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Outros contributos: o Código Penal de 1982; Heinrich Ewald Hörster; João Vaz

1. A doutrina

1.1. A doutrina jurídica

1.1.15. Outros contributos: o Código Penal de 1982; Heinrich Ewald Hörster; João Vaz

Rui Cascão; Carla Gonçalves; Rute Teixeira Pedro; Mafalda Miranda Barbosa; Indira Fernandes Bragança Gomes; Joana Sofia Pinto de Paiva Vieira da Silva; Miguel Carlos Teixeira Patrício; Paula Lobato de Faria; Álvaro da Cunha Gomes Rodrigues; Paula Ribeiro de Faria; Filipe Albuquerque Matos; Vera Lúcia Raposo; e Cláudia Monge

Esta breve resenha pelos contributos doutrinários para o direito da responsabilidade civil médica, entre nós, no direito privado, não ficaria completa sem uma menção às verdadeiras diretrizes que emanaram, para todo o ordenamento jurídico, do Código Penal de 1982. Com efeito, este importante diploma veio:

. excluir as intervenções médico-cirúrgicas do alcance das incriminações das ofensas corporais - “As intervenções e os tratamentos que, segundo o estado dos conhecimentos e da experiência da medicina, se mostrarem indicados e forem levados a

cabo, de acordo com as leges artis, por um médico ou por outra pessoa legalmente autorizada, com intenção de prevenir, diagnosticar, debelar ou minorar doença, sofrimento, lesão ou fadiga corporal, ou perturbação mental, não se consideram ofensa à integridade física” (art. 150º, nº 1 do CP)191

;

. incriminar autonomamente as intervenções e os tratamentos médico-cirúrgicos arbitrários - “1. As pessoas indicadas no artigo 150º que, em vista das finalidades nele apontadas, realizarem intervenções ou tratamentos sem consentimento do paciente são punidas com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa. 2. O facto não é punível quando o consentimento: a) Só puder ser obtido com adiamento que implique perigo para a vida ou perigo grave para o corpo ou para a saúde; ou b) Tiver sido dado para certa intervenção ou tratamento, tendo vindo a realizar-se outro diferente por se ter revelado imposto pelo estado dos conhecimentos e da experiência da medicina como meio para evitar um perigo para a vida, o corpo ou a saúde; e não se verificarem circunstâncias que permitam concluir com segurança que o consentimento seria recusado” (art. 156º, nºs 1 e 2 do CP);

. regular o dever de esclarecimento - “Para efeito do disposto no artigo anterior, o consentimento só é eficaz quando o paciente tiver sido devidamente esclarecido sobre o diagnóstico e a índole, alcance, envergadura e possíveis consequências da intervenção ou do tratamento, salvo se isso implicar a comunicação de circunstâncias que, a serem conhecidas pelo paciente, poriam em perigo a sua vida ou seriam suscetíveis de lhe causar grave dano à saúde, física ou psíquica” (art. 157º do CP).

Relativamente aos AA. cujos trabalhos já foram referenciados, os quais publicaram nas décadas de setenta, oitenta e noventa do século passado, a respetiva valia intrínseca, associada ao facto de, à época, escassearem contributos doutrinários no âmbito da responsabilidade civil médica, fez com que os mesmos fossem amiúde citados pela jurisprudência e tivessem deixado a sua marca neste sector do ordenamento jurídico.

191 Sobre esta norma, para além dos comentários, nomeadamente do Comentário Conimbricense do

Código Penal, v. ÁLVARO DA CUNHA GOMES RODRIGUES, O artigo 150º, nº 1, do Código Penal.

Mais recentemente, têm-se multiplicado os contributos doutrinários. Na impossibilidade de a todos fazer uma referência detalhada, dá-se seguidamente uma breve nota dos que mais relevam para a temática do presente trabalho.

