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ANÁLISE DOS TEXTOS DAS CANÇÕES

3.5 Ballad of Hollis Brown

Ballad of Hollis Brown conta a história de um agricultor pobre (Hollis Brown)

que vive em situação de extrema pobreza, numa fazenda em Dakota do Sul com a esposa e cinco filhos. Não suportando tal situação, ele decide matar a esposa, os cinco filhos e comete suicídio ao final. Não há indicações sobre ele ser branco ou negro, nem informações que remetam ao fato de Dylan ter se baseado em uma história verídica.

Esta canção adota um padrão muito utilizado nas composições folk e também de blues: cada estrofe tem seis versos, sendo que os dois primeiros são uma repetição do terceiro e do quarto; o quinto e o sexto encerram a idéia da estrofe (MUGGIATI, 2001). Brian Hinton (2009, p.31) afirma que a base desta canção está na tradicional Pretty

Polly, gravada em 1927 por Dock Boggs e depois pelos Stanley Brothers.

A oposição fundamental estabelecida na canção é entre vida x morte. Na estrofe inicial, o enunciador/narrador se dirige aos ouvintes/enunciatários para apresentar a história de Brown usando a terceira pessoa. As estrofes subseqüentes alteram esse foco: nelas, o narrador se dirige diretamente a Hollis Brown, mantendo um diálogo com o agricultor, que se torna o novo enunciatário. Bob Dylan, portanto, mantém um domínio apurado sobre as ferramentas que utiliza para alcançar os efeitos de sentido desejado.

A narrativa está baseada em figuras que denunciam a condição de extrema miséria à qual está submetida a família Brown. Na segunda estrofe, o narrador afirma que os filhos de Brown “estão tão famintos, eles nem sabem como sorrir”. A falta de perspectivas e a dificuldade para se encaixar na sociedade também estão tematizadas na canção: “Você procurou por trabalho e dinheiro”, “Você pisa pelo chão e se pergunta porque cada vez que você respira”.

Até mesmo a natureza conspira contra: “Os ratos pegaram seu trigo, sangue ruim atingiu sua égua”; “Sua grama está ficando negra, não há água em seu poço”.

Abandonado, sem ajuda, ele apela a Deus: “Por favor, mande um amigo”. A resposta, segundo o narrador, está no “bolso vazio [que] diz que você não tem nenhum amigo”, em uma sugestão do enunciador de uma denúncia de uma sociedade na qual as relações de amizades estão contaminadas e se baseiam na quantidade de dinheiro que cada um tem e não no afeto genuíno e desinteressado.

Observam-se as direções imprimidas ao texto pelo enunciador, a fim de provocar os efeitos de sentido desejados. Analisando-se a enunciação não apenas como as marcas de intenção do enunciador no discurso, mas também o contexto sócio-histórico em que o texto está mergulhado, deve-se considerar não apenas o conteúdo semântico – aquilo que o texto diz – e a intenção de quem o produziu, mas também a interpretação da intenção de quem o produziu. Por isso os esforços do enunciador para causar efeitos de sentido no enunciatário ao mudar o foco narrativo.

Considerando o contexto sócio-histórico em que Bob Dylan está mergulhado, observam-se as marcas que o enunciador deixa no discurso, enfocando-se a enunciação como instância mediadora entre o discurso e o contexto sócio-histórico. Desta forma, deve-se ter em mente a intencionalidade de quem o produziu. Dylan/enunciador deixa transparecer a crítica social em “cabana desmoronada”, “cercanias da cidade”, “mulher e cinco filhos”, figuras que reproduzem o cenário em que se desenrolará a narrativa.

Note-se também a operação de ancoragem realizada na canção. O personagem Hollis Brown mora em uma cabana destroçada, em uma fazenda de Dakota do Sul, com sua família, tendo uma plantação de trigo. O fato de os actantes, o espaço e o tempo serem precisados na letra da música produz um efeito de sentido de verdade.

Nas relações entre o enunciador e o discurso que se constrói observam-se o uso da debreagem enunciva, na primeira estrofe, no uso do discurso indireto, em que se ouve o narrador adotando uma variante analisadora de expressão que irá caracterizar os atores do discurso. Nela, as expressões mencionadas traduzem a ótica do enunciador que denuncia um quadro de extrema pobreza, responsável ao longo da narrativa pelo ato desesperado de Hollis Brown.

A partir da segunda estrofe, o enunciador produz o efeito de sentido de aproximação com o personagem Hollis Brown em um simulacro discursivo em que o sujeito denominado “narrador” estabelece um simulacro de diálogo com o narratário Hollis Brown. Utilizando a debreagem enunciativa, dá a palavra a outro sujeito da enunciação que estabelece uma relação de “eu-tu” na qual Hollis Brown assume o papel

de enunciatário direto do discurso, produzindo um efeito de sentido de “verdade”, de “realidade” com o enunciatário/leitor/ouvinte.

Ao longo da narrativa esse novo enunciador assume o papel de um simulacro de destinador ao manipular o destinatário Hollis Brown, ressaltando suas desgraças de forma provocadora ao investi-lo de valores negativos, induzindo-o a um dever-fazer: tomar uma atitude drástica.

A família não oferece conforto para a situação; ao contrário, os “bebês choram mais alto” e “os gritos da sua mulher lhe esfaqueiam como a chuva suja” são figuras que tematizam esse desamparo familiar. É a partir deste momento que Hollis Brown decide gastar o ínfimo dinheiro que possui para comprar “sete cartuchos de espingarda”. A figura do coiote como metáfora da loucura é utilizada pelo narrador: “Lá fora no campo selvagem um coiote chama”. Conforme a música se encaminha para o final, o narrador afirma que a mente de Brown “está sangrando e suas pernas não conseguem ficar de pé”. Se antes ele olhava fixamente para a espingarda na parede, ela agora está em suas mãos: “Sete tiros ecoam como o roncar do oceano”.

