• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

2.2 ANALOGIAS E MODELAGEM ANALÓGICA

2.2.2 Analogias e Raciocínio Analógico na Ciência

Muitas vezes aconteceu na física de um avanço essencial ser alcançado através da elaboração de uma analogia consistente entre fenômenos aparentemente não relacionados... A associação de problemas resolvidos com os não resolvidos pode lançar luz sobre nossas dificuldades, sugerindo novas ideias. É fácil encontrar uma analogia superficial que realmente não exprima nada. Mas descobrir algumas características comuns essenciais, escondidas sob diferenças superficiais externas, para formar, nessa base, uma nova teoria bem-sucedida é um trabalho criativo importante (EINSTEIN; INFELD,1967 apud CLEMENT, 2008b, p. 20).

A citação acima ilustra o importante papel que as analogias podem desempenhar na produção do conhecimento científico. Como destacam Einstein e Infield, 1967 apud Clement (2008a), a elaboração de analogias é um processo essencialmente criativo, tendo em vista que exige o mapeamento de similaridades relacionais em detrimento das características superficiais que, a princípio, podem se mostrar mais perceptíveis entre os domínios alvo e análogo.

De um modo geral, os cientistas fazem uso de analogias com diferentes finalidades, como: resolução de problemas; desenvolvimento de modelos mentais; tentativa de explicar um conceito abstrato; comunicação de ideias e convencimento de um determinado público; geração de hipóteses; planejamento e projeto de experimentos; interpretação de resultados experimentais; modelagem de fenômenos e processos naturais e/ou tecnológicos (DUNBAR, 2000; DUNBAR; BLANCHETTE, 2001; COLL, 2005).

A importância atribuída às analogias na ciência pode estar relacionada, principalmente, ao papel central que as mesmas desempenham como fontes de ideia na elaboração de modelos (CLEMENT, 2008b). Nesse sentido, pesquisadores como Clement (2008a) e Nersessian (2008b) têm fornecido evidências de que o raciocínio analógico, como um recurso do pensamento humano, pode auxiliar e até mesmo

9

Glynn (2008) utiliza a terminologia pontos “onde a analogia falha”, para se referir aos aspectos em que não há semelhanças entre os domínios comparados.

promover a descoberta e a criatividade dos cientistas na construção do conhecimento científico.

Antes de discutirmos em mais detalhes a elaboração e uso de analogias na ciência, julgamos conveniente compreender o significado de modelos, tendo em vista que eles desempenham o papel essencial de integração entre o pensamento e o trabalho científico e suas bases analógicas (OLIVA; ARAGÓN, 2009).

De uma forma geral, podemos afirmar que os modelos são artefatos humanos que apoiam o pensamento, os quais são materializados em algum modo de expressão (concreto, desenhos, diagramas, simulações, analogias etc.) que favoreça a sua manipulação em diferentes práticas epistêmicas (práticas relacionadas à produção do conhecimento científico) (KUNUTTILA, 2005 apud GILBERT; JUSTI, 2016). Uma entre as múltiplas práticas epistêmicas desempenhadas pelos modelos é a de representação de objetos, processos e ideias. Além da representação, o uso de modelos também é associado às práticas epistêmicas produtivas, ou seja, àquelas relacionadas a objetivos específicos ou questões científicas para os quais eles são produzidos. Por exemplo: realizar simplificações e idealizações; conceitualizar objetos ou processos imaginados ou não diretamente observáveis; apoiar argumentos, explicações e predições (GILBERT; JUSTI, 2016).

Nesse sentido, os modelos assumem papel de destaque na ciência e podem ser considerados unidades básicas do raciocínio de cientistas (OLIVA; ARAGÓN, 2009). Ao considerarmos a importância dos modelos científicos torna-se evidente o papel do raciocínio analógico, uma vez que eles podem ser produzidos e testados com base em comparações relacionais (GILBERT; JUSTI, 2016).

Como mencionado, de acordo com Clement (2008b), durante o processo de elaboração de modelos por cientistas (e também por estudantes) as analogias podem atuar como fontes de ideias. Essas ideias se tornam cada vez mais elaboradas na medida em que são incorporadas ao modelo, possibilitando também a reformulação destes. Em consonância com as ideias de Clement (2008b) e Nersessian (2008b), acreditamos que as analogias podem ser fontes de modelos, e esse é um dos motivos pelos quais elas assumem papel central na produção do conhecimento científico. Contudo, é importante ressaltar que o modelo não é uma analogia e que as relações entre o modelo e a fonte a partir da qual ele é elaborado não podem ser todas representadas por meio de uma analogia (GILBERT; JUSTI, 2016).

