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Os Animes e a comunicação do outro

Em toda a era, em todo local, os feitos dos homens permanecem os mesmos (A lenda dos Heróis Galácticos)

Com a derrota do Japão na Segunda Guerra, muitos artistas deste país tiveram contato com a cultura ocidental, principalmente com histórias em quadrinhos e animações, importando para sua terra o jeito de produzir essas formas de artes. A animação é algo que os interessou muito, e tiveram grande evolução em sua nação. Depois de algum tempo, essas animações produzidas por eles criaram uma característica particular, como uma ‘personalidade’ própria em cada novo trabalho, e hoje podemos falar muito facilmente em animação ocidental e animação oriental, ou “anime”.

Hoje, esses animes tratam de temas cada vez mais complexos, fazendo pensar de perspectivas diferentes sobre determinados assuntos, como criando uma nova forma de ver criticamente nossa própria sociedade. Não existe, no ocidente, uma classificação definitiva entre desenhos infantis e desenhos adultos, mas no Japão, isso é prioridade, pois eles usam de uma linguagem diferente dependendo para qual publico será vinculada a obra.

Vendo esses desenhos, somos atingidos pela cultura do outro, ou mesmo a forma diferente de nos ver através dos olhos dos outros. Isso já é uma aproximação muito grande com a fenomenologia. No decurso deste estudo, vimos que a busca do outro toca á mim, ultrapassa meu corpo, e que isso produz a linguagem. Mas mesmo esse outro usa de uma mesma comunicação, uma mesma cultura, eu o compreendo me colocando também no lugar dele. Eu defino o outro através da cultura de mim, sendo esse outro semelhante a mim. Mas quando não consigo defini-lo como semelhante? Essa é a grande possibilidade que nós professores poderemos usar com os animes. Eles descrevem outra cultura, o outro se torna diferente, e com isso o concebo semelhante absorvendo sua forma diferente de ser.

(...) minha coexistência com meus semelhantes supõe que eu os tenha primeiro reconhecido como semelhantes, em outros termos que meu campo se tenha revelado fonte inesgotável de ser, e não somente de ser para mim, mas ainda de ser para outrem. (MERLEAU-PONTY, 1974, pág. 147)

Nossa capacidade de interagir com a linguagem do anime aumenta, pois ela não é a mesma da qual estamos acostumado. Este anime mostra o outro. Assim como o filme nos faz interagir com outra cultura, o anime produz essa mesma troca com outro povo. Mas como poderemos produzir uma aula usando desta ferramenta? Da mesma forma que o filme, o

anime poderá ser uma fonte de pensamento crítico, uma nova capacidade de formar uma visão filosófica.

Hoje em dia está na moda à discussão sobre o ambiente natural e sua degradação, e os alunos são incentivados a criar uma consciência crítica para com a natureza e sua utilização pela sociedade. Existe um anime que aborda este tema de forma complexa, chamado

Nausicaä do Vale dos Ventos (Kaze no Tani no Nausicaä), de Hayao Miyazaki, criado em

1984. No enredo, a poluição produzida pela humanidade desencadeia catástrofes, onde grandes insetos destroem a maioria das regiões da terra. No futuro, encontramos Nausicaä, que estuda uma forma de vida venenosa para os seres humanos, chamados aqui de Fukai, grandes florestas de fungos que impedem a vida nestes locais, conseqüência dos desastres e poluição dos humanos. Todos os seres humanos vivem em colônias espalhadas pelo globo, que mantém sua população longe dos Fukais, e essas colônias vivem em guerras constantes para manter um mínimo de território para seu povo. Não descreverei todo o enredo do anime para incentivar à você, leitor, buscar o anime, para assim tirar suas próprias conclusões.

As guerras, poluição e destruição da terra pelos humanos podem ser estudadas em diferentes focos, com a tomada da cultura do outro no momento de nosso dialogo com os alunos. O que é de direito do homem, e quais seus deveres perante seu futuro?Qual é a busca que a sociedade tem da história humana e suas perspectivas? Todas essas questões poderão ser buscadas com esse anime. Autores como Edgar Morin e Bertrand Russell serão guias importantes nestas aulas, pois suas obras são críticas profundas ao nosso modelo de sociedade destrutiva.

Outro exemplo interessante para as aulas de filosofia é o anime Death Note (Desu

Nōto), escrita por Tsugumi Ooba, que aborda a questão de justiça e vida em sociedade. Um

caderno que tem o poder de matar as pessoas é encontrado por um jovem, que, para tornar o mundo uma utopia sem o mal, usa-o para matar criminosos. Será que o medo é a melhor forma de controlar a sociedade? Alguém que tem o poder de matar pode ser considerado justo? Essas questões têm uma forma muito filosófica para ser trabalhado com os alunos em sua totalidade, e Voltaire seria uma sugestão interessante neste diálogo, assim como Nietzsche.

Os animes também são excelentes para ser estudado com os alunos, pois a grande maioria deles tem episódio com 25 minutos de duração, possibilitando um diálogo dos alunos na sala de aula, assim como fora dela. Fazendo com que cada aluno possa se colocar no lugar do personagem principal poderemos, como professores, verificar a capacidade crítica que cada aluno tem perante suas escolhas. Com isso, o educador poderá buscar uma

sistematização do conteúdo visto até aquele momento, em forma de escritos ou até buscando trabalhos imagéticos, como a criação de pequenos filmes pelos alunos, demonstrando o que cada um deles entendeu da narrativa dos animes.

A possibilidade de utilizar algo novo deve ser valorizada pelo educador, que está querendo prender a atenção dos alunos para com a disciplina de filosofia, fazendo esta filosofia participante das vivências de cada um. Como dito antes, este é só o primeiro passo, e muito poderá ser feito abrindo nossa visão com as novas formas de entretenimento do jovem.