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A análise semiótica de um texto estuda as múltiplas faces de um discurso, assim como sua produção, isto é, o sentido atribuído pelo destinador, e sua recepção, levando em conta as questões ideológicas e o contexto sócio-histórico. Assim, o texto pode ser definido como um objeto de significação, capaz de estabelecer a comunicação, o que converge para a formação e atribuição de um sentido determinado e específico.

A semiótica greimasiana entende o processo de geração de sentido

(...) como um percurso gerativo, simulacro metodológico do ato real de produção significante, que vai do mais simples e abstrato (estruturas a quo) ao mais complexo e concreto (estruturas ad quem). Esse percurso gerativo mostra os níveis crescentes de invariância do sentido e dá a cada um desses níveis uma descrição metalingüística adequada. Nesse percurso, distinguem- se a imanência, que diz respeito ao plano do conteúdo, da manifestação, que é a união de um plano de conteúdo com um ou vários planos de expressão. No nível da imanência, há os seguintes patamares do percurso gerativo de sentido: o fundamental, o narrativo e o discursivo (FIORIN, 2002, p.35-36).

Dessa forma, a semiótica pode ser entendida como a teoria que busca os significados no plano do conteúdo (BARROS, 1990), que pode ser estabelecido no percurso gerativo de sentido.

O nível fundamental está ligado ao início do percurso gerativo de sentido e procura “explicar os níveis mais abstratos da produção, do funcionamento e da interpretação do discurso” (FIORIN, 1994, p.20), estabelecendo-se em oposições semânticas, que também podem ser vistas de acordo com a categoria tímica /euforia/ x /disforia/: “Eufórica é a relação de conformidade do ser vivo com o meio ambiente, e disfórica, sua não conformidade” (BARROS, 1988, p.24).

Já no nível narrativo, “os elementos das oposições semânticas fundamentais são assumidos como valores por um sujeito e circulam entre sujeitos, graças à ação também de sujeitos” (BARROS, 1990, p.11). Assim, neste nível, cumpre-se um programa narrativo, cuja seqüência forma o percurso narrativo. Estuda-se de que forma o destinador trabalha para manipular o destinatário, visando executar uma performance, que é sancionada positiva ou negativamente.

Ao estabelecer o contrato fiduciário, “o destinador, graças a um fazer persuasivo, busca a adesão do destinatário” (BARROS, 1988, p.37). Existem quatro tipos de manipulação: a provocação, a sedução, a tentação e a intimidação. Quando é bem-

sucedida, a manipulação faz com que o manipulador e o manipulado entrem em acordo. Ela produz uma alteração tanto nas competências do destinador, que tem o poder ou o

saber, quanto nas do destinatário, que adquire o dever-fazer ou o querer-fazer.

Depois de fazer com que o destinatário execute sua performance, o destinador deve julgá-lo, na “última fase da organização narrativa, necessária para encerrar o percurso do sujeito e correlata à manipulação” (BARROS, 1990). A sanção pode ser positiva, em forma de recompensa, ou negativa, em forma de punição. Ela “se faz em nome de uma ideologia, da qual depende, em suma, o sentido do percurso narrativo realizado” (BARROS, 1988, p.40).

Por fim, no nível discursivo “as oposições fundamentais, assumidas como valores narrativos, desenvolvem-se sob a forma de temas e, em muitos textos, concretizam-se por meio de figuras” (BARROS, 1990, p.11).

Cada nível é composto pela sintaxe e pela semântica, que se complementam. Enquanto uma delas é conceitual, a outra é dinâmica e cumulativa, com um grau maior de complexidade.

2.1 O nível discursivo

Nesta análise, o foco de estudo será o nível discursivo, já que é “o lugar, por excelência, de desvelamento da enunciação e de manifestação dos valores sobre os quais está assentado o texto” (BARROS, 1988, p.72). O discurso pode ser visto como a narrativa “enriquecida” (BARROS, 1990, p.53), isto é, mais complexa, uma vez que o sujeito da enunciação converte as estruturas narrativas em estruturas discursivas.

A enunciação pode ser conceituada como uma instância de mediação entre as estruturas narrativas e as estruturas discursivas, sendo captada pelas “marcas” deixadas pelo enunciador no discurso. Este pode ser definido como o objeto produzido pelo sujeito da enunciação, além de ser também objeto de comunicação entre destinador e destinatário.

É graças às projeções da enunciação que o discurso é fabricado. A operação chamada desembreagem nada mais é do que a projeção da pessoa, do espaço e do tempo no discurso. O estudo destas categorias permite compreender os procedimentos empregados para a constituição do discurso e os efeitos de sentido resultantes dos actantes e das coordenadas espácio-temporais escolhidas.

Como todo discurso tem como finalidade persuadir o destinatário de que é verdadeiro (ou falso), existe, portanto, a intenção de criar a ilusão de verdade, o que pode ser obtido com dois efeitos de sentido: o de proximidade ou distanciamento da enunciação e o de realidade ou referente.

Quando se busca a objetividade e a imparcialidade, se utiliza a terceira pessoa, no tempo do “então” e no espaço do “lá”. Este é o efeito de distanciamento, operado pela desembreagem enunciva, que costuma compor o enunciado dos textos jornalísticos.

