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ANNA ROOSEVELT.

No documento RAQUEL FROTA RODRIGUES (páginas 63-69)

A CIÊNCIA ARQUEOLÓGICA: UM BREVE HISTÓRICO

LIMITAÇÕES DO EVOLUCIONISMO PARA EXPLICAÇÃO ARQUEOLÓGICA DA AMAZÔNIA SUL OCIDENTAL.

3.4 ANNA ROOSEVELT.

De acordo com Pedrosa, os trabalhos de Anna Roosevelt, ex-aluna de Lathrap, no âmbito da arqueologia amazônica desenvolvem-se como uma resposta às hipóteses e discussões sobre o impacto do ambiente na adaptação cultural suscitadas por Meggers. Para Roosevelt, então curadora de arqueologia do Museu Field e professora de antropologia da Universidade de Illinois em Chicago, havia muitas questões que a teoria sobre a adaptação cultural dos povos indígenas da Amazônia desenvolvida por Meggers, não respondia ou não desenvolvia a contento. (PEDROSA, 2008, p.60)

[...] adentrando na arena da pré-história amazônica usando botas de sete léguas, veio Anna Roosevelt. Em seu livro “Parmana”, Roosevelt revisita as teorias existentes da pré-história amazônica, achando que não são de seu gosto, e oferecendo a sua própria, audaciosa e ambiciosa, reconstrução. As primeiras 56 páginas de Parmana contêm a mais completa e incisiva crítica das interpretações teóricas da Amazônia jamais realizada. Um por um, Roosevelt pega os argumentos teóricos de todos os teóricos antropológicos conectados com a Amazônia, e cada um deles cai sentindo a dor de sua chicotada (CARNEIRO, 2007, p.125-126).

Roosevelt assim como Lathrap, acreditava que os precursores da teoria ambiental do desenvolvimento cultural da Amazônia haviam se equivocado quanto aos reais potenciais do habitat de floresta tropical para a adaptação humana (ROOSEVELT, 2006, p.55). Pedrosa esclarece ainda que a história de Anna Roosevelt esta inserida no contexto amazônico “intimamente ligada à proposta de retrospecto nas pesquisas aos ambientes das baixadas tropicais com o objetivo de ajudar a elucidar na teoria da evolução cultural”. O que a incomodava, portanto, era o consenso “no ponto de vista sobre a adaptação cultural”, mais especificamente “o sistema de floresta tropical relacionado e associado etnograficamente a pequenas e autônomas sociedades aldeãs” (PEDROSA, 2008, p.60-61).

O habitat básico dos povos pré-históricos foi caracterizado como densa floresta tropical úmida com solos ácidos pobres, incapazes de proporcionar aos caçadores-coletores uma abundância de animais e plantas comestíveis e inadequados para a adoção da agricultura intensiva. Esta limitação na produtividade do modo de subsistência foi vista, por seu turno, como fator que constrangia o aumento da densidade populacional e a permanência dos assentamentos e, em conseqüência, as possibilidades de desenvolvimento autóctone de culturas complexas (ROOSEVELT, 1992, p.55)

E ainda:

A Amazônia tem sido há muito tempo foco de um debate a respeito do impacto do ambiente úmido tropical sobre o desenvolvimento das culturas indígenas. (...) Apenas raramente a Amazônia é vista como um ambiente rico para a adaptação humana e fonte de inovação e difusão de cultura pré-histórica. (ROOSEVELT, 1992, p.53)

Bom, para compreender a teoria formulada por Roosevelt é necessário ter em mente que para ela um cacicado complexo implicaria, necessariamente, em uma sociedade com densidade populacional

relativamente alta, que seria a partir disso capaz de organizar-se de maneira estratificada, com chefaturas e pessoas especializadas em determinados trabalhos, como a olaria e a agricultura, por exemplo. Estas especializações revelariam, por sua vez, o nível tecnológico experimentado por estes povos.

Simplificando, para ser digna de ser chamada de cacicado, uma sociedade indígena deveria ser composta por muitos membros. Devido a esse contingente populacional ocorreria, muito possivelmente, a estratificação social que, muito provavelmente, se daria de forma hierárquica composta, naturalmente, por chefes e pessoas especializadas em diversos tipos de trabalho. Tal especialização favoreceria a manifestação de níveis tecnológicos cada vez mais sofisticados. Nisso consistiria o emprego do termo complexo, ou seja, quanto mais habitantes em uma determinada sociedade indígena, maiores seriam as possibilidades de complexificação da mesma. Nesse sentido é fácil supor que para ela também haveriam níveis de complexidade social e, por que não, cultural.

