• Nenhum resultado encontrado

BETTY MEGGERS

No documento RAQUEL FROTA RODRIGUES (páginas 51-59)

A CIÊNCIA ARQUEOLÓGICA: UM BREVE HISTÓRICO

LIMITAÇÕES DO EVOLUCIONISMO PARA EXPLICAÇÃO ARQUEOLÓGICA DA AMAZÔNIA SUL OCIDENTAL.

3.2 BETTY MEGGERS

A interpretação sobre a pré-história Amazônica formulada por Steward foi colocada em prática no Brasil pelo casal Betty Meggers e Clifford Evans, que na época eram doutorandos da Columbia University. O casal chegou a Belém do Pará em agosto de 1948, com o tempo para pesquisa

estipulado em um ano, “custeado pela Werner Gren Foundation e pelo Departamento de Antropologia da Universidade de Columbia”. O projeto então denominado “Archaelogical Study in the Lower Amazon Brazil” foi o início de uma série de escavações realizadas na busca de informações capazes de traçar as rotas migratórias na Amazônia (ROSA, 2008, p.41).

Segundo Noelli e Ferreira, a vinda do casal Meggers e Evans ao Brasil situou-se no período em que os Estados Unidos intensificou os financiamentos das pesquisas de campo no estrangeiro, pois estas eram “tidas como estratégicas para as agências militares e o Departamento de Defesa”. Posteriormente, a Guerra Fria, mais especificamente entre os anos de 1954 e 1964, inaugurou os “estudos de modernização”, que tinham como objetivo contrapor “à superioridade cultural e política dos Estados Unidos a inferioridade cultural e racial dos países subdesenvolvidos”. Meggers partilhou dessa formação acadêmica. (2007; p.1251)

As escavações realizadas pelo casal na Ilha de Marajó, no estado do Pará, evidenciaram que grupos considerados circum-caraíbas tinham sido precedidos por grupos do tipo floresta tropical. E foi a partir dessas evidências coletadas em campo, que o casal passou a considerar que este último estágio (o de floresta tropical), não era consequência de uma degeneração, mas sim o nível máximo possível de ser atingido por populações indígenas no meio ecológico amazônico (PROUS, 1992, p.428)

Nesse aspecto, mesmo que Meggers e Evans acreditassem na “deterioração inevitável de qualquer cultura de nível circum-caraibenho introduzida na Amazônia”, não acreditavam que esta hipótese de Steward “era a melhor maneira de explicar a origem da cultura de floresta tropical” evidenciada por eles em seus trabalhos na Ilha de Marajó (CARNEIRO, 2007, p.121).

Semelhante à visão teórica apresentada por Varnhagen e Steward, a tese de Meggers, desenvolvida no artigo Environmental limitation on the development of culture publicado em 1954, era a de que o fator principal, responsável por determinar o desenvolvimento de uma cultura, era o potencial agrícola de seu habitat. Assim, temos a seguinte lógica teórica: o potencial agrícola determina a

densidade populacional, e esta por sua vez determina o desenvolvimento da cultura em níveis sociopolíticos e tecnológicos. Ora, Meggers em consonância com as idéias de Steward, concebia a Bacia Amazônica como um habitat de potencial agrícola baixo, “logo não poderia suportar a densidade populacional necessária para que cacicados emergissem”, então qualquer que fosse a origem cultural de tipo circum-caraíba encontrada na Ilha de Marajó, não poderia ser no Brasil (CARNEIRO, 2007, p.121-122).

A hipótese de Steward consistia na idéia de que os povos da área do circum-caribe eram a matriz cultural dos povos que habitaram a floresta tropical, e de um processo de migração e difusão da cultura e da tecnologia para a floresta tropical. (...) No entanto, Meggers e Evans acreditavam que origem cultural dos povos amazônicos estaria na Amazônia equatoriana e peruana. Nesta região teriam encontrados indícios da existência de uma agricultura intensiva, para abastecer uma grande quantidade populacional, onde haveria uma sociedade com divisões políticas e econômicas bem estabelecidas, socialmente estratificada e com a presença também da especialização do trabalho. As terras eram férteis e os lagos forneciam grandes quantidades de peixes e tartarugas. (ROSA, 2008, p.75)

Segundo Noelli e Ferreira, para Meggers o potencial agrícola pauta-se nas diferenças de vários elementos ecológicos e ambientais, que por sua vez, determinam a produtividade da agricultura, tais como a fertilidade do solo e o clima. Foi com base nessas diferenças ecológico-ambientais, que a autora elaborou uma classificação dos tipos de solos existentes no continente americano, dividindo-o em quatro áreas distintas: “1) sem potencial agrícola; 2) com potencial agrícola limitado; 3) com potencial agrícola incremental; 4) com potencial agrícola ilimitado”(NOELLI E FERREIRA,2007; p.1251). Qualquer semelhança com a tipologia de Steward não é mera coincidência:

