidos, quando houver cumulação, ou parte de um pedido, quando este for passível de cisão, se demonstre incontroverso nos autos.

Sobre o tema, Elpídio Donizetti (2012, p. 413) refere que a “incontrovérsia” foi erigida à categoria de requisito exclusivo à concessão da medida, que, segundo ele, poderá se configurar sob mais de uma forma:

A incontrovérsia consiste na ausência do confronto de afirmações em torno de um fato alegado pelo autor, seja porque o réu não se desincumbiu do ônus da defesa especificada, seja pelo fato de ter reconhecido a procedência do pedido com a sua respectiva fundamentação, ou mesmo em decorrência de eventual transação acerca de determinado pedido, ainda que anteriormente tenha sido impugnado pelo réu.

Assim, em síntese, pode-se dizer que restando incontroverso um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcelas deles, a tutela deverá ser antecipada quanto a essa porção da lide sob forma de sentença, prosseguindo o feito em relação aos pedidos controvertidos. A propósito, vale notar, a redação do dispositivo sob análise menciona que “poderá” ser concedida a tutela nesses casos, porém, segundo o

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supracitado autor, não se pode admitir tamanho poder discricionário ao juízo. Isso porque, a tutela antecipatória trata-se de direito subjetivo da parte que a requer, de modo que, estando presentes os pressupostos da concessão, a medida deverá ser obrigatoriamente concedida.

Desse modo, evidenciada a viabilização e o cabimento do instituto da sentença parcial de mérito no processo civil brasileiro, bem como o afastamento dos óbices relativos à impossibilidade da sua utilização, cabe ainda suscitar se sua aplicação mostra-se efetiva no plano prático-processual, já que o processo, visto como instrumento apto à concretização do direito material, somente se legitima em sua essência quando capaz de alcançar os fins a que se destina. Nesse sentido, o capítulo seguinte se dignará a apreciar a topologia do instituto e as questões relativas aos efeitos da utilização da resolução parcial de mérito na prática através de julgamentos já realizados, sem se olvidar dos aspectos recursais, ponto que causa os maiores debates no que tange a sua eficácia aplicativa.

Referências

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