Mas para tanto, não bastava dar vazão as hipóteses formuladas por Lathrap, segundo as quais o ambiente amazônico de várzea seria capaz de sustentar culturas de nível cacicado, Roosevelt sabia que era preciso comprovar o bom aproveitamento dos recursos ambientais por parte desses povos indígenas, pois nisto implicaria o aumento populacional e conseqüentemente a estratificação social e a sofisticação tecnológica. Ciente dessas implicações, Roosevelt formulou aquele que seria o principal argumento de sua teoria, baseando-se exatamente na relação existente entre a densidade populacional e a mudança tecnológica. “Sua hipótese inicial, baseada em pesquisa no Orinoco, era de que a introdução do cultivo do milho (um grão rico em proteínas) teria conduzido a um notável crescimento e adensamento populacional na várzea” (FAUSTO, 2000, p.34). Em outras palavras, Roosevelt acreditava que assim que o uso da terra por estas sociedades amazônicas se modificasse, poderia haver um crescimento populacional, e assim tal sociedade estaria apta às mais diversas sofisticações tecnológicas, então:

Muito se discutiu que toda a população humana tem tendência a crescer pondo pressão nos recursos de subsistência onde possivelmente os problemas para balancear os recursos seriam dissolvidos à medida que se intensificasse o uso da terra. Neste caso, a produção intensiva do cultivo de grãos deveria aumentar a capacidade do habitat de várzea, assim o cultivo de milho

teria tido um rápido desenvolvimento assim que introduzido e conseqüentemente ocorreu à intensificação da densidade populacional. (PEDROSA, 2008, p.61).

Eis a teoria de Roosevelt, refinada por Carlos Fausto:

Segundo ela, a partir do primeiro milênio da era cristã, modificações nas atividades, escala e organização das sociedades de várzea começaram a ocorrer, com os seguintes ingredientes: incremento demográfico, intensificação da produção, especialização da produção artesanal, extensão das redes de comércio, estratificação social e centralização política. Esse processo teria levado ao surgimento de grandes cacicados complexos em torno de 1000 d.C, cujos domínios se estenderiam por dezenas de milhares de km², abrigando populações de vários milhares de pessoas , unificadas muitas vezes sob o comando de um chefe supremo. Essas sociedades seriam belicosas e expansionistas, com uma organização social hierárquica mantida por tributos e por uma economia intensiva, capaz de produzir e estocar alimentos em larga escala. (FAUSTO, 2000, p. 34)

Depois da teoria formulada, Roosevelt conduziu seu projeto arqueológico pensando em achar esse tipo de correlação entre a densidade populacional e a tecnologia do uso dos solos na pré-história amazônica. Assim ela começa seus estudos exatamente no ponto de exceção da teoria de Meggers: a Ilha de Marajó, no estado do Pará. Como foi abordado acima, Meggers e Evans confirmaram a existência de um cacicado nesta região, que teria se degenerado ao nível de floresta tropical, ou melhor, tribo.

Sob qualquer perspectiva, o trabalho arqueológico de maior fôlego realizado na Amazônia nos anos 1980 foi a escavação de Anna Roosevelt na ilha de Marajó. Esse trabalho, conduzido no coração de onde Meggers e Evans inauguraram a arqueologia Amazônica, colocou em evidência as muitas questões que continuam a intrigar-e dividir- os estudiosos da pré-história amazônica. (CARNEIRO, 2007, p. 131)

Enquanto os arqueólogos Meggers e Evans “prospeccionaram grandes porções de Marajó e fizeram escavações teste em vários locais de maneira a estabelecer uma cronologia de tipos cerâmicos”, Roosevelt fez diferente, “concentrou seus esforços em escavar somente um teso, algo que ela afirmou nunca tinha sido feito antes”. Seu nome é Teso dos Bichos. Trata-se de um monte artificial

que se eleva a sete metros de altura sobre a planície circundante e ocupando um total de cerca de três hectares, localizado perto do lago de nome Arari, na porção central-leste da ilha. (CARNEIRO, 2007, p.131).

Nas escavações de Teso dos Bichos, Roosevelt pôde determinar que era um sítio-habitação permanentemente ocupado ao longo de séculos, a altura da estrutura trouxe sua superfície de habitação bem acima do nível da cheias e o fato de que uma estrutura de terra circundava o teso levou-a à hipótese de que os habitantes tinham procurado se defender de ataques inimigos. Diversas casas foram escavadas no teso e dentro delas Roosevelt encontrou grandes fogões de cerâmicas, cerca de vinte e cinco casas comunais foram localizadas e estima-se que viviam 40 pessoas por casa, dando uma população total de mil pessoas para o assentamento. Dentre as muitas cerâmicas encontradas estavam espécimes da tradição policroma, bem conhecida da cultura Marajoara evidenciada primeiramente por Meggers e Evans (CARNEIRO, 2007, p.131).

