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JULIAN STEWARD

No documento RAQUEL FROTA RODRIGUES (páginas 47-51)

A CIÊNCIA ARQUEOLÓGICA: UM BREVE HISTÓRICO

LIMITAÇÕES DO EVOLUCIONISMO PARA EXPLICAÇÃO ARQUEOLÓGICA DA AMAZÔNIA SUL OCIDENTAL.

3.1 JULIAN STEWARD

De acordo com as autoras do livro Antropologia, uma introdução, Marina de Andrade Marconi e Zelia Maria Neves Presotto, a base postular da corrente teórica evolucionista, dentro da disciplina

antropológica, pressupõem: Sucessão Linear, que consiste em estabelecer etapas de evolução pelos quais todas as sociedades passariam até alcançarem a civilização, com alta complexidade cultural e desenvolvimento tecnológico; Método Comparativo, que consiste em “ordenar os fenômenos observados de acordo com os princípios estabelecidos e interpretados como uma ordem cronológica”, assim “primeiramente, os fatos ou objetos de estudo eram devidamente detalhados e depois classificados e organizados em categorias sucessivas”; Sobrevivência, que consiste na perpetuação em determinada sociedade, de um fenômeno originário em épocas anteriores, em condições diversas. (MARCONI E PRESOTTO, 2009, p.249)

Ainda dentro deste contexto teórico metodológico, surge no início do século XX a corrente teórica denominada neo-evolucionismo que se caracteriza pela abordagem da evolução social enquanto um elemento intimamente relacionado com a evolução tecnológica. Dessa forma, de acordo com Marconi e Presotto, os neo-evolucionistas continuaram a preocupar-se com as fases do processo de evolução cultural, porém deram uma ênfase muito maior ao aspecto material e técnico da cultura (MARCONI E PRESOTTO, 2009: p.249). Um dos principais representantes dessa corrente teórica foi o norte americano Julian Steward, cujas teorias acerca das populações indígenas da América do Sul, em especial o Brasil, influenciaram diversos autores.

Segundo Francisco Noelli e Lucio Menezes, Steward foi o “organizador dos seis amplos volumes do monumental Handbook of South American Indians, publicados entre 1946 e 1949 pelo Bureau of American Ethnology da Smithsonian Institution”. Baseando-se nas informações coletadas pelos diversos co-autores do referido Handbook e em suas próprias pesquisas, Steward tece acerca das populações nativas das regiões do leste da America do Sul, repartindo-as por áreas culturais, através de interpretações de cunho arqueológico (NOELLI E FERREIRA, 2007, p.1249).

De acordo com Robert Carneiro, Steward ao editar o Handbook procurou organizar as culturas da América do Sul de acordo com alguma lógica que fosse mais que meramente geográfica. E considerando que existia pouca evidencia arqueológica disponível, Steward teve que “tentar essa reconstrução com base na etnologia do continente e em certas noções de ecologia cultural”. (CARNEIRO, 2007, p.118) Assim, estipulou uma tipologia, baseada em áreas culturais, e assim

classificou: marginal, área cultural onde se encontram o que hoje se pode entender por bandos; floresta tropical, área onde se encontram o que se refere hoje a tribos ou aldeias autônomas; circum- caribenho, que hoje se pode compreender por cacicados; e andino, que hoje se relaciona com o conceito de Estado organizado. Como é possível perceber, mais que áreas culturais, tal tipologia é na realidade uma classificação que correlaciona lugares geográficos específicos a “fases de evolução” cultural.

De acordo com André Prous, Steward elaborou um quadro teórico segundo o qual as populações indígenas amazonenses estavam entre o estágio socioeconômico considerado por ele como marginal, não o ultrapassando devido a pressões ecológicas negativas. (PROUS, 1992, p.427). Dessa forma, para Steward toda a Amazônia, área de floresta tropical, não permitiria inicialmente a emergência de grupos de outros níveis além do marginal, entretanto:

[...] houve um movimento migratório de populações subandinas de nível ‘circuncaraíba’, que saíram da Colômbia para seguir o litoral atlântico. Ao chegar à foz do Orenoco, ter-se-iam separado em dois grupos: o primeiro, dirigindo-se para as Antilhas, conseguiu manter lá seu padrão cultural tradicional; o segundo prosseguiu a caminhada pelo litoral das Guianas, chegando finalmente à foz do Amazonas, subindo em seguida o grande rio, continente adentro. (PROUS, 1992, p.427)

