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3. AS ANÁLISES

3.3. Você é tão suave (1933)

3.3.1. Análise poética

v. Poema IV Estrutura Rítmica Estrutura Métrica Estrofe Ictos Células Métricas

1 Você é tão suave 2 - 4 - 6 -/ -/ -/-

Quadra jâmbico + anfíbraco

2 Vossos lábios suaves 1 - 3 - 6 /- /- -/- troqueu + anfíbraco 3 Vagam no meu rosto 1 - 5 /- --/-

troqueu + péon terceiro

4 Fecham meu olhar 1 - 5 /- --/-

troqueu + péon terceiro

5 Sol-posto 2 -/- Monóstico

anfíbraco 6 É a escureza suave 1 - 4 - 7 /--/ --/-

Terceto coriambo + péon terceiro

7 Que vem de você 2 - 5 -/ --/

jâmbico + anapesto 8 Que se dissolve em mim 2 - 4 - 6

-/ -/ -/ jâmbico

9 Que sono 2 -/- Monóstico

anfíbraco

137 No manuscrito, Camargo Guarnieri opta pelas reticências no verso 1. Já na publicação de Mário de

10 Eu imaginava 1 - 5 /- --/-

Quadra troqueu + péon terceiro

11 Duro vossos lábios 1 - 5 /- --/-

troqueu + péon terceiro 12 Mas você me ensina 1 - 3 - 5 /-/ -/-

anfímacro + anfíbraco

13 A volta ao bem 2 - 4 -/ -/

jâmbico Quadro 10 – Organograma do poema Você é tão suave...

O poema Você é tão suave... é formado por quatro estrofes, sendo duas quadras138, dois monósticos e um terceto139. Os pés métricos recorrentes neste poema são o jâmbico e troqueu, seguido pelo anfíbraco e péon terceiro. Os dois primeiros têm uma acentuação binária (fraco|forte e forte|fraco – tabela 10) enquanto os dois últimos podem levar a uma acentuação ternária (fraco|forte|fraco e fraco|fraco|forte|fraco – tabela 10). Nesta canção, Guarnieri foi rigoroso com a prosódia e a mudança constante na fórmula de compasso entre binário e ternário favorece o encaixe perfeito da métrica poética:

nº compasso fórmula de compasso

c.1



c.6



c.7



c.8



c.9



c.21



c.22



c.23



c.24



c.27



c.28



Quadro 11 – Alternância nas fórmulas de compasso na canção Você é tão suave...

138 Estrofe de quatro versos. 139 Estrofe de três versos.

Não posso afirmar, a priori, que estas mudanças na fórmula de compasso foram utilizadas unicamente para se ajustar a música ao poema, no entanto, há forte evidência do texto ter influenciado estas constantes mudanças. Estas alternâncias nas fórmulas de compasso aparecem também nas canções V e VIII. Na figura a seguir é possível identificar os pés métricos em consonância com a rítmica da canção:

Figura 18 – relação dos pés métricos e prosódia musical c. 5-8

De versos livres, o poema não apresenta rima, embora haja repetição das palavras suave e lábios. Como nos lembra Cândido (2006), “todo poema é basicamente uma estrutura sonora” (2006, p. 22). Aqui, a aliteração ocorre com os fonemas [v], [m] e [s] e podem sugerir, respectivamente, penumbra, murmúrio e sussurro. O [m] contribui também com a nasalização da vogal /a/ em toda canção, fazendo-a soar, pois, como [ɐ̃].

3.3.2. Análise musical

Fluxograma musical

Canção Forma Dinâmica Tempo Centricidade Tessitura vocal III A – c. 1-11/12 B – c. 12-23 C – c. 24-35 pp/p/mf



= 72 Com profunda doçura Sol Mi3-Mi4

Quadro 12 - Fluxograma da canção Você é tão suave...

