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A definição de polissemia foi tratada por Greimas e Courtés (1983, p. 388) da seguinte maneira:

A polissemia corresponde à presença de mais de um seme- ma no interior de um lexema. Os lexemas polissemêmicos opõem-se, assim, aos lexemas monossemêmicos, que compor- tam um único semema (e que caracterizam sobretudo os lé- xicos especializados: técnicos, científicos, etc.). A polissemia, entretanto – afora o caso de pluriisotopia – existe somente em estado virtual (‘em dicionário’), pois a manifestação de um le- xema dessa espécie, inscrevendo-o no enunciado, elimina sua ambigüidade, realizando apenas um de seus sememas.

A comparação dos textos do corpus permite verificar uma possibili- dade não tratada por Greimas e Courtés (1983): a de que em textos da con- temporaneidade, como a literatura negra, por exemplo, houve, de acordo com a hipótese estabelecida nesta análise, a utilização de semas não dicio- narizados nos discursos supracitados, pois eles se encontram em processo de construção na tensão ideológica estabelecida entre os grupos huma- nos e seus interesses. Assim, quando se menciona “negro” no discurso da literatura do Romantismo, percebe-se a cristalização do teor pejorativo das significações dicionarizadas desse lexema. Ao passo que na literatura negra a colocação do vocábulo em um discurso dotado de uma estética literária que possibilita a ressemantização, ou ressignificação, dos lexemas dicionarizados, faz com que se projete uma imagem oposta à conceptuali- zação dantes atribuída a esse sujeito. Estabelecendo-se, assim, uma tensão no espaço literário quanto às representações dos diversos grupos huma- nos existentes ideologicamente estabelecidos.

A lexicografia, segundo Greimas e Courtés (1983), contrapõe a polissemia à homonímia, levando-se em conta homônimos, morfemas ou palavras distin-

tas quanto ao significado e idênticas quanto ao significante. De acordo com a substância do significante, são denominados homófonos ou homógrafos.

Na terminologia proposta por B. Pottier (1978), semema define-se como conjunto de semas reconhecíveis no interior do signo mínimo (ou morfema). A unidade de significação, assim delimitada, é composta por três subconjuntos sêmicos: o classema (os semas genéricos), o semantema (os semas específicos) e o virtuema ( os semas conotativos), este último relevante às reflexões realizadas no corpus desta análise.

Greimas e Courtés (1983, p. 448), paralelamente à definição dada por Pottier (1978), ainda postulam outras características tidas como fundamen- tais dessa unidade de significação:

Enquanto Pottier atribui ao semema a totalidade dos inves- timentos do significado de um morfema, o semema – para nós – corresponde àquilo que a linguagem ordinária entende por acepção, sentido particular de uma palavra. O semema de Pottier corresponde, pois, ao nosso lexema, sendo que este é constituído por um conjunto de sememas (conjunto que pode ser, em última instância, monossemêmico) reunidos por um núcleo sêmico comum.

É importante, ademais, ressaltar que há diversas relações entre o signi- ficante e o significado das unidades léxicas de uma língua. A multifuncio- nalidade dos lexemas e de suas lexias é fruto das relações entre o conjunto de semas (POTTIER, 1978) e o conjunto da expressão. A monossemia e a polissemia são apenas duas das maneiras pelas quais se ligam os dois planos do signo linguístico.

monossemia

A monossemia pode ser definida como uma relação um por um entre os conjuntos significante e significado, pois sua expressão corresponde a apenas um semema. Os lexemas monossemêmicos caracterizam-se principalmente

nos léxicos especializados, científicos etc. A terminologia tenta, por meio de um processo onomasiológico, dar aos termos de determinada área da ciência uma configuração monossemêmica. É de suma importância lembrar que tal relação, fora dos domínios terminológicos, é pouco provável, devido ao cará- ter polissemêmico das línguas, característica que as tornam flexíveis e de uso inesgotável dentro dos diversos discursos, como se observa na contraposição dos textos do corpus analisado.

polissemia

A polissemia é a ligação de mais de um semema a um único lexema, ou seja, estão contidos dentro desse lexema vários sememas. Segundo Ilari (2003, p. 151), a polissemia pode ser caracterizada pelos “diferentes sentidos de uma mesma palavra que são percebidos como extensões de um sentido básico”. Ela ocorre em relação de oposição disjuntiva, pois há uma intersecção en- tre os seus sememas.

da polissemia à monossemia

No sistema, o lexema dispõe de um grande número de semas lexicais e gra- maticais em seu semema. Essa polissemia, intrínseca à língua, permite uma gama de usos em contextos distintos. Segundo Barbosa (1998, p. 5):

Os vocábulos e os termos de determinada norma sofrem restri- ções semântico-sintáxicas, correspondentes às constantes coer- ções de um universo de discurso (semema); a palavra-ocorrên- cia sofre ainda maior restrição (significação específica do texto) mas, ao mesmo tempo, recebe acréscimos da combinatória dos semas contextuais no percurso sintagmático (epissema).

