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A análise de Schmitt & Munn sobre o Mapeamento de Chierchia: por que o

1.4 O COMPORTAMENTO DOS SDs NUS NO PB E NOUTRAS LÍNGUAS

1.4.1 A análise de Schmitt & Munn sobre o Mapeamento de Chierchia: por que o

Para iniciar a discussão acerca dos SDs nus objetos em PB e verificar que essa língua não se enquadra em nenhuma das possibilidades do Nominal Mapping Parameter, o texto de Schmitt & Munn (1999) mostrou-se essencial.

Os autores usam dados do PB, mais especificamente, dos nomes nus dessa língua, para afirmarem que a parametrização feita por Chierchia (1998) através do

Nominal Mapping Parameter apresenta problemas conceituais e empíricos. Os autores

(p. 339) argumentam que o PB, diferentemente do que aponta Chierchia, admite plurais nus e nomes de massa na posição de argumento, demonstrando um comportamento diferente das demais línguas românicas e similar ao inglês: Piloto aviões faz anos/ Bebo

água diariamente. (os exemplos são meus). Ao contrário do inglês, no entanto, o PB

admite nomes contáveis singulares argumentos: Comprei carro no ano passado.

Os linguistas (339-340) afirmam que tanto na literatura semântica quanto na sintática há uma assunção comum de que apenas SDs podem ser argumentos. Os SNs denotam predicativos e os SDs denotam argumentos de tipo ou quantificadores generalizados. Assim, “para uma categoria predicativa como um SN ser um argumento, ela precisa ser incorporada dentro do SD.” (p.340).

O trabalho de Chierchia, segundo Schmitt e Munn (p.340), questiona o que foi dito acima, sugerindo que SNs podem denotar nomes de tipo, que podem ocorrer livremente na posição de argumento. Chierchia prevê que, já que nem todas as línguas admitem nomes nus argumentos, deve haver algumas restrições para determinar se uma língua admite que seus SNs denotem nomes de tipos ou não. De acordo com Schmitt & Munn, Chierchia sugere, então, como visto na seção 1.3.3, um parâmetro semântico para determinar se a língua pode admitir que seus SNs denotem nomes de tipos, predicativos ou ambos.

Schmitt & Munn (p. 341) descrevem o Parâmetro do Mapeamento Nominal; suas possibilidades, e características e apontam uma língua que caracterize cada uma das possibilidades. Essa caracterização já foi feita de forma detalhada anteriormente no presente trabalho, quando da resenção do trabalho de Chierchia (1998) (seção 1.3.3) e, portnato, não será repetida.

Tendo em vista que nem todas as línguas se enquadram dentro do parâmetro de Chierchia, o linguista propõe, segundo Schmitt & Munn (p. 342), a existência do determinante nulo e assume que línguas com o espanhol e o italiano admitem nomes nus plurais e nomes de massa em contextos sintáticos restritos.

Schmitt & Munn passam a discutir a questão dos nomes nus singulares e plurais no PB (p.342), tendo em vista que o PB admite plurais nus e singulares contáveis nus na posição de objeto. Os linguistas afirmam (p. 342-343) que, no PB, leituras genéricas e existenciais estão disponíveis: Ele comprou computadores/Ele comprou computador (leitura existencial), Crianças lêem revistinhas/Criança lê revistinha (leitura genérica).

Os autores passam a discutir as similaridades entre os nomes nus plurais e singulares. A primeira observação (p. 343-344) diz respeito à opacidade e ao escopo. Com verbos intencionais, como querer, tanto o plural nu quanto singular nu só podem receber o escopo estreito, com leitura opaca: Pedro quer encontrar policiais/ Pedro

quer encontrar policial (p.344). Quanto às negações e aos quantificadores universais,

Schmitt & Munn afirmam que os nomes nus plurais e singulares também só podem adotar o escopo estreito: (João não viu manchas/mancha no chão / Todo mundo leu

livros/livro sobre girafas) (p.344). Os autores observam, ainda, que a leitura específica

de singulares indefinidos é admitida em sentenças como em: Pedro viu um cachorro no

jardim às 3, 4 e às 5 da tarde, mas não em sentenças como: Pedro viu cachorros/cachorro às 3, 4, e às 5 da tarde. (p.344). Outra similaridade entre nomes

nus singulares e plurais é o fato de que a leitura genérica versus a existencial depende do predicativo (344-345): João detesta crianças/criança. (leitura genérica)/ Eu notei

crianças/criança no ônibus. (leitura existencial) (p.345). Os autores também apontam

que os singulares nus, no PB, são tipos canônicos, isto é, “tipos bem estabelecidos, tais como espécies de animais e artefatos comuns” (p. 345) (tradução minha), como se pode observar no exemplo dado no seu texto (p.346): No aeroporto em Londres, os policiais

só revistaram naquele dia mulher com mochila velha.

