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1. A doutrina

1.1. A doutrina jurídica

1.1.12. André Dias Pereira

Para ANDRÉ DIAS PEREIRA, numa monografia de 2004, “o direito é hoje capaz de realizar a anatomia da relação clínica, compreender a sua fisiologia e procura atuar em casos de patologia. E o grande instrumento que permitiu esta intervenção foi o contrato”169

. Isto sem prejuízo da indispensabilidade da responsabilidade delitual, para os casos de falta ou nulidade do contrato170.

167

Cfr. ÁLVARO DIAS, Culpa médica …, loc. cit., 23/24 e 27.

168

Cfr. ÁLVARO DIAS, Culpa médica …, loc. cit., 39 e 43/44.

169 Cfr. PEREIRA, O consentimento informado …, cit., 31. Mais recentemente, o mesmo A. afirmou que

“no direito atual, o contrato apresenta-se como um instrumento técnico-jurídico que permite, em regra, um bom enquadramento da relação da vida social juridicamente relevante que se estabelece entre um profissional ou uma instituição de prestação de cuidados de saúde e um doente. Trata-se de uma relação jurídica pela qual se atribuem direitos subjetivos, com caráter de sinalagmaticidade, a ambos os intervenientes”. E, seguindo ERWIN DEUTSCH, “a opção contratual tem a grande vantagem de o contrato se basear na autonomia das partes e de colocar em posição de paridade o médico e o paciente. Este é o habitat natural para os direitos do paciente tais como o direito à informação, ao consentimento e o acesso aso registos médicos. O contrato de direito civil confere, com grande naturalidade, a base jurídica para os direitos, obrigações e deveres do médico bem como os do paciente”. Cfr. PEREIRA,

Responsabilidade civil: o médico entre o público e o privado, BFDUC, vol. LXXXIX, tomo I, 2013, 253-

303, respetivamente 253 e 255. Para além de outros estudos do A., alguns dos quais citados neste trabalho, v. igualmente Responsabilidade civil dos médicos: danos hospitalares - alguns casos da

jurisprudência, Lex Medicinae, ano 4, nº 7, Janeiro/Junho 2007, 53-67.

170

O contrato em causa, segundo este A., seria socialmente típico171 e, quanto à fixação do seu conteúdo, valeriam: (i) em primeiro lugar, as regras legais imperativas, impostas pela regulação da profissão médica e pela proteção dos consumidores, bem como aquelas que atribuem direitos e deveres aos pacientes; (ii) num segundo patamar, o costume, as nomas deontológicas e os usos, nos termos e uma vez preenchidos os pressupostos legais para a respetiva eficácia normativa, sendo que as normas deontológicas emitidas pela Ordem dos Médicos teriam de ser para o efeito qualificadas como normas corporativas; (iii) em terceiro lugar, seriam de aplicar as normas dos contratos de mandato, por remissão legal (art. 1156º do CC), ou de empreitada, se e na medida em que estivesse reunidos os requisitos para a analogia172.

ANDRÉ DIAS PEREIRA, por outro lado, reputou de “útil e operante” a distinção entre obrigação de meios e de resultado, já que a mesma permitia: (i) “realçar que o objeto da prestação médica não é a cura, não é um resultado certo, mas sim o ser diligente, cuidadoso e respeitador das leges artis em ordem a alcançar o tratamento do paciente”; e (ii) “discernir, no âmbito da própria atividade médica, atividades ou intervenções para as quais se exige um resultado certo (próteses, análises clínicas, exames oftalmológicos, etc.) de outras, em que a álea das condições pessoais do doente, da interação medicamentosa, entre outros fatores, não podem fazer recair sobre o médico, sem mais, a responsabilidade de um resultado negativo”173.

Não obstante, o mesmo A. acrescentou que “não é muito avisado tentar definir a

priori e em abstrato quais são as obrigações de meios e quais as de resultado”.

Mandando atender também à vontade das partes, recordou a necessidade de ponderar critérios suplementares, como o caráter aleatório da intervenção. Quanto à cláusula de garantia, afirmou que a total subordinação do médico à vontade do seu doente poderia configurar uma situação de nulidade, por contrariedade à ordem pública, em casos extremos de atos médicos por natureza aleatórios ou quando tivesse sido postergada a independência do médico174.

171 Cfr. PEREIRA, O consentimento informado …, cit., 34/35. 172

Cfr. PEREIRA, O consentimento informado …, cit., 37/38. Afirmações retomadas pelo A. em

Responsabilidade civil: o médico entre o público e o privado, loc. cit., 258.

