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CAMPO E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ADOTADOS

6.1. Antecedentes de Pesquisa

É como mulher negra, estudante de pós-graduação com foco em políticas públicas de educação, egressa desde as primeiras letras até a escolha de curso superior de instituições de educação pública e, por fim, oriunda da militância do movimento social negro, que influenciada pelas experiências vividas nesses espaços busco refletir sobre os aspectos educacionais, históricos, sociológicos, culturais e políticos formadores do nosso país, sobretudo, aquelas com implicações para a população negra. Nesse itinerário, quatro experiências de estudo e trabalho com a temática racial foram importantes para a idealização e consolidação desse relatório de pesquisa.

A primeira experiência se deu no Centro de Convivência Negra – CCN-UnB – no qual exerci a função de coordenadora adjunta por um período de dois anos (2005 e 2006). Nessa oportunidade, trabalhei com um dos projetos administrados pelo Centro de Convivência Negra, denominado Cotistas na Escola. O projeto Cotistas na Escola pautou-se pela promoção do sistema de cotas para negros e indígenas da Universidade de Brasília nas escolas de ensino médio público e privado do Distrito Federal e Região do Entorno, bem como em empresas públicas e privadas, empregadoras do trabalho juvenil, tendo suas atividades finalizadas em 2008115. Atualmente, o CCN tem como objeto de trabalho a assessoria dos estudantes negros, oriundos ou não do sistema de cotas116, sobretudo, os estudantes de baixa renda econômica (pertencentes aos grupos I e II – carentes e semicarentes) de acordo com a classificação dada pela Diretoria de Desenvolvimento Social – DDS117 e derivada da análise do perfil socioeconômico individual.

No âmbito do projeto Cotistas na Escola, pude observar uma grande distância entre a escola pública e a universidade pública. Tais dificuldades possuem naturezas diversas e estão localizadas tanto dentro como fora do próprio espaço escolar. Entre os problemas observados,

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No primeiro semestre de 2006 foram realizadas quinze palestras para estagiários do ensino médio em empresas e órgãos públicos, tais como: Eletrobrás, Pão de Açúcar, Câmara dos Deputados, SENAI, SENAC. 116Mesmo carentes de estudos, sabe-se que alguns estudantes negros optam por prestar vestibular pelo sistema Universal. A cota racial promovida pela UnB é uma regra com conotação identitária, ou seja, foi constituída para aqueles que se autoclassificam como negros. Via de regra o trabalho com estudantes negros no CCN independe da opção de seleção adotada por cada estudante, o CCN busca realizar seu trabalho com o viés racial e não econômico.

117 A Diretoria de Desenvolvimento Social – DDS – é parte integrante do Decanato de Assuntos Comunitários – DAC – da UnB e se reserva ao apoio socioeconômico geral dos estudantes da universidade em nível de graduação e pós-graduação.

destacamos a falta de informações docente e discente sobre as políticas e as ações promovidas pela universidade como um todo, tal como isenção de taxa para estudantes pobres, mistificação em torno dos cursos de graduação, dificuldades de acesso à formação pré- vestibular, distância entre os conteúdos cobrados na seleção vestibular e aqueles trabalhados na escola pública. Outro problema que merece ressalva é a vulnerabilidade do espaço escolar em sua maioria, espaços degradados pela violência, pelo abandono de seu espaço físico, pela falta de profissionais melhor qualificados, pela falta de instrumentais auxiliares do processo educativo, tais como bibliotecas atualizadas, laboratórios de informática, laboratórios de ciência. O corpo discente, em grande parte também sofre com os problemas próprios da condição juvenil negra e pobre, como a necessidade precoce de trabalhar que corrobora com a falta de tempo para dedicação aos estudos, à distância entre o que é cobrado pelos currículos escolares e a vida cotidiana, isso para citar alguns problemas. No tangente às ações afirmativas, pude observar a mistificação do direito que é visto como concessão por parte dos professores e da própria escola, “ideologia” repassada de forma facial para o corpo discente.

As cotas, recordando a fala de um estudante da cidade satélite de Planaltina, são “um benefício” e, na ideologia do “sucesso pelo mérito”, adotá-las pode ser visto como fracasso e não como direito. Em resumo, observei que, de certo modo, as informações sobre as cotas, bem como sobre a própria universidade chegam à escola pública de modo distorcido e são trabalhadas de forma estigmatizada, equivocada. Tal questão constitui-se como um problema de toda a sociedade e não somente da universidade ou mesmo da escola isoladamente.

