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Art. 10. Compete ao poder público garantir a dignidade da pessoa com deficiência ao longo de toda a vida.

Parágrafo único. Em situações de risco, emergência ou estado de calamidade pública, a pessoa com deficiência será considerada vulnerável, devendo o poder público adotar medidas para sua proteção e segurança.

Art. 11. A pessoa com deficiência não poderá ser obrigada a se submeter a intervenção clínica ou cirúrgica, a tratamento ou a institucionalização forçada.

Parágrafo único. O consentimento da pessoa com deficiência em situação de curatela poderá ser suprido, na forma da lei.

Art. 12. O consentimento prévio, livre e esclarecido da pessoa com deficiência é indispensável para a realização de tratamento, procedimento, hospitalização e pesquisa científica.

§ 1° Em caso de pessoa com deficiência em situação de curatela, deve ser assegurada sua participação, no maior grau possível, para a obtenção de consentimento.

§ 2° A pesquisa científica envolvendo pessoa com deficiência em situação de tutela ou de curatela deve ser realizada, em caráter excepcional, apenas quando houver indícios de benefício direto para sua saúde ou para a saúde de outras pessoas com deficiência e desde que não haja outra opção de pesquisa de eficácia comparável com participantes não tutelados ou curatelados.

Art. 13. A pessoa com deficiência somente será atendida sem seu consentimento prévio, livre e esclarecido em casos de risco de morte e de emergência em saúde, resguardado seu superior interesse e adotadas as salvaguardas legais cabíveis.

A Constituição Federal de 1988, no caput do Art. 5º, assegura a todos no Brasil, o direito à vida:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

A Constituição Federal proclama o direito à vida, cabendo ao Estado assegurá-lo em sua dupla acepção, sendo a primeira relacionada ao direito de continuar vivo e a segunda de se ter vida digna quanto à subsistência1. A diretriz proposta pela Constituição passa a garantir a toda população

brasileira um conjunto integrado de ações, de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinado a assegurar direitos fundamentais.

Desde a década de noventa se discute uma redefinição da ideia de direitos, cujo ponto de partida é a concepção de um direito a ter direitos; essa redefinição contempla não só o direito à igualdade, mas também o direito à diferença2.

Ter direito a uma vida com dignidade, neste caso, depende de ações que permitam condições

igualitárias, apesar das diferenças, que devem ser proporcionadas por toda a sociedade e garantidas

pelo poder público.

As raízes históricas e culturais do fenômeno deficiência sempre foram marcadas por forte rejeição, discriminação e preconceito, dificultando o acesso igualitário à participação na sociedade, sujeitando as pessoas com deficiência a violações de sua dignidade e à exclusão social.

Este caminho historicamente negligenciado vem se modificando ao longo do tempo, especialmente após 2006, quando a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) adotou resolução que estabeleceu a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, com o objetivo de “proteger e garantir o total e igual acesso a todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, e promover o respeito à sua dignidade”. Neste encontro, o acúmulo de discussões trouxe o consenso de que a deficiência é resultado da interação entre pessoas com deficiência e barreiras (atitudinais e ambientais) que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. Culmina na elaboração de um protocolo facultativo que em 2008 foi incorporado à legislação brasileira, com equivalência de emenda constitucional.

Outro grande avanço, consequente à mudança conceitual de deficiência, foi a alteração do modelo médico para o modelo social, o qual reconhece como fator limitador o meio em que a pessoa está inserida e não a deficiência em si, remetendo-nos à Classificação Internacional de

Funcionalidades (CIF)3. A funcionalidade e incapacidade de uma pessoa são concebidas como

1 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional.

2 DAGNINO, Evelina. Anos 90: Política e Sociedade no Brasil. p. 103-115.

interação dinâmica entre estados de saúde (doenças, perturbações, lesões, etc.) e os fatores contextuais (fatores ambientais e pessoais). A incapacidade não é um atributo da pessoa, mas sim um conjunto complexo de condições que resulta da interação pessoa-meio.

A necessidade dos suportes e apoios, portanto, podem ser de diferentes tipos (social, econômico, físico, instrumental) e tem como função favorecer o que se passou a denominar INCLUSÃO SOCIAL - processo de ajuste mútuo, no qual cabe à pessoa com deficiência manifestar-se com relação a seus desejos e necessidades e à sociedade, a implementação dos ajustes e providências necessárias que a ela possibilitem o acesso e a convivência no espaço comum, não segregado.