A canção Você é tão suave... foi a primeira a ser composta, datada em 1933. É a única que recebeu uma folha de rosto.

A dinâmica predominante em p e pp e a tessitura de uma oitava na linha vocal conferem uma ausência de elementos contrastantes ao longo da canção. Essa característica na dinâmica e na tessitura corrobora tanto com a indicação expressiva

“Com profunda doçura” quanto com o título da canção, orientando os intérpretes quanto ao caráter da execução.

Dividida em três seções – A, B e C – a canção é uma melodia acompanhada, sendo que a linha melódica, ora apresentada na m.d. do piano, ora apresentada na parte vocal, é caracterizada pela presença de um motivo melódico (fig. 19) que aparece logo nos primeiros compassos (c. 01 e 02), volta marcando o início da seção B nos c. 12 e 13 e retorna concluindo a melodia ao longo da seção C nos c. 28-31. A apresentação deste motivo melódico se dá sempre na m.d. do piano.

Figura 19 – Motivo melódico nos dois primeiros compassos na m.d. do piano na canção Você é tão

suave... – c. 1-2

Observo, ainda, que o acompanhamento é construído de forma contrapontística. A linha do baixo é, por si, bastante melódica e desempenha um papel bastante independente dentro do contraponto (fig. 20).

Além da linha melódica e da linha do baixo, em muitos momentos em que a melodia passa para a linha do canto, a parte da m.d. apresenta uma outra voz que também desempenha um papel relevante e independente no contraponto (fig. 21).

Figura 21 – Vozes independentes nas partes do canto e piano na canção Você é tão suave... – c. 9-12.

Por fim, além das vozes que possuem um papel mais melódico, há em toda a canção, a presença de acordes internos que, ora realizados pela m.d., ora pela m.e., mantém uma rítmica constante que caracteriza um ostinato rítmico (. ) (fig. 22).

Considero o início da seção A logo no princípio da canção (c. 01). Ela se inicia apresentando o motivo melódico na linha melódica no piano (c. 01-04) que passa para a linha do canto na anacruse do c. 05, seguindo até o c. 12, quando a parte do piano inicia a seção B. Observo que no c. 07 a nota Sol no baixo estabelece a centricidade desta seção em Sol.

A seção B, por sua vez, mantém a alteração no protagonismo melódico. A melodia começa na linha da m.d. do piano no c. 12 e é retomada pela linha vocal no c. 14. Neste momento a linha da m.d. do piano, segue desempenhando um papel melódico, contudo, realizando uma outra voz. Acredito que no c. 20 a nota Sol que reaparece no baixo reafirma a centricidade em Sol.

Por sua vez, a seção C, se inicia no c. 24. Nesta seção, o motivo melódico que marcou o início das duas seções anteriores, aparece modificado apenas no c. 28, conduzindo a canção para seu desfecho que claramente, confirma sua centricidade na nota Sol.

3.3.3. Relação texto-música e aspectos interpretativos

A ambientação desta canção alude a intimidade. Aqui a metáfora é substituída pelo realismo e descreve a carícia dos lábios e o beijo da negra (v. 1-4). Musicalmente, o compositor contrapõe o ostinato rítmico do acompanhamento, com as linhas do contraponto no piano e o legato na linha do canto. Este legato não consta no manuscrito, mas é indicado por esta intérprete por ajudar na criação da atmosfera de docilidade que o poema sugere.

A canção é formada por graus conjuntos na linha do canto, sendo quebrada em dois momentos por um salto de 7M em pianíssimo nas palavras ‘suaves’ (c. 08) e ‘volta’ (c. 27). Em relação à dinâmica, em apenas um momento o compositor pede mf na parte do piano (c. 21).

O caráter extremamente intimista é acentuado nos v. 5 (Sol posto) e v. 9 (Que sono) e revelam o anoitecer, fazendo um paralelo com a cor do corpo da negra (v. 6 e 7) que reflete no poeta (v. 8).