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Confrontadas as análises dos textos das canções com as entrevistas, é possível chegar a algumas considerações sobre a postura adotada por Bob Dylan em toda sua carreira, uma postura firme e coerente de sempre negar ser um cantor de protesto. No entanto, a análise de suas músicas não permite deixar dúvidas sobre o fato de ele ser um cantor de protesto.

Ora, de que maneira é possível explicar esse contraste?

A explicação para a refutação em se assumir como cantor de protesto está no fato de que agindo assim, Bob Dylan se protegia tanto do público quanto da imprensa, manifestando certo grau de controle sobre sua imagem. Tanto Bob Dylan quanto os Beatles demonstraram certo arrependimento pelo preço da fama, com o ônus de serem vistos tanto como salvadores – no momento em que correspondiam às expectativas dos fãs – quanto como traidores – quando frustravam essas expectativas do público.

Porém, se serviu para resguardar Bob Dylan, essa postura ofereceu como contrapartida uma impossibilidade de caracterizá-lo como um herói, visto que ele não redime sua comunidade, preferindo seguir sua convicção estética e artística, dando um novo rumo a sua carreira ao partir para o estilo do rock. Dessa forma, torna-se mais pertinente caracterizá-lo como um ídolo, papel que a partir da própria etimologia da palavra (“representação material de entidade imaterial, do grego eidolon) se confunde com o do xamã, tal como na concepção de Campbell discutida nesta monografia.

Na análise das canções é possível identificar alguns temas que as caracterizam como sendo de protesto. Comentários sociais denunciam a miséria e a pobreza de setores da sociedade norte-americana, humanizando os personagens, enquanto outros textos pretendem conscientizar o ouvinte sobre a situação de mudança pela qual a sociedade está passando naquele momento. Em maior ou menor grau, as canções fazem referência a uma oposição entre a situação de dominação e a de liberdade.

Nas entrevistas, Dylan renega o papel de “Porta Voz da Geração” e o de cantor de protesto, com expedientes que vão desde a negação expressa de modo enfático no próprio enunciado, quanto na criação de situações absurdas ou nonsense, esvaziando o sentido das entrevistas, porém conferindo um significado de refutação para as expectativas da imprensa e do público.

Essa recusa em aceitar os papéis impostos pelos meios de comunicação e pelo público expressa uma aguda consciência de como lidar em liberdade com as

expectativas depositadas em sua figura. Ao se descolar dos rótulos, não se deixando manipular – ou, antes, reagindo à tentativa de manipulação –, Bob Dylan mostra habilidade nesse jogo.

O interesse de Bob Dylan está menos no plano do conteúdo do que no plano da expressão, preocupação primordial de um artista, que vê no plano da expressão maiores possibilidades de organizar suas estratégias discursivas do que no plano do conteúdo, em que está restrito a determinadas formações ideológicas.

Ele conseguiu criar uma persona identificada com o movimento folk, com canções de protesto, que teve posição marcante num contexto em que setores antes minoritários no país – principalmente o dos jovens, beneficiados pelo reconhecimento de sua condição, criando o conceito de adolescência, com uma música que expressava a revolução de valores comportamentais. Contudo, a maneira encontrada para continuar seguindo seu desenvolvimento artístico foi não se limitar a ser um cantor de protesto, o que o obrigou à criação de uma nova máscara – a de roqueiro, com um ritmo de vida ditado pela aventura, pelas drogas e pelo álcool.

A autenticidade e a autoridade que adquiriu ao longo de quase cinco décadas tocando música fazem com que Dylan esteja no controle do seu mito, como sugere Marshall: “Dylan sabe que o jogo está sendo jogado e sabe que ele é bom no que faz”145 (2007, p.275).

Essa confiança permite a Dylan declarar que “você está falando com uma pessoa que possuiu os anos 60...Eu sou os anos 60 – quem vai discutir comigo? Eu posso dá-los a eles se quiserem. Você pode dar a eles”146 (MARSHALL, 2007, p.276). Parece difícil discordar, dada a sua importância naquele contexto e o seu papel central na evolução da música popular norte-americana do período.

Esta pesquisa espera ter contribuído para que a relação entre artista e público, mediada pelos meios de comunicação, seja pensada de maneira menos ingênua e mais aprofundada, discutindo a formação de mitos e como eles explicam determinados comportamentos na sociedade, tendo em vista também o papel do jornalista como produtor de sentido neste processo.

A análise semiótica greimasiana e a visão oferecida pela análise do discurso, em menor escala, foram os instrumentos adotados para desvendar – ou, em uma perspectiva

145

“Dylan knows the game being played and he knows he’s good at it” (tradução nossa).

146

“You’re talking to a person who owns the sixties…I own the sixties – who’s going to argue with me? I’ll give ‘em to you if you want ‘em. You can gave ‘em” (tradução nossa).

sempre cética como convém à ciência – para oferecer subsídios que ajudem a explicar a postura contrastante entre o significado das letras e as declarações nas entrevistas.

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