Tendo observado as características similares entre os nomes nus plurais e singulares no PB, Schmitt & Munn (p. 346) questionam se os singulares nus não seriam, na verdade, plurais nus sem marcação de plural. Os linguistas descartam essa ideia ao afirmarem que os singulares nus apresentam diferenças na distribuição quando comparadas aos plurais nus. Primeiramente, segundo Schmitt & Munn (p.346), singulares nus soam estranhos na posição de sujeito em sentenças fortemente episódicas, como em: Greve foi considerada ilegal pelo governo, em contraste com

Greves foram consideradas ilegais pelo governo, que soa perfeitamente adequada no

PB. Os autores (p.346 -347) observam, no entanto, que, a primeira sentença soa apropriada quando do acréscimo da negação ou do advérbio “sempre”: Greve não foi

considerada ilegal pelo governo. (exemplo meu) Greve sempre foi considerada ilegal pelo governo (p.347). Uma diferença bastante relevante para o presente trabalho e

apontado por Schmitt & Munn (p. 347) é a questão da anáfora. Os autores afirmam que, segundo Carlson (1977), leituras genéricas de plurais nus podem anteceder pronomes com leitura existencial. De acordo com Schmitt & Munn (p347), esse é o caso do PB:

Eu comprei batatas. Elas estavam limpinhas. (exemplo meu). No entanto, pronomes

singulares não podem se referir a singulares nus em contextos genéricos; pronomes plurais devem ser usados nesse caso: Maria detesta coelho porque *Ø/*ele roubou suas

cenouras/ Maria detesta coelho porque eles roubaram suas cenouras. Em contextos

existenciais, diferentemente, essa restrição não existe: Tem criança na sala. E ela/elas

estão ouvindo. (p. 348).

A próxima questão trazida por Schmitt & Munn, depois de verificarem que singulares nus são diferentes de plurais nus, é a possibilidade de os nomes nus singulares serem nomes de massa (p.348). Os autores comentam que os nomes de massa se caracterizam por não poderem ser atomizados: *Ouro pesa duas gramas (é agramatical, pois o nome de massa “ouro” não um predicativo que requer atomização). Já a sentença: Ouro é caro não apresenta problemas de gramaticalidade, pois o predicativo não requer atomização. Essa possibilidade é descartada tendo em vista sentenças como: Criança pesa 20 quilos nessa idade, em que a restrição de atomização não se aplica e Tinha livro espalhado pelo chão, em que a leitura universal não se mostra adequada (p.348). Além disso, outra evidência, de acordo com os autores (p.348- 349), está nos reflexivos e recíprocos, como em: Criança sabe se lavar sozinha/

Criança briga uma com a outra, que individualizam o singular nu. Os linguistas (p.349)

concluem, assim, que nomes nus singulares não são nomes de massa no PB. Dando continuidade à análise, Schmitt & Munn (p.349) apontam a diferença entre singulares nus e singulares definidos em contextos genérico; na sentença: A iguana brinca uma

com a outra, a individualização não é admitida. Os autores (p.349) afirmam, ainda, que

predicativos que selecionam tipos não são aceitáveis com os singulares nus: Ninguém

sabe quem inventou roda.

O próximo passo no trabalho de Schmitt & Munn consiste em demonstrar que o PB não se enquadra na tipologia do Parâmetro do Mapeamento Nominal de Chierchia (1998). Os autores (p. 349) afirmam que o PB apresenta as seguintes características: 1) distinção singular/plural; 2) distinção nome contável, nome de massa; 3) os singulares nus apresentam algumas restrições; 4) não apresenta um sistema classificatório generalizado. Como o PB apresenta morfologia de plural distintiva e distinção contáveis/nomes de massa, ele não poderia ser uma língua [+arg, - pred]. De acordo com Schmitt & Munn (p.349), Chierchia (1998) afirma que línguas que fazem distinção singular/plural e nome contável/nome de massa admitem apenas plurais e nomes de