O contrato entre o enunciador/narrador e o enunciatário/Hollis Brown é estabelecido quase ao final da canção, no verso supracitado em que ele compra as balas para sua arma. Desta forma, elas são um objeto-modal para a obtenção do objeto-valor, isto é, a morte. Essa manipulação ocorre por um processo de provocação, porque o destinador força o destinatário a fazer uma escolha.

A performance ocorre quando Hollis Brown, que estava em conjunção com a vida, entra em disjunção com a vida e fica conjunto com a morte, na mudança central da narrativa. A sanção do narrador é negativa, pois embora o agricultor pobre tenha deixado de sofrer, de se sentir oprimido pela sua condição de miséria extrema, ele teve de perder a vida para se libertar da situação de agonia em que vivia. Existe, portanto, um percurso disfórico, que vai da vida para a morte.

A canção termina com o narrador contando que “Há sete pessoas mortas em uma fazenda de Dakota do Sul”, mas também em “Algum lugar à distância há sete pessoas novas nascendo”, porém sem esclarecer se o destino das pessoas que nascem será semelhante ao das que morreram, deixando uma interrogação ao final.

O conteúdo veiculado no texto permite afirmar que a miséria conduz à humilhação e, depois, à morte. Para sobreviver na sociedade é preciso ter dinheiro, ter posses, o que garante as benesses aos afortunados. A canção, portanto, é uma dura

crítica social à condição de penúria das famílias em Dakota do Sul, configurando-se como uma canção de protesto.

Original Tradução

Hollis Brown

He lived on the outside of town Hollis Brown

He lived on the outside of town With his wife and five children And his cabin fallin' down

You looked for work and money And you walked a rugged mile You looked for work and money And you walked a rugged mile Your children are so hungry That they don't know how to smile

Your baby's eyes look crazy They're a-tuggin' at your sleeve Your baby's eyes look crazy They're a-tuggin' at your sleeve You walk the floor and wonder why With every breath you breathe

The rats have got your flour Bad blood it got your mare The rats have got your flour Bad blood it got your mare If there's anyone that knows Is there anyone that cares?

You prayed to the Lord above

Hollis Brown

Morava fora da cidade Hollis Brown

Morava fora da cidade Com a mulher e cinco filhos Em sua cabana caindo aos pedaços

Você procurou por trabalho e dinheiro E percorria caminhos acidentados Você procurou por trabalho e dinheiro E percorria caminhos acidentados Seus filhos estão tão famintos Que nem sabem mais como sorrir

O olhar dos seus bebês está enlouquecido Eles estão puxando suas mangas

O olhar dos seus bebês está enlouquecido Eles estão puxando suas mangas

Você anda pela casa e se pergunta por quê Cada vez que você respira

Os ratos pegaram seu trigo Sangue ruim atingiu sua égua Os ratos pegaram seu trigo Sangue ruim atingiu sua égua Existe alguém que sabe? Existe alguém que se importa?

Oh please send you a friend You prayed to the Lord above Oh please send you a friend Your empty pockets tell yuh That you ain't a-got no friend

Your babies are crying louder It's pounding on your brain

Your babies are crying louder now It's pounding on your brain

Your wife's screams are stabbin' you Like the dirty drivin' rain

Your grass it is turning black There's no water in your well Your grass is turning black There's no water in your well You spent your last lone dollar On seven shotgun shells

Way out in the wilderness A cold coyote calls Way out in the wilderness A cold coyote calls

Your eyes fix on the shotgun That's hangin' on the wall

Your brain is a-bleedin'

And your legs can't seem to stand Your brain is a-bleedin'

And your legs can't seem to stand Your eyes fix on the shotgun That you're holdin' in your hand

Por favor mande um amigo Você rezou para o Senhor Por favor mande um amigo Seu bolso vazio diz

Que você não tem nenhum amigo

Seus bebês estão chorando mais alto Está doendo sua cabeça

Seus bebês estão chorando mais alto Está doendo sua cabeça

Os gritos de sua mulher lhe esfaqueiam Como a chuva suja

Sua grama está ficando negra Não há água em seu poço Sua grama está ficando negra Não há água em seu poço Você gastou seu último dólar Em sete balas de espingarda

Longe, lá na mata Um frio coiote uiva Longe, lá na mata Um frio coiote uiva

Seus olhos estão presos na espingarda Que está pendurada na parede

Sua mente está sangrando

E suas pernas não param mais em pé Sua mente está sangrando

E suas pernas não param mais em pé Seus olhos estão fixos na espingarda Que está nas suas mãos

There's seven breezes a-blowin' All around the cabin door There's seven breezes a-blowin' All around the cabin door Seven shots ring out

Like the ocean's pounding roar

There's seven people dead On a South Dakota farm There's seven people dead On a South Dakota farm Somewhere in the distance There's seven new people born

Há sete brisas soprando Ao redor da porta da cabana Há sete brisas soprando Ao redor da porta da cabana Sete tiros ecoam

Como o ritmado bramido do oceano

Há sete pessoas mortas

Em uma fazenda de Dakota do Sul Há sete pessoas mortas

Em uma fazenda de Dakota do Sul Em algum lugar distante

Há sete pessoas novas nascendo