Frente aos aspectos discutidos até o momento, os quais evidenciam a importância das analogias na ciência, discutimos a seguir os processos pelos quais os cientistas elaboram e usam analogias.

2.2.2.1 Elaboração de analogias por cientistas

A elaboração de analogias por cientistas perpassa aspectos comuns do raciocínio analógico, destacados pela Psicologia Cognitiva. Nesse sentido, Gentner e Holyoak (1997) discutem que o raciocínio analógico pode ser decomposto em cinco subprocessos básicos:

 Acesso: um ou mais análogos relevantes devem ser acessados da memória;  Mapeamento: identificação das correspondências sistemáticas entre os domínios

alvo e análogo e alinhamento das partes correspondentes de cada domínio;  Inferências: o resultado do mapeamento permite que inferências sobre o

domínio alvo sejam feitas;

 Avaliação: as correspondências estabelecidas entre os domínios e as inferências sobre o alvo necessitam ser avaliadas quanto à pertinência das mesmas. Nesse processo, podem ser necessárias adaptações/reformulações frente aos requerimentos únicos do alvo, sanando possíveis falhas no entendimento;  Generalização: extensão das inferências a todos os casos em que elas possam

ser aplicadas. Como consequência de inferências produtivas, novas categorias e esquemas podem ser gerados, novas instâncias podem ser adicionadas à memória e novas compreensões de antigas instâncias e esquemas podem ocorrer. Devido à complexidade envolvida no processo de construção de conhecimento científico, vários análogos podem ser acessados pelos cientistas na tentativa de encontrar o análogo apropriado ao alvo que o cientista almeja representar (CLEMENT, 2008c; a); ou ainda, o análogo necessita ser criado na tentativa de representar um alvo completamente desconhecido (NERSESSIAN, 2008b). Assim, os subprocessos acima não ocorrem de forma linear, porque a elaboração de analogias na ciência envolve características específicas ao contexto de produção de conhecimento científico.

Ainda que tal especificidade ocorra, May et al. (2006) discutem algumas etapas gerais da elaboração de analogias por cientistas, nas quais os subprocessos do raciocínio analógico descritos anteriormente estão envolvidos. Essas etapas gerais foram discutidas pelos autores com base nas ideias de importantes pesquisadores que se

dedicam a investigar os processos de elaboração de analogias, tais como: Gentner (1983); Clement (1988); Duit (1991); Nersessian (1992).

Segundo May et al. (2006), os cientistas buscam compreender o análogo acessado ou criado, confirmando seu entendimento sobre esse domínio, independentemente dos propósitos pelos quais a analogia é elaborada. De acordo com os autores, isso destaca uma das atividades analíticas importantes dos cientistas: validar

a analogia. Para a validação da analogia os cientistas necessitam também mapear a relações de similaridade existentes entre os domínios comparados.

Os cientistas também devem criticar a analogia elaborada e determinar as suas

limitações. Para isso, é preciso que eles avaliem as similaridades e as diferenças entre os domínios alvo e análogo comparados. Como consequência dessa etapa de crítica, a analogia proposta pode ser refinada ou uma nova analogia proposta. Esse processo pode culminar na síntese de conhecimentos abstratos ou princípios gerais.

Nersessian (2008a) denomina modelagem analógica o processo de elaboração, crítica e reformulação de analogias na tentativa de explicar um alvo genuinamente novo, o qual pode levar à produção de modelos cada vez mais aperfeiçoados. Ela ilustra esse processo a partir do caso histórico de Maxwell, que elaborou e refinou modelos para o conceito de campo eletromagnético, até então desconhecido naquela época, por meio da criação e refino de analogias. Ao longo desse processo, inferências e abstrações foram realizadas e avaliadas por ele com base nas analogias criadas e em seu conhecimento cada vez mais refinado sobre o alvo, resultando na derivação das leis matemáticas do campo eletromagnético. Além de destacar o papel das analogias na produção de modelos cada vez mais aperfeiçoados, Nersessian (2008a) também comenta sobre a importância das analogias elaboradas por Maxwell na comunicação de suas ideias para a comunidade científica.

Considerando a importância do processo de elaboração de analogias e modelos na ciência, acreditamos que o uso destes recursos no ensino de Ciências com função criativa (ou seja, quando os estudantes elaboram suas próprias analogias e modelos para explicar objetos, processos ou ideias) pode contribuir não só para a aprendizagem de conceitos, mas também para que os estudantes desenvolvam concepções coerentes sobre a ciência e sobre as práticas científicas, assim como algumas das habilidades importantes envolvidas na produção de conhecimento científico, como discutido na próxima seção.