Em publicação posterior, de 1957, à classificação dos solos justapõe-se a tipologia de áreas culturais de Steward, com suas respectivas dinâmicas de desenvolvimento cultural. (...) Assim, os solos tipo 1 e 2 correspondem às áreas marginais e à floresta tropical, em que habitavam- e habitam- nômades caçadores e coletores, bem como agricultores incipientes; nos solos 3 e 4 assentam-se as regiões mais evoluídas e civilizadas, populações volumosas e sedentárias, agricultura em larga escala, grandes cidades e templos, que povoaram os Andes, o Caribe e a Mesoamérica (MEGGERS, EVANS, 1957, p.18 apud NOELLI E FERREIRA, 2007, p.1252).

Meggers aprofunda os estudos de Steward, desenvolve-os ao ponto de um determinismo ecológico ao propor que os elementos ambientais exercem pressão irrefutável e inescapável as sociedades, pois determinam a produtividade da agricultura, o que por sua vez regula a concentração e o número da população. Assim, quanto mais baixo for o número populacional menor é a expressividade do desenvolvimento sociopolítico e tecnológico.

Em 1965, Meggers e Evans montaram o Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas, conhecido pela sigla PRONAPA. O financiamento para o programa partiu de Washington, por intermédio da Smithsonian Institution, e de Brasília, através do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas (CNPq). Entre os anos de 1965 e 1971, o PRONAPA “conduziu trabalhos no país e treinou toda uma geração de arqueólogos brasileiros. (NOELLI E FERREIRA, 2007, p.1251-1252). Funari denuncia que o PRONAPA iniciava-se já em 1964, sediado em Washington, “sob a égide da aliança entre Estados Unidos e a regime militar” em voga no Brasil. (FUNARI E REIS, 2008, p.142).

Logo depois do golpe, o Intituto Smithsonian e as autoridades militares começaram um plano arqueológico, que duraria cinco ano, para reformular a ainda incipiente Arqueologia brasileira. Clifford Evans e Betty Meggers, do Smithsonian, organizaram o Projeto Nacional de Pesquisa Arqueológica, mais conhecido pela sigla Pronapa. Como esse chamado programa nacional (...) fosse controlado por Washington, a Arqueologia humanista foi inicialmente desestimulada e, mais tarde, ativamente perseguida. (FUNARI, 2002, p.143-144)

Em 1971, Meggers publicou Amazônia, man and culture in a counterfeit paradise, traduzido para o português sob o título de Amazônia: a ilusão de um paraíso, formulado também com as informações colhidas ao longo do PRONAPA. Na opinião de Carneiro “esse livro mostrou claramente que durante os anos que se passaram, Meggers tinha ampliado e aprofundado seu entendimento da pré-história Amazônica” (CARNEIRO, 2007, p.124). O autor sustenta sua opinião com base em três aspectos:

Primeiro de tudo, ela estava, agora, totalmente consciente da existência prévia de cacidados ao longo do Amazonas. Em segundo lugar, Meggers não mais sustentava que qualquer cacicado encontrado na Bacia Amazônica fosse intrusivo; eles poderiam muito bem ter emergido ali. Em terceiro lugar, ela descartava a visão da Amazônia como um ambiente indiferenciado de floresta tropical com capacidade de carga baixa e uniforme. Agora ela claramente reconhecia a diferença crucial entre várzea e terra firme, e enfatizou como algo importante essa distinção. (CARNEIRO, 2007, p 124.)

Meggers defende em seu livro que a adaptação indígena à terra firme seria muito diferente da adaptação indígena ocorrida nas regiões de várzea. Para a autora a adaptação ao ambiente é um determinante da cultura, logo deveria haver um padrão geral de cultura para toda a floresta tropical em “resposta às características gerais de clima e solo que definem a região como um todo”. Não só isso, a autora considera também as variações locais quanto à presença e a abundância de meios de subsistência. (MEGGERS, 1987, p.70)

Embora o meio físico da terra firme amazônica se caracterize pelo elevado índice pluvial, temperatura quente e solo empobrecido, nenhum dos três fatores se manifesta, uniformemente, em toda a área. (...) Nem todos os vegetais e animais aproveitam, da mesma forma, essas diferentes condições e a seleção natural, através de milênios, favoreceu sempre as espécies que conseqüentemente, embora a flora e a fauna sejam parecidas em toda a terra firme, importantes diferenças regionais existem quanto a acessibilidade e à abundancia das espécies que as compõem. (MEGGERS, 1987, p.70)