A terceira experiência transcorreu no âmbito da pesquisa de iniciação científica, vinculada ao grupo de estudos e pesquisas em gênero, raça-etnia e juventude – GERAJU – financiada pelo CNPq, no curso de graduação em licenciatura em pedagogia, denominada “trajetória familiar e escolar de jovens que ingressaram pelo sistema de cotas da Universidade de Brasília”, coordenada pelas professoras Denise Botelho e Wivian Weller. Nesse projeto, tive a oportunidade de desenvolver uma monografia de final de curso intitulada Percepções sobre o Centro de Convivência Negra da UnB no ano de 2005.

Neste trabalho monográfico, buscamos compreender as visões de estudantes da Universidade de Brasília, autodeclarados brancos, negros, indígenas e outras denominações, de origens sociais distintas, sobre o Centro de Convivência Negra da Universidade de Brasília. O centro de Convivência Negra nasceu como proposta de espaço político para a inserção, valorização e discussão da temática negra no espaço da academia.

Como resultado de pesquisa, pudemos observar, embora de forma geral, um olhar “místico” sobre o espaço. Visto como espaçocultural, cultura entendida como recreação,ele é

percebido com descrença por parte do alunado da Universidade. Recordando a fala de uma estudante, “trata-se de um espaço para aprender cultura africana, não é? Um espaço para arrumar o cabelo, ouvir música africana, Bob Marley, fazer festa”.

A quarta experiência transcorreu no período de março de 2007 a janeiro de 2009, no trabalho como técnica em assuntos educacionais no Núcleo de Promoção da Igualdade Racial – NPIR – do Decanato de Extensão – DEX-UnB. Constituído através do ato institucional n°27-2007, o NPIR foi criado após o incêndio criminoso ocorrido em dois apartamentos habitados por estudantes negros de origem africana na Casa do Estudante Universitário – CEU-UnB –, em 2007. Tal incidente teve repercussão nacional e internacional118. A repercussão negativa do incidente levou o governo brasileiro a pronunciar-se oficialmente, lamentando o episódio e expressando o seu comprometimento em combater práticas racistas e xenofóbicas em território nacional. Como resposta política ao incidente, a Universidade instituiu o grupo de trabalho “Contra a Discriminação Racial da Universidade de Brasília”, através do ato 759 da Reitoria em 08 de maio de 2007. A primeira responsabilidade do grupo foi a criação de um programa de trabalho denominado “Programa de Combate ao Racismo e à Xenofobia – PCRX/UnB”. De filosofia e práxis antidiscriminatória, o PCRX tem como proposta pedagógica estabelecer no âmbito da universidade um processo educativo, cultural, científico e político contínuo, antirracista e antixenofóbico, com vistas à divulgação, patrocínio e valorização da diversidade étnico-racial brasileira no âmbito da universidade (IPEA, 2009).

Por último, faço valer a experiência de pequena duração no ano de 2009, obtida junto ao Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA –, na Diretoria de Estudos Sociais – DISOC –, pasta Igualdade Racial. No IPEA tive a oportunidade de entrar em contato com alguns indicadores sociais relativos às condições de vida da população negra, sua vivência com a discriminação racial, traduzida, sobretudo, no parco acesso aos benefícios produzidos socialmente, entre os quais a educação superior pública. Tais dados serviram de baliza para a confecção desta dissertação.

Este relatório de pesquisa foi vislumbrado antes mesmo de ser selecionada pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília. De modo específico, o caminho começou a ser concebido através das pesquisas no âmbito do GERAJU, no trabalho como pedagoga no Centro de Convivência Negra e Núcleo de

118 http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,MUL16204-5598,00.htm (acesso em 30 de março de 2007).

http://noticias.terra.com.br/brasil/interna/0,,OI1521130-EI306,00.html (acesso em 4 de abril de 2007)

http://www.direitos.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=2822&Itemid=2 (acesso em 4 de abril de 2007).

Promoção da Igualdade Racial, e “temperado” pelos indicadores sociais sobre a população negra do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA – ou seja, parte do campo pode ser antecipou-se ao estudo teórico nas experiências relatadas. No entanto, nem somente de experiências acadêmicas é composta esta pesquisa.

Somam-se às experiências como pesquisadora, conhecimentos, anteriores à estadia na universidade, pensamentos cotidianos, atravessados pelas identidades mulher, negra, militante do Movimento Negro, estudante universitária, classe trabalhadora, de pessoa que ao mesmo modo de milhares de outros estudantes negros, oriundos em sua grande maioria também de escolas públicas, as mesmas comentadas acima por este trabalho, tentam ocupar o espaço ainda tão elitizado, pouco democrático, fechado, chamado universidade brasileira. Desse modo, restam-nos duas perguntas: 1) é possível afirmar a existência de certa miopia sobre a importância social e política das políticas públicas de ação afirmativa, sobretudo, as de recorte racial? Pergunta que não se cala: O que fazer?