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À medida que aumentam as incertezas em quase todas as áreas de conhecimento, cresce também a necessidade de análise e reflexão sobre as perspectivas futuras da realidade em que se vive e diante da qual se planeja. As técnicas de cenários vêm conquistando rapidamente o cotidiano dos planejadores e dos decisores do mundo contemporâneo, apesar da percepção de que o futuro é algo incerto e indeterminado (BUARQUE, 2003).

A idéia de se realizar previsões para o futuro é algo antigo na história da humanidade. Grisi e Brito (2000) lembram que os egípcios já faziam prospectos para cheias do Rio Nilo, e que diversos autores da literatura mundial já utilizaram dessa técnica para construção de futuros fictícios em todos os seus contornos, como por exemplo George Orwell, no livro “1984”, escrito em 1948. Segundo o autor, “esses textos levavam o leitor a possível um futuro, propiciando momentos de reflexão sobre os caminhos e descaminhos da humanidade e o destino que a aguarda”.

As técnicas prospectivas - entre elas, os cenários - começaram a ser utilizadas de forma sistemática entre os militares durante a Segunda Guerra Mundial, principalmente nos Estados Unidos, como um mecanismo de apoio à formulação de estratégias bélicas (CARIDADE et al., 2005)

A partir da década de 1960, principalmente nos anos 1970, a técnica de cenários começa a ser utilizada e desenvolvida no mundo empresarial, experimentada pelas multinacionais nas

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HOLZMANN, 2008. Alfredo Carlos Holzmann, diretor da Usina de Valorização de Rejeitos de Campo Magro. Comunicação Pessoal, fevereiro de 2008.

suas estratégias corporativas mundiais. Ao anteciparem as condições futuras no contexto externo das regiões ou no “ambiente de negócios” das empresas, os cenários permitem que as ações sejam organizadas e os investimentos sejam orientados na perspectiva de otimizar os resultados e favorecer a construção do futuro desejado (BUARQUE, 2003).

Buarque (2003) diz que na conjuntura dos tempos modernos, a expectativa em relação ao futuro assumiu um papel importante como referência para as decisões e escolhas, tanto as individuais quanto as coletivas - famílias, empresas, governos. O crescimento da utilização da técnica de cenários indica que, embora não seja possível predizer o futuro, é válido e necessário analisar as possibilidades do porvir, principalmente com o crescimento acelerado das incertezas e das mudanças de paradigmas que caracterizam a entrada no século XXI (BUARQUE, 2003).

2.4.1 Objetivos e Características da Técnica de Cenários

O interesse em se construir cenários vem da busca para compreender as necessidades do futuro. A utilização de cenários permite a antecipação de situações futuras e suas exigências tecnológicas, e pode assim contribuir para planejar de maneira mais eficaz as ações de gestão, como elaboração de políticas e estratégias de ação.

De acordo com a Embrapa (2002), o princípio básico da análise prospectiva de cenários seria a ênfase na compreensão do futuro para influenciar o presente, sendo que o futuro é “resultado de interações entre tendências históricas e eventos hipotéticos”. A finalidade desse tipo de análise seria estudar a influência no presente de futuros alternativos, bem como avaliar os impactos de políticas atuais no futuro. Os chamados “cenários” seriam os possíveis caminhos em direção ao futuro. Funcionam como uma forma de aumentar a compreensão a longo prazo de eventos potenciais e políticas. Os estudos de cenários representam um grande avanço na área de planejamento estratégico, tanto de grandes empresas quanto de governos.

Os cenários simulam um referencial de futuros alternativos em face dos quais decisões serão tomadas. Uma das grandes vantagens da técnica de cenários é que ela torna flexíveis os planos frente às incertezas do futuro, permitindo a consideração de efeitos externos (ambientais, sociais, econômicos, etc.) e a incorporação de diferentes pontos de vista no planejamento (CARIDADE et al., 2005).

Pode-se então dizer que os estudos de cenários têm por finalidade preparar uma determinada instituição para as incertezas do futuro, tornando claros os potenciais riscos, ameaças e oportunidades originadas na mudança de contexto. Com a utilização de cenários

alternativos, o planejamento não se restringe a um único futuro previsto, propiciando maior capacidade de reação para uma determinada instituição se adaptar a tendências e possíveis eventos futuros, que possam se mostrar críticos (Embrapa, 2002).

Além de contribuir para que tomadores de decisão possam preparar o presente para o futuro, a utilização de cenários prospectivos estimulam o monitoramento de tendências e eventos importantes. Os cenários alternativos podem ser utilizados, por exemplo, para analisar a viabilidade de estratégias e para avaliar grandes projetos de investimento (Embrapa, 2002).