E ainda:

A várzea, da mesma forma que a terra firme, é um meio-ambiente variável. Enquanto que na terra firme a variação deriva de precipitações pluviais, composição do solo e topografia, as características principais da várzea dizem respeito a suscetibilidade diferencial à inundação e extensão desigual. (MEGGERS, 1987, p.173)

Com base nessas distinções entre a várzea e a terra firme, Meggers desenrola um estudo comparativo entre as populações indígenas que viviam em ambas as áreas geograficamente demarcadas. Sendo assim, para uma análise da adaptação indígena na terra firme, Meggers pauta suas hipóteses teóricas através de estudos etnográficos e evidências arqueológicas das formas adaptativas das tribos: Kamayurá, Jívaro, Kayapo, Sirionó e Waiwai.

Os elementos culturais presentes em cada tribo foram dissecados e estudados, numa tentativa de comparar suas estruturas e poder discernir “onde estão as semelhanças, onde se encontram as

diferenças e qual é a natureza dessas diferenças”, pois, uma análise de semelhanças e diferenças no contexto do meio ambiente da terra firme poderia indicar as inter-relações complexas que caracterizariam a ecologia cultural. (MEGGERS, 1987; p.75). Finalmente, Meggers chega à conclusão de que “as cinco tribos escolhidas como exemplos de adaptação ao meio-ambiente da terra firme apresentam em si numerosas semelhanças culturais” (MEGGERS, 1987, p.143).

Segundo ela, a análise das cinco tribos já mencionadas evidenciava que, na busca de um equilíbrio adaptativo ao meio ambiente de terra firme, estas desenvolveram técnicas para maximizar o rendimento alimentar e para concentrar e controlar o tamanho da população. Assim, formulou um quadro de referências que deveria servir de parâmetro tanto para os povos indígenas de terra firme quanto para os de várzea, que seriam: técnicas para maximizar o rendimento da alimentação, técnicas de controle do tamanho da população e técnicas de controle da densidade de população.

A análise da adaptação cultural indígena ao meio-ambiente da terra firme amazônica faz ressaltar dois fatos básicos: (1) o tamanho e a densidade da população são mantidos dentro de limites específicos por práticas culturais reforçadas; (2) dentro dessa limitação, a interação das características especiais de cada meio-ambiente com a configuração da cultura preexistente produziu inúmeras variações sobre um único tema básico. (MEGGERS, 1987, p.169)

Primeiramente com base nesse quadro referencial, Meggers formula um padrão adaptativo para toda a região de terra firme, um padrão segundo o qual os povos indígenas, ao contrário do que muitos observadores de séculos passados pensavam, não viviam em um “Paraíso”. Sua condição de “vida fácil” era na realidade o reflexo de um equilíbrio conseguido por meio de técnicas de controle populacional e consequentemente do rendimento alimentar. Os povos indígenas da terra firme podiam assim, adaptar suas necessidades ao meio-ambiente pobre no qual estavam inseridos.

Na região de várzea, a autora lamenta que nenhuma das culturas indígenas tenha sobrevivido, não podendo assim ser estudada por antropólogos. Porém, e para efeito de análise, Meggers parte das crônicas produzidas pelos primeiros exploradores da Amazônia para obter descrições a respeito dos

supostos povos indígenas que habitavam a área de várzea. No caso, os Omagua do alto médio Amazonas e os Tapajós, da foz do rio Amazonas, foram escolhidos, pois são mencionados com maior frequência “de modo a se poder ter uma descrição geral dessas culturas”. A autora reconhece que “apesar das deficiências, entretanto, as primeiras crônicas atestam com clareza que a densidade demográfica e o nível de desenvolvimento cultural eram bem maiores na várzea do que na terra firme, ao tempo do primeiro contato com os europeus”. (MEGGERS, 1987, p.174)

Utilizando-se do mesmo quadro de referências que foi aplicado à terra firme, Meggers chega à conclusão de que, os povos indígenas que habitavam a região de várzea possuíam muitas semelhanças com os povos indígenas que habitavam a terra firme. Contudo, haveria diferenças muito significativas quanto à complexidade cultural atingida em cada uma das regiões geográficas.