173 Cfr. PEREIRA, O consentimento informado …, cit., 428/429. 174

Mas é também o contributo do A. para a matéria do consentimento informado que aqui importa realçar175. Assim, “a informação deve abranger as vantagens e inconvenientes do tratamento proposto”176

. A informação sobre os riscos era a mais controvertida e ANDRÉ DIAS PEREIRA explicitou a teoria dos riscos significativos, nos termos da qual deveriam ser pelo médico comunicados ao doente todos os riscos “que o médico sabe ou devia saber que são importantes e pertinentes, para uma pessoa normal colocada nas mesmas circunstâncias do paciente, chamado a consentir com conhecimento de causa no tratamento proposto”177

.

Os critérios para um risco ser considerado significativo eram, segundo o A., os seguintes: (i) a necessidade terapêutica da intervenção (quanto mais vital fosse a intervenção médica, menos importante seria a informação sobre os riscos), ponderando, nesta avaliação, fatores objetivos, como a urgência, a necessidade, a perigosidade e a novidade do tratamento, de par com a gravidade da doença e a distinção entre intervenções diagnósticas e terapêuticas; (ii) a frequência (estatística) dos riscos, mas

175

Sobre o consentimento informado tem interesse mencionar a intervenção de PAULA MARTINHO DA SILVA, subordinada ao tema Estrutura jurídica do ato médico, consentimento informado e

responsabilidade civil da equipa de saúde ou do médico, no I Seminário sobre Consentimento informado,

promovido pelo CNECV (30 a 31 de Março de 1992). Entre outros aspetos, a A. colocou o problema do consentimento no quadro da cessação do tratamento. Habitualmente, essa discussão é feita apenas em torno da existência, ou não, de um dever de o médico transmitir a verdade ao seu doente, no que se refere ao respetivo estado de saúde. Menção também para a intervenção de JOÃO QUEIROZ E MELO, sobre o tema Interferência do consentimento informado no aspeto técnico-científico do exercício da medicina, na qual o A., em sentido oposto ao do referido título, procurou expor em que medida os aspetos técnico- científicos condicionavam ou interferiam no consentimento. Num exemplo, constatara-se um defeito numa válvula cardíaca, implantada em centenas de doentes, que tinha uma probabilidade de fraturar de 2 em 10.000, sendo que a probabilidade de morrer na operação para a substituir era de 300 em 10.000. Cfr. PAULA MARTINHO DA SILVA, Estrutura jurídica do ato médico, consentimento informado e

responsabilidade civil da equipa de saúde ou do médico, e JOÃO QUEIROZ E MELO, Interferência do consentimento informado no aspeto técnico-científico do exercício da medicina, ambos in O

consentimento informado, Atas do I Seminário promovido pelo CNECV (30 a 31 de Março de 1992), ed. da Presidência do Conselho de Ministros e da INCM, 73-79 e 99-102, respetivamente. Mais recentemente, MARTINHO DA SILVA, A relevância ético-jurídica do consentimento informado em

cinco anos de CNECV e um olhar no futuro, in As novas questões em torno da vida e da morte em direito

penal. Uma perspetiva integrada (orgs. José de Faria Costa e Inês Fernandes Godinho), Coimbra: Coimbra Editora, 2010, 61-77. Ainda sobre o consentimento informado, LUCÍLIA NUNES/MICHEL RENAUD/MIGUEL OLIVEIRA DA SILVA/ROSALVO ALMEIDA, Memorando sobre os projetos de

lei relativos às declarações antecipadas de vontade (CNEV), disponível através da internet,

nomeadamente em www.cnecv.pt, vieram chamar à atenção para o facto de o consentimento/recusa em matéria de cuidados de saúde dever deixar uma margem de manobra suficiente para abarcar a responsabilidade e a liberdade dos prestadores de cuidados de saúde.

176 Cfr. PEREIRA, O consentimento informado …, cit., 394. 177

contemplando outras variáveis, adequadas ao caso e não apenas numéricas; (iii) a gravidade do próprio risco; e (iv) o comportamento e as condições do paciente178.

Num estudo posterior sobre a matéria do consentimento, ligando-a à da responsabilidade civil, ANDRÉ DIAS PEREIRA veio admitir a obrigação de o médico ter de indemnizar o doente, por falta ou deficiente esclarecimento, pelo menos nos casos em que o risco verificado recaísse no âmbito de proteção da norma que estabelecia o dever de esclarecer179.

Mais recentemente, o A. defendeu a necessidade de se evoluir rapidamente, entre nós, para um sistema que proteja eficazmente os direitos do paciente, pondo cobro, entre outros aspetos negativos, à litigância, à medicina defensiva, aos atrasos processuais, à ocultação da prova e à existência de correntes jurisprudenciais antagónicas180.