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4 O JULGAMENTO ANTECIPADO PARCIAL DO MÉRITO À LUZ DA LE

4.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

4.1.2 Antecedentes históricos

Parte da doutrina sustenta que o julgamento antecipado parcial do mérito, previsto no artigo 356 do Código de Processo Civil de 2015, não se trata de uma inovação jurídica, visto que o Código de Processo Civil de 1973 já trazia a possibilidade de fracionamento do mérito em seu artigo 273, §6º37. Todavia, torna-se necessário diferenciar os mencionados institutos (LUCON, 2015, p. 590).

Inicialmente, insta salientar que por muitos anos o ordenamento jurídico brasileiro civil vedou o fracionamento do mérito, ou seja, a questão de mérito posta à apreciação do poder judiciário somente poderia ser analisada em uma sentença única, que põe fim ao processo (CAVALCANTE, 2011).

No Código de Processo Civil de 1973, tal proibição era expressa, em razão do conceito de sentença trazido pelo artigo 162, §1º, como sendo o “ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa” (BRASIL, 1973).

37 Dispõe o artigo 273, §6º, do Código de Processo Civil de 1973: [...] §6º A tutela antecipada também poderá ser

concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso. [...] (BRASIL, 1973).

Ainda, a definição de decisão interlocutória prevista no artigo 162, §2º, do mencionado Código38, corroborava com a referida vedação, visto que esta não poderia resolver questões de mérito, apenas questões incidentais no curso do processo (STRECK; NUNES; CUNHA, 2016, p. 323).

Todavia, com o advento da Lei nº 11.232/05, o conceito de sentença foi alterado. Passou-se a conceituar sentença o pronunciamento do juiz que resultasse em quaisquer das hipóteses previstas nos artigos 267 ou 269 do Código de Processo Civil de 1973 (NEVES, 2016, p. 1353).

Para Gajardoni (2015, p. 1317), “a justificativa para a alteração era de que se inaugurava no País [...] a sistemática do processo sincrético, [...] em que as atividades executivas (cumprimento de sentença) ocorreriam em continuidade à fase de conhecimento”.

No entanto, entende-se que a referida alteração não interferiu na teoria da unidade do julgamento do mérito adotada pelo Código de Processo Civil de 1973 (BASILIO, 2016). Isso porque, o Superior Tribunal de Justiça acabou reconhecendo a impossibilidade de fracionamento do mérito na vigência do mencionado Código, ante a mantença da premissa, embora que não mais expressa, de que a sentença põe fim à fase de conhecimento do processo (CARVALHO, 2016).

Apesar disso, parte da doutrina passou a sustentar que a hipótese prevista no artigo 273, §6º, do Código de Processo Civil de 1973, instituída pela Lei 11.444/02, tratava- se, na verdade, de um julgamento antecipado parcial do mérito (FERRARI NETO, 2017).

Não obstante, pela simples análise do dispositivo, verifica-se que a hipótese referia-se a uma espécie de tutela antecipada, visto que era tratada como tal, estava prevista no artigo destinado a esse instituto, aplicando-se a ela todas as regras nele constantes. Assim, constata-se que o magistrado realizava um juízo de cognição sumária, motivo pela qual, ao final do processo, poderia rever sua decisão, confirmando ou não a tutela concedida antecipadamente (NEVES, 2016, p. 1127).

Contudo, ainda que se admitisse o §6º do artigo 273 do Código de Processo Civil de 1973 como uma espécie de julgamento antecipado parcial do mérito, denota-se que a sistemática do mencionado código não comportava essa inovação.

Isso porque tratando-se de decisão parcial de mérito, impugnável via agravo de instrumento, tal decisão não geraria coisa julgada, não caberia ação rescisória e não

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Alude o artigo 162, §2º, do Código de Processo Civil de 1973: [...] Decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente [...] (BRASIL, 1973).

constituiria titulo executivo judicial, já que tais institutos ocorrem unicamente nas sentenças, como traz expressamente nas redações dos artigos 467, 485 e 475-N do Código de Processo Civil de 1973 (DINAMARCO, 2009, p. 284).

A fim de acabar de vez com as divergências doutrinárias acerca do tema, o Código de Processo Civil de 2015 passou a prever expressamente a possibilidade de cisão da solução do mérito, instituindo o tão mencionado julgamento antecipado parcial do mérito (SANTOS, 2016).

Assim, ao contrário do disposto no artigo 273, §6º, do Código de Processo Civil de 1973, o julgamento antecipado parcial do mérito prevê a análise definitiva de um dos pedidos ou de parte deles, nos casos expressamente previstos em lei, não necessita de confirmação posterior (ROQUE, 2016a, p. 164).

Além disso, toda a sistemática do Novo Código de Processo Civil foi alterada para possibilitar este fracionamento. Alterou-se o conceito de sentença e de decisão interlocutória, passando-se esta última a constituir título executivo judicial, e a coisa julgada e a ação rescisória não estão mais adstritas às sentenças de mérito, pondo fim à controvérsia estabelecida no antigo código (THEODORO JÚNIOR, 2014, apud BONFIM, 2017).

Importante ressaltar, ainda, que tal hipótese não se confunde com a tutela de evidência prevista no artigo 311 do Código de Processo Civil de 201539, visto que esta é “sempre deferida em cognição sumária e em caráter provisório. Portanto, precisará ser sempre substituída pelo provimento definitivo” (GONÇALVES, 2016, p. 370).

Destarte, pondo fim a controvérsia acerca da existência do julgamento antecipado parcial do mérito no Código de Processo Civil de 1973, passar-se-á às hipóteses de cabimento do julgamento antecipado parcial do mérito.

39 Dispõe o artigo 311 do Código de Processo Civil de 2015: A tutela da evidência será concedida,

independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando: I - ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte; II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante; III - se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto, fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável. Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente (BRASIL, 2015).

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