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Durante a entrevista 2, na qual as futuras professoras foram solicitadas a assistir o vídeo da aula 1 e pausá-lo sempre que identificassem um evento crítico, Letícia e

Joana expressaram vários dos seus conhecimentos sobre analogias, além de outros mais gerais sobre suas ações docentes. Um dos aspectos ressaltados pelas futuras professoras nessa entrevista foi o fato de elas iniciarem a aula de forma muito expositiva, como evidenciado no trecho abaixo, no qual elas comentavam o evento 1 da aula:

Letícia: Porque a gente já começou a aula falando o que é preconceito, o que é isso, o

que é aquilo. Ao invés de ter já começado a falar, a gente podia ter perguntado, ter tipo assim... eh... proposto uma discussão já no início da aula, né?! (olha para Joana que acena concordando). Pra ver, até mesmo, quais eram os conhecimentos prévios

deles sobre esse assunto... e a gente já foi falando o que é.

Joana: E também assim... a gente tinha que colocar eles mais no meio do assunto.

Porque a gente já começou falando, falando, e deixou eles meio de lado também. Mas, quando a gente estava fazendo o plano, a gente pensou em fazer essa pergunta (se refere ao questionamento sobre o que é o racismo), só que aí a gente deixou pra

depois... pra introduzir primeiro o alvo, pra eles saberem o que era e depois começar uma discussão com eles.

Pesquisadora: Então vocês começaram falando com a ideia de introduzir o domínio

alvo?

Letícia e Joana: Isso.

Pesquisadora: Isso necessariamente tem que ser assim, pra vocês introduzirem o alvo e

o análogo?

Letícia: Não. Ah, eu acho que é igual eu te falei, da gente começar a aula eh...

promovendo perguntas, né?! Pra dizer quais são os conceitos prévios que os alunos já tinham sobre aquele assunto. E não já ir introduzindo propriamente o que seriam os termos, né?! De preconceito e... enfim.

O trecho acima evidencia a importância atribuída pelas futuras professoras a uma maior interação dos estudantes nesse primeiro momento da aula, o que a nosso ver é uma importante contribuição da aula 1 vivenciada por elas. Ao refletirem sobre a

ação, as futuras professoras questionaram o caráter expositivo que permeou o início desta aula e manifestaram a concepção de que aulas mais interativas propiciam o acesso ao conhecimento prévio dos estudantes sobre o assunto trabalhado, assim como o maior engajamento dos mesmos. Isso também foi evidenciado na entrevista 1.

Outro aspecto importante a ser discutido diz respeito à concepção apresentada pelas futuras professoras sobre o uso de analogias no ensino. Elas chegaram a conjecturar a possibilidade de iniciar a aula com uma maior interação com os estudantes. Contudo, como apontado por Joana, o fato delas terem pensado em introduzir o domínio alvo, fez com que mudassem de ideia com relação a essa interação com os estudantes. Isso evidencia que o entendimento das futuras professoras era de que

a introdução dos domínios comparados propostas no modelo TWA deveria ocorrer de forma expositiva. Todavia, ao refletirem sobre esse aspecto, elas perceberam que os

domínios alvo e análogo podem ser introduzidos de forma interativa.

Ainda sobre o evento 1 da aula, as futuras professoras expressaram como a experiência do contexto de ensino influenciou para que elas repensassem o andamento da aula e a forma como elas estavam interagindo com os estudantes:

Letícia: A gente até chegou a comentar isso depois da aula. No início eu senti que a

gente estava mais presa aos slides, tipo assim, focando só naquilo ali que tava no slide. E depois, conforme a aula foi desenvolvendo, e também foram surgindo perguntas e questionamentos, aí a gente meio que se soltou mais, né?! Meio que desprendeu do slide, porque ninguém merece também, né??!

Joana: Acho que foi ficando mais natural a nossa aula. Porque tipo... a gente treinou

várias vezes os slides. Já tava até gravado assim as falas, né?! E na hora, algumas coisas foram surgindo diferentes.

Pesquisadora: Então, o que vocês planejaram não ocorreu exatamente como tinham

planejado?

Letícia: Em partes.

Joana: No início sim. A gente ficou presa demais. Depois que começou a surgir o

diálogo com os alunos, acho que a gente deu mais liberdade pra gente e pra eles.

Como evidenciado no trecho acima, a influência do contexto na situação de ensino vivenciada pelas futuras professoras foi importante para que elas repensassem a maneira como estavam interagindo com os estudantes, o que ocasionou não só a maior participação dos mesmos, mas também uma maior segurança das futuras professoras para abordar o assunto.