As relações supracitadas concernem a três aspectos: 1) às variações dia- crônicas, diatópicas, diastráticas e diafásicas; 2) ao sistema, norma e fala; e 3) às influências que o universo discursivo exerce sobre a semântica das unidades lexicais. (BARBOSA, 1998)

Vejamos o exemplo do lexema “preto”, vinculado ao campo concep- tual, cujos significados lexicalizados podem se dividir entre denotados e conotados. Entende-se, grosso modo, o sentido denotado como sendo uma caracterização visual de objetos e pessoas que possuem matiz mais escura. Nessa acepção, que se encontra no sistema, o lexema é monossemêmico. Já no sentido conotado, em situação de dicionário, mas vinculado aos discursos conceptuais, o lexema possui, geralmente, sentido pejorativo. São recorren- tes, por exemplo, as acepções do lexema “preto” como referente a algo ou alguém sombrio, tenebroso, sinistro. Há uma polissemia diante do universo de discurso (UD) em que o lexema está inserido. Entretanto, em situação de dicionário, geralmente a conotação do lexema só aparece em discurso no sentido pejorativo.

Dentro de um UD, um vocábulo pode sofrer restrições semânticas, acrescido de semas advindos da combinatória sintagmática, como: preto no branco, pôr o preto no branco. Contudo, nesses exemplos, há uma resse- mantização valorativa do léxico “preto” por ele se encontrar, no discurso, em função da significação do léxico “branco”, já que este é, em situação de di- cionário, o antônimo daquele. Há, sobremodo, outra polissemia, ainda não dicionarizada, conceptual, que no UD ressignifica o léxico preto de modo não pejorativo. Por se tratar de disputa ideológica, essa ressemantização do léxico “preto”, como é habitual em quaisquer disputas ideológicas, encontra- -se primeiramente no espírito de dada comunidade linguística que, por sua vez, faz emergir um texto que o represente e, geralmente, esse texto é literário para, logo em seguida, tornar-se presente no discurso científico.

a polissemia stricto sensu

Sabe-se que a polissemia corresponde à presença de mais de um semema no interior de um lexema. Entende-se também que tal conceito só existe em ambiente de dicionário, ou seja, qualquer manifestação no discurso desse lexema realiza um de seus sememas. Porém, a polissemia configura-se de maneira diversa e difusa.

CONCLUSÃO

Compreendeu-se, por meio da comparação entre os textos literários, que a car- ga semântica da unidade lexical saída da virtualidade ou do sistema e colocada no discurso passa por um processo de ressignificação em função do grupo cultural que a trata, pois a experiência desse grupo é transposta na conceptua- lização do mundo referencial. Assim ocorreu com o sujeito negro que, num primeiro momento, objeto das narrativas, foi construído semanticamente de modo a colocar em xeque seu caráter racional, humano, sagrado etc. Tal pro- cesso resulta numa série de imagens negativas cristalizadas acerca do sujeito, tanto na sociedade brasileira quanto na norte-americana, fazendo com que as práticas discriminatórias baseadas na cor da pele se tornassem frequentes entre os indivíduos por ser o inconsciente coletivo alimentado por tais ideologias.

Nesse sentido, as teorias sobre o estudo do léxico contribuíram na siste- matização das unidades lexicais que corroboraram na construção semântica do negro em momentos distintos, por culturas distintas, evidenciando, dessa maneira, como a significação de algo se dá em virtude de uma tensão de forças, ou ideologias, que constroem discursivamente a significação de algo, garantindo, assim, o seu prestígio ou segregação.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, M. A. Da neologia à neologia na literatura. In: OLIVEIRA, A. M. P. P.; IZQUERDO, A. N. (org.). A ciência do léxico: lexicologia, lexicografia, terminologia. Campo Grande: Editora da UFMS, 1998. p. 31-49.

BERND, Z. Literatura negra. In: JOBIN, J. L. As palavras da crítica. Rio de Janeiro: Imago, 1991. p. 267-276.

BIDERMAN, M. T. C. As ciências do léxico. In: ISQUERDO, A. N.; ALVES, I. M. A. (org.). As ciências do léxico: lexicologia, lexicografia e terminologia. São Paulo: Humanitas, 2007. p. 13-22.

DUBOIS, J. Dicionário de lingüística. São Paulo: Cultrix, 2011.

GREIMAS, A. J.; COURTÉS, J. Dicionário de semiótica. Tradução A. D. Lima et al. São Paulo: Cultrix, [1983].

HJELMSLEV, L. Prolegômenos a uma teoria da linguagem. Tradução J. Teixeira Coelho Neto. São Paulo: Perspectiva, 1973.

HOOKS, B. Sisters of the Yam: black woman and self-recovery. Cambridge: South and Press, 1993.

ILARI, R. Introdução ao estudo do léxico: brincando com as palavras. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2003.

HOUAISS, A.; VILLAR, M. S.; FRANCO, F. M. M. In: Dicionário Houaiss da língua

portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.

MACEDO, J. M. As vítimas algozes: quadros da escravidão. São Paulo: Scipione, 1991. MANO BROWN; EDI ROCK. Negro drama. Intérprete: Racionais Mc’s.

In: RACIONAIS MC’S. Nada como um dia após o outro dia. São Paulo: Cosa Nostra,

2002. 2 CD. Disco 1, faixa 5.

POTTIER, B. Lingüística geral: teoria e descrição. Tradução e adaptação Walmírio Macedo. Rio de Janeiro: Presença: Universidade Santa Úrsula, 1978.