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Esta seção se destina à análise dos impactos dos materiais didáticos de inglês usados pelos alunos antes do curso proposto. Em seguida, será visto como a produção e a aplicação dos materiais didáticos de inglês etnicamente sensíveis (MDIES) impactam na sala de aula e no estimulo e aprendizagem do estudo de inglês como língua estrangeira.

Como elemento introdutório para análise dos relatos, usaremos o de- poimento de uma aluna do Uniafro 2006-2007, pela importância subjetiva e riqueza de dados fornecidos nesse relato ao comentar a proposta sugerida por este professor-pesquisador sobre a inclusão da temática étnico-racial nos materiais didáticos de inglês. Devemos mencionar que o recurso metodo- lógico para coleta desse relato foi a entrevista coletiva, no final do curso, incluindo todos os alunos da turma para incentivar a interação no debate.

ENTREVISTA COLETIVA REALIZADA NO CEAO6

TURMA UNIAFRO 2006-2007:

Professor-pesquisador:

– Na verdade, então, ficou desta proposta de trabalhar o ensino da língua inglesa por este viés, por essa nova abordagem que é de incluir a questão 6 CEAO: Centro de Estudos Afro-Orientais, da Universidade Federal da Bahia, criado em 1959.

da identidade étnico-racial na sala de aula de língua estrangeira. Como é que vocês se sentiram com a receptividade deste material, os que já tinham estudado inglês antes na escola pública, se já tinha havido algum tipo de contato, se vocês se autorreconheceram quando vocês receberam este mate- rial? Quais são as considerações de vocês?

Estudante do curso de Produção em Comunicação, Uniafro 2006-2007:

– Reconstruído? Tanta coisa. Como Cláudia estava dizendo aqui, a gente no fundamental e ensino médio, a gente vê o inglês básico do verbo to be, questão racial nem se fala. Quando a gente veio pra aqui e teve essa pro- posta de trabalhar visando o lado racial, principalmente dos negros, é a gente pegar cada texto e vê personalidades que lutaram contra o racismo, pessoas que antes não eram conhecidas, a gente se reconhecer dentro deste movimento, a gente se reconhecer como negro, como pessoas beneficiadas destes movimentos, de certa forma já abre muito a nossa visão. Você se reconhecer, principalmente você se enxergar, se enxergar como negro, se enxergar como um possível militante, uma pessoa que tem que continuar a luta dessas pessoas aqui, há uma distância imensa daquele do ensino médio e ensino fundamental até antes da gente entrar aqui começar ter as aulas, a gente pegar textos de pessoas negras, ler a vida dessas pessoas em inglês é muito mais diferente do que você pegar qualquer textinho, pegar e ler e tal… tanto faz. E sem falar o que você tá lendo em inglês, mas você tá aprendendo uma cultura, sua cultura, reconhecendo, reconhecendo não conhecendo a sua cultura, outras pessoas da sua raça principalmente guerreiras, porque essas pessoas pra mim são guerreiras e ainda lutam, e a gente tem que dar o devido valor e continuar.

A importância desse depoimento nos faz entender como foi positiva a inclusão da temática negra nas aulas de inglês, acreditando que essa ação, além de ampliar a motivação e melhorar a aprendizagem do inglês como língua estrangeira e mostrar mais sobre a(s) cultura(s) de origem, ainda contribuiu para fomentar debates sobre algumas das temáticas mais relevantes a respeito das relações raciais no Brasil.

Percebemos com os comentários tecidos pela aluna que a inclusão da cultura negra nos materiais didáticos de inglês ajudou-a também a se reco- nhecer como sujeito presente na temática escolhida para os materiais utiliza- dos em sala, e até mesmo a reconhecer a importância de estar lendo textos em inglês sobre a vida de pessoas que lutaram e lutam pela igualdade de direitos e deveres para garantir o direito a uma real democracia racial no Brasil e em outros contextos afro-anglófonos.

Tendo como referência as vozes dos sujeitos da pesquisa, o texto escolhi- do para a aula de número 5 foi “The race is on”, retirado da revista NewsWeek, edição de 25 de dezembro de 2006 a 1º de janeiro de 2007, por ter sido um dos mais comentados pelos estudantes.

Como proposta de warm up (aquecimento) para aula, os alunos foram encorajados a assistir a um documentário da GNT News, A América está pre-

parada para um presidente negro?, exibido na segunda-feira de 3 de março de

2008 (A AMÉRICA…, 2008), sobre a mesma temática que adentrariam após leitura do texto.

O vídeo assistido versava sobre a história política, cultural, econômica, social e racial do então candidato à presidência dos Estados Unidos pelo Partido Democrata, o senador Barak Obama. Como proposta para o início da aula, após os alunos assistirem ao vídeo, a classe foi dividida em gru- pos definidos por diferentes áreas do saber. Essa estratégia metodológica nos orientou a obter uma visão mais global do documentário, pois se abri- ria, em seguida, um grande debate sobre a temática proposta e, ao mes- mo tempo, focal, por proporcionar a participação de cada grupo com um posicionamento mais aplicado a sua área específica. Por exemplo, foram propostos grupos temáticos dentro das seguintes áreas: Letras, Pedagogia e afins; Economia, Contábeis, Estatística e afins; Ciências da Saúde e afins; e Direito, Sociologia, Antropologia, Filosofia, História e afins.

Os alunos também foram encorajados a traçar paralelos entre a temá- tica estudada e sua própria realidade no Brasil, país de origem. Dentre os

inúmeros relatos surgidos, destacamos o de Nzinga Nefertari,7 sexo femi-

nino, 22 anos, residente em Pituaçu – Boca do Rio. Estudante do curso de História, em 2008.1, em seu 2º semestre na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Quanto à religião da estudante, ela afirma estar estudando religiões de matrizes africanas, mas não pertencer a nenhuma religião. Vivem cinco pessoas em sua casa: pai, mãe, irmã, irmão e ela. Escolheu como frase que mais a marcou no curso “I am a negro: black as the night is black. Black like the depths of my Africa”. (“Eu sou negro: negro como a noite é negra. Negro como as profundezas da minha África” – poema de Langston Hughes.)

Ao descrever sua trajetória, considerando a temática racial, ela contou que tentou se candidatar para ser “paquita da Xuxa”8 quando criança. Definin-

do-se como em crise de identidade, tentou várias vezes se tornar clara (branca) usando água sanitária e buscou ajuda no setor de psicologia UFBA. A ela foi dado o nome de uma rainha africana por uma colega de turma, estudiosa de nomes de ascendência africana, como forma de resgatar sua autoestima. Achava importante o estudo da língua inglesa porque pretendia viajar para os Estados Unidos a fim de estudar questões ligadas à diáspora.

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