Essa influência da experiência do contexto de ensino para as tomadas de decisão das futuras professoras também ficou evidente quando Joana comentou sobre o exemplo elaborado durante a aula para facilitar a compreensão dos estudantes sobre Behaviorismo, como destacado no trecho a seguir:

Joana: Esse foi um exemplo que surgiu na hora. Falar só sobre estímulo e explicar essa

parte não tava claro pra eles. Nem pra gente também! Ficar falando ah... estímulo vai influenciar nisso. Eu pensei assim: ah eu vou ter que dar um exemplo que esteja ao alcance deles para facilitar...pra eles começarem entender os conceitos do análogo e do alvo. Pra quando a gente chegasse na analogia, ficasse mais claro e não dificultasse pra eles. Então eu pensei: vou dar um exemplo do próprio ambiente...

Letícia: O mais simples possível. Joana: É. O mais simples possível.

Letícia: Eu achei bem legal esse exemplo.

Observa-se que as futuras professoras reconheceram que a maneira com que elas estavam tentando discutir os pressupostos behavioristas não estava clara nem mesmo para elas. Isso reforça nosso argumento anterior de que muitas das dificuldades enfrentadas pelas futuras professoras estavam associadas à falta de compreensão sobre os domínios comparados na analogia.

Além disso, Joana manifestou a concepção de que o professor deve garantir que os

estudantes compreendem adequadamente o domínio análogo, para que, posteriormente, eles consigam compreender as relações analógicas estabelecidas entre os domínios.

No trecho a seguir, as futuras professoras comentaram sobre o evento 3 da aula, no qual o quadro com o mapeamento foi apresentado aos estudantes:

Letícia: Eu acho que não foi uma coisa natural desse jeito. Como que seria assim...

uma forma com mais naturalidade? (Questionamento dirigido a si mesma)

Joana: Acho que, na verdade, a gente não chegou a pensar, porque como a gente

aprendeu a mapear e pra gente foi bom... é mais fácil de aprender a analogia mapeando. Então, a gente achou que fosse fácil pra eles perceberem.

Letícia: É, mas agora ficou a dúvida se esse foi o jeito mais fácil pra eles entenderem. Joana: Não sei se hoje, se eu desse essa mesma aula, eu iria introduzir a analogia

desse jeito.

Pesquisadora: Tá, mas e se não fosse desse jeito? Como vocês fariam?

Letícia: Não sei se essa seria uma ideia, mas, por exemplo, da gente introduzir um

domínio e eles corresponderem com o outro, entendeu? Pra eles estabelecerem as próprias relações que a gente tava tentando fazer. Já tava escrito lá! Até eles poderiam ler se fosse o caso. Acho que a gente não devia ter colocado isso. Devia ter feito, por exemplo, a associação do domí... não falar que era nosso domínio análogo, porque eles não precisariam saber esses termos, mas pra eles associarem o que a gente tava falando com uma comparação do vídeo (refere-se ao domínio análogo) ou

do racismo mesmo.

É possível notar que, embora as futuras professoras tenham utilizado a analogia conforme o paradigma da recepção, durante a entrevista, elas expressaram a ideia de que os estudantes precisam participar do estabelecimento de relações entre os

domínios. Essa maneira de conceber o uso de analogias no ensino pode estar intimamente relacionada a outros elementos do conhecimento pedagógico em desenvolvimento pelas futuras professoras, uma vez que, no decorrer da aula e das entrevistas, elas expressaram a necessidade de uma maior interação com os estudantes.

Letícia demonstrou compreender que as limitações da analogia devem ser

discutidas ao expressar que:

Primeiro a gente quis deixar bem claro que toda analogia apresenta limitações. E é muito importante que elas sejam ressaltadas, porque às vezes, a própria analogia cria um conceito errado na cabeça do aluno. Então, a gente quis deixar isso claro, apresentado as limitações.

Letícia ressaltou ainda o fato de que as discussões das limitações ocorreram de forma expositiva, sem a participação dos estudantes e criticou essa ação, manifestando a concepção de que as limitações devem ser discutidas com a participação dos

estudantes:

É... Meio que a gente levou tudo pronto e não perguntou. Talvez eles mesmos tivessem pensado em uma limitação que a gente não colocou.

Por fim, como ocorreu durante a entrevista 1, as futuras professoras parecem compreender que aulas interativas propiciam o engajamento dos estudantes. Além disso, a dupla também comentou sobre o retorno positivo que elas receberam a partir do momento em que promoveram interações com os estudantes:

Joana: Essa parte eu gostei muito, porque quando a gente começou a interagir mais

com os alunos, acho que assim, deixou a gente mais à vontade. Tipo assim, dá aquela sensação que eles tão gostando, eles tão participando.