Assim:

. HEINRICH EWALD HÖRSTER analisou a matéria do consentimento informado no âmbito da CDHB192;

. JOÃO VAZ RODRIGUES foi pioneiro no tratamento monográfico do consentimento informado193;

. JORGE RIBEIRO DE FARIA publicou um estudo sobre o ónus da prova nas ações de responsabilidade civil médica no direito alemão, no qual também abordou a questão no nosso direito194;

. MANUEL ROSÁRIO NUNES e LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA têm-se ocupado do ónus da prova nas ações de responsabilidade civil por atos médicos195;

. RUI CASCÃO vem escrevendo sobre os modelos escandinavos de ressarcimento dos danos médicos através de um sistema de no-fault, cuja adoção preconiza196;

192 V. HEINRICH EWALD HÖRSTER, Consentimento - Comentário, in Direitos do Homem e

Biomedicina. Atas da Oficina sobre a Convenção para a Proteção do Homem e da Dignidade do Ser Humano face às Aplicações da Biologia e Medicina (incluindo texto da Convenção), Lisboa: Universidade Católica Editora, 2003, 105-113. São do A. as seguintes palavras: “Parece-me, contudo, que a liberdade para consentir numa intervenção no domínio da saúde não pode ser entendida, de modo nenhum, no mesmo sentido que a liberdade para consentir ou não na conclusão de um qualquer contrato. A liberdade para consentir em intervenções médicas está, à partida, condicionada - não quero dizer viciada - pelo estado de saúde do paciente. Este encontra-se em relação ao médico numa situação de inferioridade, inferioridade essa estrutural, se não de dependência. Além disso, tem pouca ou nenhuma escolha, uma vez que quer recuperar a sua saúde. Falta-lhe poder negocial. Por isso, até poderá estar pré- disposto para consentir” (ob. e loc. cits., 107/108).

193 V. JOÃO VAZ RODRIGUES, O consentimento informado para o ato médico no ordenamento

jurídico português (Elementos para o estudo da manifestação da vontade do paciente), Coimbra:

Coimbra Editora, 2001.

194

V. JORGE RIBEIRO DE FARIA, Da prova na responsabilidade civil médica - Reflexões em torno do

direito alemão, RFDUP, ano I - 2004, 115-195.

195 V. MANUEL ROSÁRIO NUNES, O ónus da prova nas ações de responsabilidade civil por atos

médicos, Coimbra: Almedina, 2005, e LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, O ónus da prova na responsabilidade civil médica. Questões processuais atinentes à tramitação deste tipo de ações (competência, instrução do processo, prova pericial), texto inicialmente publicado na Revista do CEJ, 2º

semestre de 2011, nº 16, 37-80, e depois incluído em Curso Complementar de Direito da Saúde: responsabilidade civil, penal e profissional, edição do CEJ, Coleção Ações de Formação, 450-493, disponível através da internet.

. CARLA GONÇALVES tratou da responsabilidade civil médica objetiva197; . RUTE TEIXEIRA PEDRO publicou uma monografia sobre a perda de chance, a qual inclui uma análise dos vários pressupostos da responsabilidade civil médica198;

. MAFALDA MIRANDA BARBOSA, entre outros trabalhos, elaborou uma resenha da jurisprudência sobre a matéria199;

. a responsabilidade civil contratual médica foi o objeto da dissertação de mestrado de INDIRA FERNANDES BRAGANÇA GOMES200, e a responsabilidade civil médica, na ótica do paciente enquanto consumidor, foi tratada por JOANA SOFIA PINTO DE PAIVA VIEIRA DA SILVA, igualmente na sua dissertação de mestrado201;

. a análise económica da responsabilidade civil médica constituiu o tema da dissertação de doutoramento de MIGUEL CARLOS TEIXEIRA PATRÍCIO202;

. para além de outros estudos, PAULA LOBATO DE FARIA publicou recentemente uma monografia sobre o direito médico no nosso país, em que analisa a matéria da responsabilidade civil203;

196 V. RUI MIGUEL PRISTA PATRÍCIO CASCÃO, Os sistemas escandinavos de seguro do paciente, in

AA.VV., Responsabilidade civil dos médicos, Coimbra: Coimbra Editora, 2005, 499-511, Prevention and

compensation of treatment injury: a roadmap for reform, The Hague: Boom, 2005, e 1972: Para além da culpa no ressarcimento do dano médico, BFDUC, vol. LXXXVII, 2011, 691-728. Em co-autoria, RUI