massa denotem tipo. Se a língua for [+arg, -pred], apenas nomes de massa serão [+arg], o que não é verdade para o PB. Ainda segundo os autores (p.350), O PB também não pode ser do tipo [-arg, +pred], pois línguas que apresentam distinção morfológica singular/plural, na proposta de Chierchia (1998), não admitem singulares nus como argumentos de verbos e o PB o faz. Se o PB se enquadrasse no tipo [ +arg, + pred], complementam Schmitt & Munn (p. 350) e de acordo com o parâmetro proposto por Chierchia (1998), apenas plurais nus e nomes de massa seriam admitidos na posição de argumento, o que vimos, não se aplica ao PB. Portanto, como afirmam os linguistas (p. 350), o sistema proposto por Chierchia (1998) não admite que singulares nus denotem tipos, o que deixa o caso do PB sem explicação. Schmitt & Munn (p.350), propõem, então que, os singulares nus são melhores analisados como SDs com determinantes nus, sem número.

Schmitt & Munn (p.351) mostram as evidências para a ausência de número nos nomes nus singulares. A questão da anáfora, discutida anteriormente é uma delas. Um singular nu não antecede um pronome singular; ao contrário, ele só pode anteceder um pronome plural. Outra evidência diz respeito às leituras durativas e terminativas que os objetos diretos podem engatilhar nos verbos. O exemplo dado por Schmitt & Munn é com o verbo “escrever”. O exemplo: Eu escrevi carta/cartas por duas horas, é perfeitamente gramatical, por possuir leitura durativa10. Já a sentença: *Eu escrevi

carta/cartas em duas horas, cuja leitura é terminativa11, não é admitida no PB. Isso quer dizer que os nomes nus singulares funcionam em consonância com os nomes nus plurais, que só são admitidos com leitura durativa e, são, portanto, diferentes dos singulares indefinidos nesse aspecto, que admitem esse tipo de leitura: Eu escrevi uma

carta em duas horas. Além desse aspecto, os autores apontam para o fato de os nomes

nus objetos funcionarem com os plurais nus objetos no licenciamento do binominal “cada” e não como os cardinais indefinidos. A sentença: Os países da UE mandaram

um delegado cada, soa perfeitamente adequada em PB, enquanto que: *Os países da UE mandaram delegado/delegados cada são opções agramaticais. Esses dados, segundo

Schmitt & Munn, mostram que os singulares nus se comportam como os plurais nus no que diz respeito ao aspecto: quantidade. No entanto, quando do acréscimo da palavra “diferente” numa dada sentença, eles se comportam distintamente. Eles escreveram

10

A leitura durativa indica o tempo de duração de uma ação que se repete.

11

livros diferentes é gramatical, assim como Eles escreveram um livro diferente, ao passo

que Eles escreveram livro diferente não o é.

Levando-se em consideração que os singulares nus não são, semanticamente, nem plurais nem singulares e nem nomes de massa, os linguistas (p. 352) apontam a possibilidade de eles serem SNs e não SDs. Os autores, no entanto, não acreditam que esse seja o caso, argumentando que em sentenças como: Ele encontrou amigo e parente

no aeroporto, “amigo” e “parente” não podem ser a mesma pessoa. Em: Ele encontrou o amigo e parente no aeroporto, no entanto, em que há apenas um determinante, a

leitura só pode indicar que o sujeito tenha encontrado uma única pessoa que era tanto seu amigo quanto seu parente. Já a forma plural com um único determinante: Ele

encontrou os amigos e parentes admite as duas leituras. Para dar sentido a essa

diferença, os linguistas (p. 352) assumem uma estrutura de SD dividida que contém NumP e a leitura conjunta do predicativo surge com a combinaçãodo SN. A leitura da existência de dois indivíduos diferentes surge com a combinação NumP ou SD. Se esse for o caso, a combinação de nomes nus não pode ser uma simples combinação de SN. Os autores (p.352) sugerem, portanto, que singulares nus são SDs sem projeção de NumP.

Tendo sido exposta a proposta de Schmmit & Munn, iniciar-se-á a exposição de uma das hipóteses que também pode ser assumida como possível para o PABH no capítulo 3: a de que os SDs nus objetos em PB e no PABH são objetos incorporados. Apresentar-se-á, para tanto, o estudo de Saraiva (1997), que se desenvolve dentro dessa proposta para o PB especificamente.