2.4.2 Futuro e Incertezas

Os cenários produzem interpretações lógicas do futuro, pois se baseiam na geração de tendências e eventos hipotéticos, e não na aleatoriedade. Porém, a técnica de cenários é centrada na incerteza, e reconhece que o futuro é indeterminado e que é impossível prever os fatores críticos que terão ou não maior influência. Assim, para os estudos de cenários é fundamental considerar a inevitabilidade de lidar e de aceitar a incerteza. É necessário incorporar a análise de incertezas no processo de planejamento, para considerar diversas possibilidades futuras na formulação de objetivos e estratégias (Buarque, 2003)

A concepção de cenários parte do princípio de que o futuro não está determinado, ou fixado, ao contrário do passado. Essa proposta de um futuro imprevisível, regido por incertezas, baseia-se em três grandes argumentos, segundo Buarque (2003):

a) imprecisão e incapacidade de apreender e dominar todos os eventos iniciais relevantes para antecipar o futuro da realidade estudada, o que reduz, portanto, a capacidade de lidar com as causas. As causas iniciais – que determinam o futuro – nunca apresentam uma precisão absoluta, o que leva a que se trabalhe com condições de partida já imprecisas.

b) insuficiente base teórica para dominar todas as variáveis e as relações complexas de interação entre elas de modo que sejam simulados e reproduzidos os eventos futuros a começar pelos elementos de partida também imprecisos. As teorias são sempre uma representação simplificada do mundo real e constituem, portanto, um referencial limitado para a reprodução das relações e do movimento efetivo dos eventos.

c) imprevisibilidade dos movimentos da realidade e dos comportamentos humanos singulares mesmo dentro do jogo de causalidade organizado pelos sistemas teóricos.

Diante disso, o autor conclui que a técnica de cenários se submete às incertezas, já que o futuro constitui “um horizonte aberto de múltiplas possibilidades” (BUARQUE, 2003).

2.4.3 Construção e Tipos de Cenários

Embora não seja a única, a técnica de cenários é uma forma conveniente de apresentar os resultados de um conjunto de previsões, de maneira estruturada. Para tanto, esses estudos devem contar com um referencial teórico de interpretação sob a forma de variáveis centrais e relações de causa e efeito, com uma base de informações sólidas e atualizadas e, finalmente, com instrumentos técnicos para organizar e tratar a multiplicidade de informações. Podemos construir cenários qualitativos ou quantitativos, baseado em séries históricas de dados ou eventos históricos característicos (Embrapa, 2002; Buarque, 2003).

Segundo Godet (1985), cenários são “configurações de imagens de futuro condicionadas e fundamentadas em jogos coerentes de hipóteses sobre os prováveis comportamentos das variáveis determinantes do objeto de planejamento”.

Existem inúmeras metodologias para construção de cenários. Alguns métodos são clássicos, e são referências obrigatórias dentro desse tema, pois fizeram parte da evolução da técnica de cenários. Os mais importantes são, segundo a Embrapa (2002), Caridade et al. (2005) e Buarque (2003): a Análise Delphi, desenvolvida pela RAND Corporation na década de 50; a Análise Prospectiva de Michel Godet, na década de 70; o Método da Global Link Network de Peter Schwartz de 1988, e o Método dos cenários industriais de Michael Porter, de 1997. Cada um traz suas premissas e etapas para elaboração de uma análise de cenários, como a delimitação do sistema e do ambiente, seleção de condicionantes, definição de incertezas, determinação dos cenários, geração de cenários alternativos, entre outros.

Embora existam diversas metodologias e orientações técnicas para a construção de cenários, de modo geral, todos os caminhos seguem uma seqüência lógica de passos metodológicos semelhantes, que vai da identificação de eventos e processos, até a definição e a combinação de hipóteses plausíveis sobre o futuro das incertezas (BUARQUE, 2003).

Uma análise prospectiva baseada na construção de cenários pode assumir as seguintes dimensões, segundo Grisi e Brito, (2003):

a) Extrapolativa ou tendencial, na qual utilizamos a exploração de tendências históricas para determinar a evolução futura.

b) Exploratória, onde consideramos as possibilidades alternativas da evolução do futuro, pela conjugação de forças, explorando a complexidade.

c) Normativa, na qual consideramos as potencialidades desejáveis, ou seja, onde se quer chegar. Na utilização desse tipo de análise, é interessante combinar todas as dimensões.