CASCÃO/RUUD HENDRICKX, Shifts in the compensation of medical adverse events, in Shifts in compensation between private and public systems, Viena/Nova Iorque: Springer, 2007, 115-142. Também do A. em apreço, A responsabilidade civil e a segurança sanitária, Lex Medicinae, nº 1, Janeiro/Junho 2004, 97-106, Análise económica da responsabilidade civil médica, Lex Medicinae, ano 2, nº 3, Janeiro/Junho 2005, 133-137, e O dever de documentação do prestador de cuidados de saúde e a

responsabilidade civil, Lex Medicinae, ano 4, nº 8, Julho/Dezembro 2007, 27-35. Recentemente, a

problemática do binómio erro/acidente foi, entre nós, analisada por MARIA DO CÉU RUEFF, “From the

error (in medicine) to the accident (in health): state of art and changing culture in Portugal”, Lex

Medicinae, número especial 2014 (IV EAHL Conference), 249-259.

197 V. CARLA GONÇALVES, A responsabilidade civil médica: um problema para além da culpa,

Coimbra: Coimbra Editora, 2008.

198 V. RUTE TEIXEIRA PEDRO, A responsabilidade civil do médico. Reflexões sobre a noção da perda

de chance e a tutela do doente lesado, Coimbra: Coimbra Editora, 2008.

199 V. MAFALDA MIRANDA BARBOSA, A jurisprudência portuguesa em matéria de responsabilidade

civil médica: o estado da arte, CDP, nº 38, Abril/Junho 2012, 14-27.

200 V. INDIRA FERNANDES BRAGANÇA GOMES, Responsabilidade civil em contratos de prestação

de serviços médicos, dissertação de mestrado na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa,

2010, não publicada.

201 V. JOANA SOFIA PINTO DE PAIVA VIEIRA DA SILVA, A responsabilidade civil médica - a ótica

do paciente, enquanto consumidor, dissertação de mestrado na Escola de Direito do Porto da

Universidade Católica Portuguesa, 2011, disponível através da internet.

202 V. MIGUEL CARLOS TEIXEIRA PATRÍCIO, Análise económica da responsabilidade civil médica,

. ÁLVARO DA CUNHA GOMES RODRIGUES, que se tem ocupado sobretudo da responsabilidade penal médica204, abordou, em 2012, a responsabilidade civil médica205;

. outra penalista que enveredou pelo estudo da responsabilidade civil médica foi PAULA RIBEIRO DE FARIA206;

. numa anotação de jurisprudência, FILIPE ALBUQUERQUE MATOS debruçou-se sobre vários aspetos da matéria207;

. VERA LÚCIA RAPOSO, entre outros contributos, é a autora de uma monografia sobre responsabilidade médica208; e

. CLÁUDIA MONGE analisou recentemente as principais questões que se colocam nesta sede209.

203

V. LOBATO DE FARIA, Medical Law in Portugal (com a colaboração de Sara Vera Jardim e João Pereira da Costa), primeiro em International Encyclopedia of Laws/Medical Law, estudo depois publicado autonomamente, como livro, pela Wolters Kluwer, em 2010. Da mesma A., Perspetivas do

Direito da Saúde em Segurança do Doente com base na experiência norte-americana, RPSP, 2010,

Volume Temático (10), 81-88.

204 V. RODRIGUES, Responsabilidade médica em direito penal (Estudo dos pressupostos sistemáticos),

Coimbra: Almedina, 2007 - obra na qual o A. fez a divulgação da conhecida tripartição do erro médico em (i) erro de diagnóstico, (ii) erro de tratamento ou terapêutico e (iii) erro na relação com o paciente, aqui se incluindo a falta de cumprimento das exigências do consentimento informado (293-300) -, e, mais recentemente, A negligência médica hospitalar na perspetiva jurídico-penal. Estudo sobre a

responsabilidade criminal médico-hospitalar, Coimbra: Almedina, 2013.

205 V. RODRIGUES, Responsabilidade civil por erro médico: esclarecimento/consentimento do doente,

Data Venia. Revista Jurídica Digital, ano 1, nº 1, 5-26, publicação gratuita disponível através da internet.