Letícia: Mais pro final da aula que eles começaram a opinar mais e teve até uma hora

que uma menina que tava na pontinha ali (aponta para a imagem do vídeo da aula), ela

fez uma reflexão mesmo. Ela deu um depoimento também que já tinha sofrido racismo. Eu achei muito legal.

Joana: Foi uma até que falou de racismo nas faculdades, né?!

Letícia: Aí, a menina entrou nesse assunto das cotas e tal, deu o depoimento dela, um

outro menino também. Achei muito legal isso, porque eles participaram mesmo!

Joana: Foi acho que uma das partes melhores pra mim.

Pesquisadora: E isso influenciou na atitude de vocês ali na hora?

Joana: Eu acho que sim, porque até então eu só estava falando, falando, falando... e

todo mundo olhando pra nossa cara, uns dormindo que eu já tinha percebido, ou seja, não tavam nem aí. A partir do momento que a gente passou a direcionar...

Letícia: E que a gente abriu mais espaço mesmo pra discussão, ficou mais interessante

a aula.

Joana: Acho que até pra gente. A resposta que vem pra gente também é melhor. Eu

Algo que fica evidente no trecho acima é a crescente segurança das futuras professoras à medida que os estudantes passaram a interagir durante as aulas. É importante ressaltar a influência da professora formadora na percepção das futuras professoras sobre a relevância da abertura de espaço para a dialogia. Isso porque foi ela que propiciou diversas ocasiões de participação dos estudantes durante a aula.

É possível perceber uma forte influência da vivência e reflexão sobre a situação de ensino para o desenvolvimento dos conhecimentos sobre analogias e seu uso no ensino, uma vez que ao longo das entrevistas as futuras professoras manifestaram sua insatisfação com o caráter completamente expositivo que permeou a aula 1 na maior parte do tempo e vislumbraram a possibilidade de uma maior participação dos estudantes durante a elaboração da analogia.

Esses elementos também podem ter sido influenciados pelas discussões que ocorreram na disciplina, relacionadas ao uso de analogias conforme o paradigma da

produção (BLANCHETTE; DUNBAR, 2000), a partir das quais foi ressaltada a importância de que os estudantes participassem do processo de elaboração da analogia. Assim, a vivência da primeira situação de ensino pode ter favorecido a reflexão das futuras professoras sobre esse aspecto, considerando a sua validade no ensino.

Além da situação de ensino vivenciada, acreditamos que as discussões estabelecidas ao longo da disciplina com relação às diferentes perspectivas de ensino e aprendizagem (construtivista e sociocultural) podem ter influenciado esses conhecimentos, tendo em vista que, em ambas, discute-se que o conhecimento não é diretamente transmitido pelos professores aos estudantes e a participação ativa dos estudantes na construção de conhecimentos/atribuição de significados. Isso pode ter ocorrido porque, como discutido por Tardif (2002), a ação docente proporciona a validação de certos saberes. Nesse sentido, a vivência e reflexão sobre a situação de ensino pode ter despertado a atenção das futuras professoras para a consideração desses aspectos no ensino, evidenciando a importância da articulação teoria-prática na formação.

Ademais, como evidenciado até aqui, a primeira situação de ensino vivenciada pelas futuras professoras parece ter contribuído para o desenvolvimento de alguns elementos relacionados à prática pedagógica das futuras professoras. Por exemplo, elas destacaram nas entrevistas que o planejamento não é um script que deve ser seguido à risca, uma vez que o ensino é dinâmico e depende do comportamento dos estudantes e do contexto de ensino.

Além disso, a importância atribuída pelas futuras professoras à maior interação com os estudantes parece ter influenciado seus conhecimentos sobre o uso de analogias, manifestando, por exemplo, as ideias que: os domínios alvo e análogo podem ser

introduzidos de forma interativa, os estudantes precisam participar do estabelecimento de relações entre os domínios e as limitações devem ser discutidas com a participação

dos estudantes.

Estes elementos dão indícios de uma evolução na maneira com que as futuras professoras compreendiam os processos de ensino e aprendizagem, uma vez que no planejamento 1 elas centraram suas ações na transmissão direta de conhecimentos, ao passo que a partir da aula 1 elas parecem reconhecer em suas ações a importância das interações com os estudantes (algo que parece ter sido uma contribuição da articulação teoria-prática no processo formativo e da reflexão na ação e sobre a ação). Além disso, esses elementos que emergiram a partir da aula 1 e da reflexão sobre a mesma influenciaram em grande medida o planejamento 2 e a aula 2 das futuras professoras, como discutido a seguir.