De acordo com Caridade et al. (2005), de modo geral, podemos classificar as técnicas de construção e análise de cenários em três grupos, segundo o método de análise:

a) Análise lógico-intuitiva, na qual se imagina o futuro, mas não se utiliza nenhum algoritmo;

b) Análise de impacto tendencial, que baseia-se em técnicas clássicas de previsão de tendências;

c) Análise de impactos cruzados, que baseia-se na existência de inter-relações de eventos futuros.

A ênfase que se deseja dar a uma análise de cenários depende principalmente dos objetivos da análise, do horizonte temporal considerado, e da disponibilidade de séries de dados.

Embrapa (2002) sugere um esquema geral para a construção de cenários, contemplando algumas etapas. Porém, convém antes explicitar alguns conceitos úteis na análise de cenários: “Fator Crítico” é qualquer variável (ou conjunto de variáveis) que afeta, positivamente ou negativamente o desempenho de um sistema; “Força Propulsora” é qualquer fenômeno que impulsiona de forma positiva o comportamento de um fator crítico; e “Força Restritiva” é qualquer fenômeno que impulsiona de forma negativa o comportamento de um fator crítico. Sendo assim, uma seqüência de etapas que podem ser utilizadas para a construção de uma análise de cenários pode ser:

1. Análise do ambiente do sistema a ser analisado; 2. Identificação dos fatores críticos;

3. Análise dos fatores críticos;

a) Descrição da tendência histórica do fator nos últimos anos

b) Caracterização das principais forças propulsoras e restritivas que atuam ou poderiam atuar sobre cada fator.

c) Identificação do estado futuro possível para cada fator crítico;

4.Estabelecimento de premissas condicionantes e determinantes comuns aos cenários alternativos;

5. Elaboração e revisão de cenários alternativos

6. Estabelecimento de planos e estratégias e monitoração estratégica.

A análise e o tratamento de relevância das incertezas, plausibilidade de hipóteses e consistência de combinações pressupõe um conhecimento científico e um modelo teórico de

interpretação da realidade para dar solidez e sustentação ao método. Assim, segundo Buarque (2003), é necessário utilizar um marco teórico de interpretação da realidade até mesmo para poder compreender quais são os fatores da realidade atual que tenderiam a definir o futuro, principalmente para se chegar à definição das principais incertezas.

2.4.4 Cenários ambientais e Resíduos Sólidos Urbanos

A Técnica de Cenários têm sido utilizada como ferramenta para analisar as conseqüências das políticas e ações humanas ao meio ambiente. No contexto do desenvolvimento sustentável, a publicação “Limites do crescimento”, do Clube de Roma, por Meadows em 1981, é um grande exemplo de análise prospectiva, através do qual se procurou analisar os cenários futuros em dimensões econômicas, sociais e ecológicas do planeta, a partir das tendências da população, da economia e tecnologia (MEADOWS, 1972).

O conhecimento do processo histórico da geração de resíduos sólidos é essencial para todos os aspectos do gerenciamento, tais como o planejamento, a operação, e a redução da geração (SOKKA et al., 2007). A análise de cenários futuros da geração de resíduos sólidos podem fornecer informações importantes para a determinação das conseqüências a longo prazo das políticas atuais. Pode contribuir no processo de planejamento de políticas, de estratégias para tratamento e disposição dos resíduos, além de dimensionamentos de capacidade, pessoal e recursos necessários no futuro (DASKALOPOULOS et al., 1998).

Quanto aos estudos prospectivos de cenários de resíduos sólidos urbanos, existem na literatura acadêmica internacional alguns trabalhos que utilizam a análise de cenários para analisar as possibilidades e conseqüências futuras da geração de resíduos, em países e cidades. A literatura brasileira sobre o tema é escassa, o que indica que estudos desse tipo ainda não são comuns no Brasil. Adhikari et al. (2006) realizaram um estudo de cenários prospectivos da geração de resíduos sólidos urbanos no qual correlacionaram dados populacionais, PIB e produção de resíduos sólidos urbanos, através de equações de regressão obtidas através do Excel (Microsoft ®) para predizer o crescimento da produção de resíduos orgânicos e da produção de metano em diversos países no mundo, baseado em dados históricos. No trabalho, foram construídos dois cenários alternativos, em que a diferença entre eles recorria na hipótese de haver maior ou menor crescimento da população residente em áreas urbanas, em relação aos residentes de áreas rurais. A partir das quantidades de resíduos geradas, o autor

estimou ainda a quantidade de metano que seriam liberadas, utilizando o potencial de produção de metano dos resíduos orgânicos publicado por Wang et al.(1997)7.