E o que aconteceu com essas populações de nível circum-caraíba, que adentraram pela foz do rio Amazonas? A resposta de Steward é que essas populações, de alto nível cultural ter-se-iam degenerado em meio à mata tropical. Ou seja, não tiveram problema algum em subjugar os povos tidos como marginais que encontraram vivendo lá, afinal estavam em um nível cultural superior, “porém o que lhes causou problema foi o meio-ambiente”. Devido ao clima chuvoso e o solo pobre que encontraram na região, não puderam sustentar a agricultura intensiva sobre a qual tinham se baseado, e da qual necessitavam para manter o seu nível cultural (CARNEIRO, 2007, p.119). Então:

No meio hostil da mata tropical, incapazes de manter uma agricultura intensiva em solos pobres, estes migrantes abandonaram suas características, como chefia institucionalizada, cultos complexos, etc. Acabaram estabilizando sua cultura num (nível)‘de floresta tropical’, intermediário entre os dos indígenas ‘marginais’ e seu ancestral ‘circuncaraíba’. (PROUS, 1992, p.427)

Assim, “tais grupos, relativamente evoluídos, decaíram culturalmente ao pisarem nas áreas de terra firme”, pois estando “afastados dos cursos d’água e de seus recursos, os agrupamentos rarearam demograficamente, debilitaram-se culturalmente nas áreas marginais e nas áreas de floresta tropical”. Em suma, para Steward assim que estivessem afastados dos cursos d’água e dos recursos naturais proporcionados por estes, os agrupamentos tenderiam a debilitar-se cultural e demograficamente, “dispersando-se em um estilo de vida nômade, já que o solo nas áreas marginais e nas áreas de floresta tropical seriam adversos a ocupação humana” (NOELLI E FERREIRA, 2007, p.1250).

Foi então que Steward fundou uma dicotomia generalizante: a várzea e a terra firme. E aqui se faz necessária uma conceituação. Terra firme “é a terra alta o suficiente em relação aos rios adjacentes de forma que nunca é inundada”, e sendo assim, devemos pontuar que a maior parte da Bacia Amazônica constitui-se de terra firme. Quando o termo várzea é empregado, refere-se especificamente às “terras baixas ao longo do Amazonas e outros rios maiores que sazonalmente transbordam suas margens e inundam ao redor”, tal processo enriquece os solos, transformando-os em potencialmente agrícolas, pois “uma vez que sua fertilidade é renovada cada ano, não precisa ser abandonada após somente dois ou três anos”, contrariando a regra para a terra firme. (CARNEIRO,2007, p.119)

Na região de várzea, as populações seriam mais numerosas, pois contariam com ofertas naturais e solos agricultáveis que permitiriam uma melhor adaptação evolutiva, o oposto aconteceria nas regiões de terra firme. Com solos relativamente pobres e longe dos principais cursos d’água, as populações de terra firme estariam fadadas ao estágio marginal. Logo, para Steward a cultura de nível floresta tropical “não tinha se desenvolvido a partir das culturas marginais, mas tinha involuído a partir da cultura circum-caribenha” (CARNEIRO, 2007, p.120).

Pois, se o ecossistema Amazônico não sustenta culturas de nível circum-caribenhas, não pode, obviamente, dar origem a elas.

Em suma, Steward filtra o conceito de degeneração, purifica-o das máculas da miscigenação. Contudo, concordando com a influência negativa dos trópicos no crescimento demográfico e na complexidade cultural, esse autor reproduziu as mesmas moedas correntes à época da monarquia, os mesmos estereótipos cunhados para as sociedades indígenas. (NOELLI E FERREIRA, 2007, p.1250)

Pode-se afirmar que as hipóteses teóricas formuladas por Steward, ora recorrendo a explicações difusionistas para as possíveis migrações, ora ao neo-evolucionismo para explicar os níveis e complexidades culturais dos povos indígenas, expressam sua profunda ligação com a arqueologia ligada à antropologia. Sendo esta uma corrente teórica bastante disseminada nos Estados Unidos, seu país de origem. É necessária a compreensão de que foi, principalmente com base nas explicações formuladas por Steward, que se desenvolveram as pesquisas arqueológicas na Amazônia na primeira metade do século XX.

A idéia principal presente em todas as abordagens diz respeito ao fato de que todas as populações deveriam passar por esses estágios evolutivos até alcançar a civilização. O fator determinante para ocorrer essa mudança será o aparecimento de uma nova tecnologia, possivelmente de origem externa da sociedade. Foi a partir dessa idéia que Meggers desenvolveu o seu trabalho para explicar as fases evolutivas que uma sociedade. (ROSA, 2008, p. 74)

Ao separar as áreas ocupadas por povos indígenas em tipos mais ou menos uniformes de ecologia, Steward desenvolve um modelo de estágio cultural adaptativo. Suas hipóteses desembocaram na construção de uma corrente teórica, que muitos autores denominam como determinismo ecológico, e tem como sua principal representante a arqueóloga Betty Meggers.

No documento RAQUEL FROTA RODRIGUES (páginas 47-51)