206 V. MARIA PAULA LEITE RIBEIRO DE FARIA, Os novos desafios da responsabilidade médica -

entre uma responsabilidade fundada na culpa e a criação de novas vias de ressarcimento do dano, in

Direito da medicina: eventos adversos, responsabilidade, risco (coord. Maria do Céu Rueff), Lisboa: Universidade Lusíada Editora, 2013, 67-90. Da mesma A., A responsabilidade penal do médico pelo seu

erro, in As novas questões em torno da vida e da morte em direito penal. Uma perspetiva integrada, cit.,

139-180.

207

V. FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, Responsabilidade civil médica: breves reflexões em torno dos

respetivos pressupostos - Ac. do TRP de 11.9.2012, Proc. 2488/03, CDP, nº 43, Julho/Setembro 2013, 48-

71.

208 V. RAPOSO, Do ato médico ao problema jurídico. Breves notas sobre o acolhimento da

responsabilidade médica civil e criminal na jurisprudência nacional, Coimbra: Almedina, 2013. Da

mesma A., para além do já citado Em busca da chance perdida. O dano da perda de chance, em especial

na responsabilidade médica, v., em colaboração, VERA LÚCIA RAPOSO/DUARTE NUNO VIEIRA, Medical Responsibility and Liability in Portugal, in Malpractice and Medical Liability. European State of

the Art and Guidelines (ed. Santo Davide Ferrara), Berlim/Heidelberg, Springer, 2013, 189-207.

209

V. CLÁUDIA MONGE, Responsabilidade civil na prestação de cuidados de saúde nos

estabelecimentos de saúde públicos e privados, in Responsabilidade na prestação de cuidados de saúde

(coordenadores Carla Amado Gomes, Miguel Assis Raimundo e Cláudia Monge), ICJP - 18 de Dezembro de 2013, 6-59, livro digital disponível em www.icjp.pt.

Síntese conclusiva: (i) as principais questões que marcaram a nossa doutrina jurídica sobre a responsabilidade civil médica até ao final do séc. XX foram logo enunciadas por CUNHA GONÇALVES, em 1937: a natureza contratual ou extracontratual; a caraterização da obrigação assumida pelo médico como sendo uma obrigação de meios ou de resultado; os problemas da culpa; a necessidade de ser obtido o consentimento do doente; (ii) outra questão muito discutida, ainda que mais recentemente, foi a da eficácia jurídica do anterior CD, logo das normas deontológicas, a qual só ficou encerrada com a publicação, como regulamento administrativo, do atual CD; (iii) num plano de opções de fundo, temos que o CP de 1982 veio excluir as intervenções médico-cirúrgicas do alcance das incriminações das ofensas corporais, assim dando uma importante diretriz, para todo o ordenamento jurídico, sobre o modo como deve ser entendida a atividade médica, desde que com finalidade terapêutica ou de prevenção e realizada de acordo com as leges artis; (iv) em termos de linhas de desenvolvimento dogmático, cabe referir que a doutrina nacional se encontra dividida, quer quanto ao enquadramento contratual ou extracontratual da responsabilidade civil do médico, quer quanto ao âmbito de aplicação da presunção de culpa do art. 799º, nº1 do CC, que para alguns só se deve aplicar às obrigações de resultado, enquanto outros, a meu ver bem, a aplicam, sem distinguir, às obrigações de meios e de resultado; (v) no que se refere à matéria da informação, o “virar de página” foi protagonizado por GUILHERME DE OLIVEIRA, bem como pelos estudos sobre consentimento informado de JOÃO VAZ RODRIGUES e, sobretudo, de ANDRÉ DIAS PEREIRA; (vi) têm igualmente sido estudadas pela nossa doutrina as várias modalidades que pode revestir o contrato de prestação de serviços médicos, a saber: médico-doente; clínica-doente; médico-empresa; e clínica- empresa; (vii) em sede das obrigações contratuais, ficou assente, depois de um estudo de FERREIRA DE ALMEIDA, que se trata de um contrato de particularização

sucessiva da prestação caraterística; (viii) o ónus da prova nas ações de

responsabilidade civil por atos médicos, a evolução para um sistema de no-fault, a responsabilidade civil médica objetiva, e a perda de chance são também temas que já marcaram presença entre os estudos da especialidade produzidos pela doutrina jurídica portuguesa.