Neste caminho, se pensarmos as dificuldades vivenciadas por uma pessoa que necessite de cadeira de rodas para sua locomoção, por exemplo, elas estão relacionadas às barreiras arquitetônicas do meio em que vive. São as barreiras do meio que determinam a desvantagem e, portanto, é o meio que necessita de modificações.

A CIF traz a possibilidade de oferecer um modelo para melhor compreender os estados de saúde e as condições relacionadas, bem como de seus determinantes e efeitos, na medida em que permite a codificação e o uso de qualificadores para medidas de capacidade, fatores ambientais e fatores pessoais4.

Nos Art. 11 e 12 se estabelece que “A pessoa com deficiência não poderá ser obrigada a se submeter a intervenção clínica ou cirúrgica, a tratamento ou a institucionalização forçada” e que “O consentimento prévio, livre e esclarecido da pessoa com deficiência é indispensável para a realização de tratamento, procedimento, hospitalização e pesquisa científica”. Devemos lembrar que o atual Código de Ética Médica obriga o profissional de saúde a prestar todas as informações ao paciente acerca do diagnóstico, do prognóstico, dos riscos e objetivos de um tratamento, para que ele possa decidir livremente sobre si e seu bem-estar, com autonomia para consentir, ou recusar os procedimentos propostos5. Prevê apenas duas exceções: quando a informação puder causar-lhe

dano e no caso de iminente risco de vida (artigos 46, 48, 56 e 59), em consonância ao Art. 13 da referida lei.

Aqui podemos evidenciar claramente a incorporação de parâmetros da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência na medida em que propõe, em especial ao que se refere à capacidade civil, que a pessoa com deficiência tenha capacidade plena e dela deva gozar, em igualdade com as demais pessoas6. Todos têm o direito de consentir ou recusar qualquer

procedimento proposto por uma equipe de saúde.

4 Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo.

5 Código de Ética Médica: Resolução CFM nº 1.931, de 17 de setembro de 2009.

Da mesma maneira, o respeito devido à dignidade humana exige que toda pesquisa se processe após consentimento livre e esclarecido dos sujeitos envolvidos e que estes manifestem a sua anuência à participação na pesquisa. A liberdade do sujeito se recusar a participar ou retirar seu consentimento, em qualquer fase da pesquisa, deve ser garantida sem penalização alguma e sem prejuízo ao seu cuidado.

Ainda nesse tema, gostaríamos de tecer considerações sobre os parágrafos que abordam as situações específicas de pessoas sob tutela ou curatela. Esta é uma questão importante que interfere diretamente na autonomia e na liberdade dos indivíduos, na tomada de decisões sobre atos da vida civil.

De maneira sucinta, tutela pode ser definida como uma competência legal transferida a uma pessoa capaz, para que esta possa representar e assistir à criança ou adolescente, bem como administrar seus bens, advinda da morte ou julgada a ausência dos pais ou destituídos do poder familiar, conforme os artigos 36 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e 1.728 do Código Civil.

Já a curatela é a atribuição legal transferida a uma pessoa capaz para representar e administrar os bens de pessoa maior de 18 anos que, por si só, não possa fazê-lo conforme as hipóteses previstas do art. 1.767 do Código Civil. No que tange às pessoas com deficiência, a curatela passa a ser medida

extraordinária e restrita aos atos civis de natureza patrimonial ou negocial, com duração do menor

tempo possível, observando sempre a opinião do curatelado e às necessidades e circunstâncias de cada caso.

A parte às muitas discussões sobre o significado de uma interdição é importante ofertarmos avaliações condizentes com o novo paradigma, com equipes multiprofissionais e interdisciplinares que compreendam o indivíduo em toda sua dimensão biopsicossocial e em seu contexto familiar e

comunitário. Nas avaliações periciais, novamente a CIF se mostra como um instrumento capaz de

caracterizar as potencialidades dos indivíduos, valorizando as ofertas que o meio social é responsável por realizar: acesso a bens e serviços, apoio escolar, oportunidades de trabalho, apoio a tomada de decisões, organização de mobilidade urbana, entre outras. Encontramos aqui, uma importante revisão na perspectiva da interdição, que deve ser realizada somente em situações absolutamente necessárias e preferencialmente de forma parcial.

Título II - Dos Direitos Fundamentais - Capítulo II - Do Direito à Habilitação