As diferenças se manifestam nas armas, na organização social e política, e nas práticas religiosas, muitas das quais se assemelham às da área andina de onde, certamente, algumas delas derivam. Por outro lado, a adoção desses traços, muitos dos quais representam um avanço sobre o nível de complexidade atingido no meio-ambiente mais propício da várzea (MEGGERS, 1987, p.195)

Acontece que os recursos naturais nas regiões de várzea são mais abundantes, disponibilizando maior quantidade de alimentos, o que permite por sua vez um crescimento populacional maior. Na visão de Meggers, quando a população cresce, sua complexidade cultural também cresce, pois se cria, entre outras coisas, a necessidade de uma estratificação social, de um culto religioso mais elaborado e do sedentarismo.

Embora fragmentários, os dados sobre a adaptação cultural indígena ao habitat da várzea indicam que a concentração de população era maior e o nível de complexidade sócio-política mais avançado do que na terra firme adjacente. Isso não resultou de uma melhoria dos recursos de subsistência introduzida pelo homem, mas, ao contrário, de uma adaptação cultural sensível que permitiu a utilização eficiente da singular produtividade natural da várzea. (MEGGERS, 1987, p.208)

Sintetizando, para Meggers, as populações indígenas que vivem nas imensas regiões de terra firme estão presas a dois níveis culturais, ou são do tipo marginal (bandos) ou são do tipo floresta tropical (tribos). As populações indígenas da Amazônia não conseguiriam ultrapassar estes níveis culturais devido às pressões ambientais. Com uma pequena exceção dos povos indígenas que viveram nas regiões de várzea, cuja organização social poderia ser considerada como a do tipo cacicados devido à complexidade cultural que aparentavam ter, não haveria em solo amazônico culturas que pudessem ser consideradas complexas. Meggers afirma que “os grupos da várzea, como os Omagua e os Tapajós, atingiram o nível máximo de elaboração cultural permitido pelas condições locais ao meio- ambiente”. (MEGGERS, 1987; p.208)

Meggers volta a compactuar com Steward, Varnhagen e Martius quando afirma que qualquer grupo mais evoluído que fosse forçado a transferir-se para uma área de recursos reduzidos seria incapaz de manter seu nível anterior de desenvolvimento. Em outras palavras, degeneraria aos níveis de floresta tropical ou marginal. E para tanto, Meggers volta a oferecer como exemplo a questão da Ilha do Marajó:

Um exemplo arqueológico da simplificação que acompanha a adaptação a uma produtividade mais baixa de subsistência nos é dado pela cultura pré-histórica Marajoara da Ilha de Marajó, na foz do Amazonas. Quando esta cultura apareceu na Ilha, parecia ter possuído uma sociedade mais altamente estratificada do que a dos grupos mais recentes de várzea, como os Omagua e os Tapajós. Durante sua permanência na Ilha de Marajó, sofreu um declínio em complexidade que se refletiu, arqueologicamente, no desaparecimento dos tipos mais apurados de decoração da cerâmica e de certos itens e práticas rituais. (MEGGERS, 1987,p.206)

Esta última citação será mais bem abordada posteriormente quando estudarmos Roosevelt. Pois bem, considerando todo esse arcabouço teórico já formado e constituído na mente de vários arqueólogos brasileiros que sofreram a influencia de Meggers, temos que logo após o relativo sucesso do PRONAPA, finalizado em 1970, seus organizadores Meggers e Evans resolveram estender as pesquisas também à bacia amazônica. Assim foi dado início em 1976 ao Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas na Bacia Amazônica, conhecido pela sigla PRONAPABA, “organizado através

de uma parceria entre o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-CNPq e a Smithsonian Institution, de Washington” (SCHAAN, 2007, p.16).

As pesquisas do PRONAPABA tinham o objetivo inicial de “levantar a maior soma possível de informações com a prospecção de bacias hidrográficas determinadas para estabelecer as bases iniciais do conhecimento sobre os padrões de assentamento de antigas populações locais” (DIAS JR. e CARVALHO, 1988). E para tanto Meggers e Evans dividiram a região amazônica a ser pesquisada entre aqueles que já haviam participado do PRONAPA.

De acordo com Prous, os “pronapistas” estudavam as culturas dos povos ceramistas “através de prospecções intensas (mais de 1.500 sítios cadastrados em cinco anos) e sondagens rápidas para caracterizar a evolução da cerâmica nos locais testados”, ou seja, os povos “mais recentes” eram considerados horticultores “tribais” em clara oposição às populações sem cerâmica, supostamente formadas por bandos de caçadores coletores. Dessa forma, Meggers, Evans e seus colaboradores pronapistas “criaram um quadro de tradições arqueológicas que ainda não foi substituído” (PROUS, 1992, p.29).

No documento RAQUEL FROTA RODRIGUES (páginas 51-59)