Quando se busca a subjetividade e a parcialidade, se utiliza a primeira pessoa, no tempo do “aqui” e no espaço do “agora”. Este é o efeito de proximidade, operado pela

desembreagem enunciativa, cuja unidade discursiva é a enunciação-enunciada

Muitas vezes, também, ocorre a embreagem, uma operação de retorno da

desembreagem à instância primeira da enunciação, que “finge recuperar as formas que

projetou fora de si. Nega-se o enunciado e procura-se produzir o efeito de suspensão da oposição entre os atores, o espaço e o tempo do enunciado e os da enunciação” (BARROS, 1988, p. 74).

Os efeitos de realidade ou referente são efeitos de enunciação que atendem ao objetivo de fazer parecerem reais os fatos ocorridos. Na sintaxe do discurso, isto ocorre por meio da desembreagem interna: “Quando, no interior do texto, cede-se a palavra aos interlocutores, em discurso direto, constrói-se uma cena que serve de referente ao texto, cria-se a ilusão de situação ‘real’ de diálogo” (BARROS, 1990, p.59).

Contudo, existe ainda um recurso semântico: a ancoragem. Neste procedimento, o sujeito da enunciação ancora o ator, o tempo e o espaço do discurso em pessoas, datas e lugares que o destinatário reconhece como existentes, como “reais”, produzindo o efeito de sentido de realidade.

Assim, tanto a ancoragem actancial, espacial e temporal como a delegação interna de voz são procedimentos para a obtenção da ilusão de referente ou de realidade. O papel da semiótica é analisar o motivo do emprego desses recursos e o efeito de sentido obtido neste processo.

No discurso, o destinador e o destinatário são vistos como desdobramentos do enunciador e do enunciatário. Assim, ocorre uma manipulação, isto é, o enunciador exerce um fazer persuasivo capaz de levar o enunciatário a crer e a fazer, assumindo as posições cognitivas do enunciador, que deve espalhar “marcas” no discurso.

Emprega-se o termo “veridicção” para se referir ao fato de o discurso construir sua própria verdade. Dessa forma, o enunciador fabrica discursos que contêm efeitos de verdade ou de falsidade, que parecem verdadeiros ou falsos e assim são interpretados.

Para estabelecer a manipulação e o contrato veridictório o enunciador utiliza de mecanismos que levam à persuasão do enunciatário, entre os quais se anotam, os pressupostos, os subentendidos e as implicaturas.

As implicaturas podem ser definidas como o conteúdo implícito que é comunicado no enunciado, sendo diferente do conteúdo proposicional. Elas são os efeitos de sentido que se insinuam no ato comunicativo, oriundos seja dos significados das palavras e dos sinais dos textos, seja dos princípios estéticos, morais ou sociais subentendidos no ato comunicativo.

Já os pressupostos de um enunciado são as mensagens que ele contém fora da mensagem propriamente dita e que o falante apresenta como indiscutíveis, evidentes (DUBOIS et alii, 1998). Como estratégia de persuasão, eles têm como objetivo levar à aceitação de determinadas idéias por parte do receptor. Isto ocorre porque os conteúdos explícitos são construídos sobre os pressupostos; se estes forem falsos, não há lógica nos próprios explícitos. Dessa maneira, portanto, os pressupostos não são discutidos, aprisionando o leitor dentro da lógica criada pelo produtor do texto. Assim, pode-se afirmar que enquanto o posto é proposto como verdadeiro, o pressuposto é, de certa foram, imposto como verdadeiro.

Os subentendidos são concebidos por Ducrot (1987) como insinuações presentes numa frase sem a marca lingüística. De acordo com Guimarães (2006), graças ao subentendido é possível acrescentar alguma coisa “sem dizê-la, ao mesmo tempo, em que ela é dita” (p. 83).

A diferença entre o pressuposto e o subentendido é que aquele é uma informação indiscutível, ou apresentada dessa maneira, tanto para o produtor do texto, quanto para o receptor, pois apresenta um marcador lingüístico, enquanto este é de responsabilidade do receptor. Assim, o pressuposto pode até ser contestado, mas sua formulação é construída para que não o seja. Já o subentendido é construído para que o produtor do texto possa negar que tenha dito o que efetivamente quis dizer, uma vez que se pode apegar ao sentido literal das palavras. Ele é, portanto, um meio de proteção, porque diz o que se quer, sem se comprometer – o sentido é apenas sugerido.

Quanto à semântica discursiva, ela se refere, basicamente, ao emprego de temas e figuras, com o objetivo de assegurar a coerência do discurso, criando um efeito de realidade. A breve definição de Fiorin (1995) ajuda a esclarecer a questão.

Tema é o elemento semântico que designa um elemento não-presente no mundo natural, mas que exerce o papel de categoria ordenadora dos fatos observáveis. São temas, por exemplo, amor, paixão, lealdade, alegria. Figura é o elemento semântico que remete a um elemento do mundo natural: casa, mesa, mulher, rosa, etc. ( p.24)

Como os temas estão espalhados pelo texto, eles são recobertos pelas figuras. Barros (1990, p.74) caracteriza como isotopia “a reiteração dos temas e a recorrência das figuras no discurso”, conferindo coerência semântica ao discurso.

CAPÍTULO 3