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Outra coisa que também me parece metafísica é isto: - Dá-se movimento a uma bola, por exemplo; rola esta, encontra outra bola, transmite-lhe o impulso, e eis a segunda bola a rolar como a primeira rolou. Suponhamos que a primeira bola se chama... Marcela, - é uma simples suposição; a segunda, Brás Cubas; - a terceira, Virgília. Temos que Marcela, recebendo um piparote do passado rolou até tocar em Brás Cubas, - o qual, cedendo à força impulsiva, entrou a rolar também até esbarrar em Virgília, que não tinha nada com a primeira bola; e eis aí como, pela simples transmissão de uma

força, se tocam os extremos sociais, e se estabelece uma coisa que poderemos chamar – solidariamente do aborrecimento humano. Como é que este capítulo escapou a Aristóteles? (MACHADO DE ASSIS – Memórias póstumas de Brás Cubas)

O ser se transmite através da linguagem, através de uma comunicação que abrange o outro em um mundo fenomênico. Como vimos nesta caminhada fenomenológica, o ser não é um produto isolado do mundo, mas o sujeito é enredado no mundo, assim como o mundo é enredado no sujeito. Então o problema da dicotomia sujeito/objeto é transpassado definitivamente. Mas essa visão é uma exemplificação da produção teórica do saber.

Vamos explorar um caminho mais complexo, que está na transmissão do saber e do aprendizado. Apesar de que esse caminho já foi esclarecido anteriormente, no estudo da comunicação e da linguagem, creio ser pertinente pensá-lo estritamente na escola.

Vejamos uma analogia tirada do livro Isto não é um Cachimbo, de Michel Foucault: o professor primário está na sala, seus alunos sentados a sua frente, em silêncio, esperando a primeira aula começar. No quadro, um cachimbo está desenhado perfeitamente, e escrito acima, a frase “isto é um cachimbo”. O professor vai ensinar, transmitir um conhecimento para seus alunos que poderá, digamos, ser a conjunção da frase “isto é um cachimbo”, ou a palavra “cachimbo”. Os alunos estão esperando uma coisa nova, que invadirá todo o seu ser, pois até então nunca tinham visto a palavra cachimbo. Mas será que vamos ter um aprendizado eficaz nesta sala?

O professor está tentando colocar algo novo, um cachimbo, mas se seus alunos nunca viram um cachimbo, será que existirá conhecimento? Segundo o que vimos até agora, a verdadeira forma de tomar o aluno em um saber novo é atingir seu ser com algo que faz parte de sua vivência, mas de maneira nova. É mostrar algo que faz parte deles de forma totalmente original. Se o professor apenas mostra a forma de escrita da palavra cachimbo, ou como se escreve essa sentença, ele não produz um conhecimento eficaz, mas apenas cria falácias com seus alunos, sem atingí-los. Então, quem sabe, antes de ensinar as letras da palavra cachimbo, o professor devesse mostrar aos alunos um cachimbo real. Pode-se, quem sabe, mostrar algum herói que use cachimbo, como Sherlock Holmes, ou até Gandalf, que estão mais próximos aos alunos. Depois, o professor pode inserir os alunos na dependência para com o fumo, e explicar as causas disso na sociedade contemporânea. Com essa inserção posta pelo professor, o cachimbo começa a fazer parte da vida dos alunos, as palavras e frases ganham sentido, passam a ter significados para cada um deles. Aí, com essa inserção do cachimbo na vivência dos alunos, poderá agora haver uma produção, ou melhor, uma troca de conhecimento.

Bem, acho que o exemplo não foi um dos melhores, afinal usar um cachimbo em uma sala de aula do primário não é uma forma muito correta de ensinar a escrever, mas podemos com isso dar uma idéia de como ilustrar um conteúdo de forma mais complexa, mais ampla, ou seja, uma forma fenomênica de ensinar os alunos.

(...) O mundo é a razão não constituem problema: digamos, se se quiser, que são misteriosos, mas este mistério os define, não se trataria de dissipá-lo por meio de alguma ‘solução’, pois ele está aquém das soluções. A verdadeira filosofia reaprende a ver o mundo, e neste sentido uma história contada pode significar o mundo com tanta ‘profundidade’ quanto um tratado de filosofia. Temos em mãos nossa sorte, tornamo-nos responsáveis por nossa história por meio da reflexão, mas também por uma decisão em que engajamos nossa vida, e nos dois casos trata-se de um ato violento que se verifica ao se exercer. (MERLEAU-PONTY, 1971, pág. 18)

A filosofia, a verdadeira filosofia, como a compreendi no curso deste estudo, pode ser definido por Merleau-Ponty de maneira muito simples: “A verdadeira filosofia reaprende a ver o mundo”. Essa definição ficou como uma sombra em que estamos inseridos, mas mesmo á sombra, ela estava a nossa frente, a nossa volta, como uma árvore que nos protege do sol e nos rodeia na sua escuridão. Ou melhor, até uma avenida que tem em sua extensão várias árvores sombreando nosso caminho, e assim, essa sombra guiava-nos a cada passo que dávamos na fenomenologia.

Como dito na introdução, estaremos colocando nosso ser nesta teoria, nossos sentimentos e vida, estaremos todos aqui, a cada letra, a cada frase, totalmente enganchados na busca fenomenológica da filosofia. Meu modo de escrever descreve minhas memórias. Isto tudo nos dá o aval para repensar o ensino, pois reaprender a ver o mundo é uma visão nova do mundo já posto. Ver um filme é ver o mundo, ler um livro é ler o mundo, escutar uma musica é escutar o mundo, mas tudo isso pode ser uma revisitação do mundo por outros olhos, com uma nova maneira de interpretá-lo. Isto é o que entendo fazer filosofia.

Por isso que repensaremos alguns exemplos para a aplicabilidade deste método fenomenológico para o ensino filosófico em sala de aula. São apenas algumas sugestões, tomando algumas experiências na educação, e deixo claro que cada professor pode imaginar novas formas de ensinar, bastando para isso conceber o aluno como parte de seu mundo, e assim utilizar suas vivências neste ensino. Esses exemplos vão servir como ‘um primeiro passo’ para a aplicabilidade do método fenomenológico na escola.