No que tange à cultura Marajoara, brevemente abordada na descrição da teoria de Meggers sobre a degeneração de povos do tipo Cacicado na Amazônia, há que se fazer, para efeito de melhor compreensão, uma pequena definição.

O fato é que a riqueza de detalhes empregada nas cerâmicas policrômicas, característica da cultura denominada Marajoara na Ilha de Marajó, é geralmente tomada para indicar que era feita por especialistas. Se havia esse espaço temporal para a fabricação de cerâmicas tão bem elaboradas, isso significa que Marajoara deveria ser um cacicado.

A característica saliente da cultura Marajoara era que, em seu ápice, representava um nível superior de cultura do que aquele atingido pelas aldeias autônomas da cultura de floresta tropical. Era, de fato, um cacicado. Meggers e Roosevelt concordam nesse ponto, mas aqui a concordância acaba. Ainda controversas entre elas estão coisas como a data do início de Marajoara, sua derivação, sua duração, o nível de complexidade a que chegou, a capacidade de carga de seu habitat, a população total que suportou e as razões para seu desaparecimento (CARNEIRO, 2007, p.132).

O esclarecimento das questões explicitadas na citação acima, oriundas dos dados de Marajó, acaba por projetar-se “sobre a grande tela da pré-história amazônica” (CARNEIRO, 2007, p.132). O que para Meggers representava um exemplo de degeneração cultural em meio ao “inferno verde”, para Roosevelt representava o próprio centro de difusão cultural da Amazônia. De volta ao El Dorado!

Para simplificar os pontos mais relevantes, na visão teórica de Meggers, a cultura Marajoara deveria ser intrusiva, derivada muito provavelmente dos Andes, visto que o ambiente impedia o desenvolvimento de uma sociedade de tipo cacicado em meio à floresta tropical. Sua duração deveria ter sido em torno de no máximo 200 anos, visto que esta rica cultura degeneraria ao nível de floresta tropical (tribo) devido, sobretudo às pressões ambientais. Dessa forma a cultura Marajoara na visão de Meggers, não pôde sustentar a sua complexidade cultural por muito tempo, pois a carga de seu habitat era extremamente restritiva, impedindo também a formação de uma alta densidade populacional.

Em oposição quase que completa Roosevelt, a partir de seus trabalhos de gabinete e de campo tenta comprovar que a cultura Marajoara emergiu na Amazônia, ou melhor, em meio a floresta tropical, que sua permanência teria sido de 900 anos, e tendo como base as escavações em Teso dos Bichos, a densidade demográfica seria bastante alta, em torno de 100 mil habitantes no total. Assim, o habitat teria sido bastante propicio não somente ao desenvolvimento de uma sociedade complexa, mas também à sua difusão a outras partes da região amazônica.

De acordo com antropólogo Carlos Fausto, muito embora a hipótese de mudança tecnológica não tenha sido confirmada por sua pesquisa no Marajó, Roosevelt não alterou a sua formulação sobre a história cultural amazônica. Mas, “com apenas parte dos resultados publicados, é possível dizer que ainda não há evidências claras de que as sociedades construtoras dos aterros se adequavam a esta imagem” que ela propõe. (FAUSTO, 2000, p. 34-35).

As questões parecem apenas ter modificado de lado; ao invés dos Andes temos a Amazônia; ao invés do meio ambiente inóspito e do modo de subsistência atual dos povos amazônicos temos os quadros etnográficos e as informações quantitativas (PEDROSA, 2008, p.63)

Ainda de acordo com Fausto, fica claro que na realidade Roosevelt compartilha o velho determinismo ecológico de Meggers, discordando desta apenas quanto ao potencial do ambiente amazônico, dando especial atenção crítica às áreas de várzea. Fausto reconhece ainda que a influência de Roosevelt ultrapassa o âmbito da arqueologia, “constituindo-se também em paradigma para etno-historiadores e etnólogos, com impacto profundo sobre a conceitualização das sociedades indígenas do passado e do presente” (FAUSTO, 2000, p.33)

3.5 O COLONIALISMO CULTURAL E A PERSISTÊNCIA DO MODELO BANDO-TRIBO-CACICADO NA

No documento RAQUEL FROTA RODRIGUES (páginas 63-69)