Sokka et al. (2007) construíram três cenários da geração e composição dos resíduos sólidos urbanos na Finlândia até 2020, a partir de dados históricos de 1960 a 2002 obtidos de relatórios governamentais, experimentos de caracterização gravimétrica, estatísticas publicadas e estimativas de especialistas. Os autores analisaram o impacto da produção de resíduos em função dos parâmetros: População, Riqueza e Tecnologia; assumindo, portanto que esses três fatores são os principais determinantes da produção de resíduos sólidos no país. O indicador para o fator Riqueza foi o PIB, e o fator Tecnologia foi utilizado para elaboração de hipóteses para construção de cenários alternativos. Para o primeiro cenário, assumiu-se que o crescimento do fator Tecnologia seria de 0,8% ao ano, para o segundo cenário, 2% ao ano e para o terceiro cenário, -2% ao ano. A partir dos resultados, concluíram que as metas nacionais estabelecidas para redução da geração de resíduos sólidos urbanos no país eram razoavelmente baixas.

Os métodos mais tradicionais para prospecção da geração de resíduos sólidos urbanos geralmente utilizam fatores demográficos e econômicos, que podem ser tomados como fixos ou projetados ao longo do tempo. Dyson e Chang, (2005) citam os trabalhos de Niessen e Alsobrook (1972) e Grossman et al. (1974) e em que conduziram estudos desse tipo utilizando modelos de regressão linear. A estrutura desse tipo de modelo é uma expressão de causa-efeito ou a ilustração de tendências, para verificar as características do sistema que são reconhecidas como sendo relacionadas à geração de resíduos sólidos.

Para Daskalopoulos et al. (1998), os parâmetros-chave que explicam a geração de resíduos sólidos urbanos são: População e Padrão de Vida. Correlacionando os dados de geração de resíduos sólidos urbanos com o PIB com dados populacionais, os autores desenvolveram uma metodologia para predizer a taxa de geração e a composição de resíduos sólidos urbanos nos Estados Unidos e alguns países da União Européia, utilizaram dados publicados acerca da geração e composição de resíduos nesses países entre 1980 e 1993.

Bruvoll et Ibenholt (1997) citam o trabalho de Nagelhoult et al. (1990)8, em que os autores procuram explicar a geração de resíduos sólidos no futuro como sendo proporcionais a índices projetados de produção e consumo. O artigo de Bruvoll e Ibenholt (1997) utiliza a projeção de índices de produção e materiais, através da aplicação de um modelo

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Wang, Y., Odle, W.S., Eleazer, W.E. Methane potential of food waste during food decomposition. Waste Management Researcg, 15,149-167.

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Nagelhout, D., Joosten, M., Wieringa K. Future waste disposal in The Netherlands. Resour., Conserv. Recycl., 4: 283-295

macroeconômico, para explicar a geração de resíduos industriais até 2010 na Noruega, assumindo que não haveriam ações políticas adicionais além do observado na época do estudo. O estudo mostra que o crescimento da geração de resíduos sólidos seria maior do que o crescimento estimado do PIB no período considerado.

Esbri (2001) cita o artigo de Mcbean e Fortin (1993)9, em que são tratados alguns aspectos do planejamento da gestão de resíduos sólidos através de correlações entre a geração de resíduos e indicadores socioeconômicos. Esbri (2001) apresenta uma técnica para realizar prospectos a curto prazo da geração de resíduos sólidos urbanos, baseada em dinâmicas não-lineares. O estudo de Chang e Dyson, (2005) também utiliza modelagem dinâmica (não linear) para predizer a geração de resíduos em regiões urbanas com altas taxas de crescimento populacional.

A técnica de cenários tem sido utilizada como abordagem de planejamento de resíduos sólidos por diversos autores em diversos países. Visto que os centros urbanos atualmente enfrentam problemas originados basicamente por falhas no planejamento e que muitos têm sido surpreendidos pela grande geração de resíduos, como é o caso de Curitiba, a técnica de cenários é uma ferramenta com potencial de aplicação no gerenciamento de resíduos, possibilitando a visualização antecipada da produção baseada em dados históricos, e permitindo a consideração de diferentes estratégias de gerenciamento e a visualização de seus impactos.

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McBean E.A.; Fortin, M.H.P. A forecast modelo f refuse tonnage with recapture and uncertainty bounds. Waste Manage Res.1993; 11; 333-343.

3 METODOLOGIA

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