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2. CAPÍTULO II: RACISMO E RELAÇÕES RACIAIS NO BRASIL.

2.2. Brasil República

As primeiras décadas pós-abolição da escravatura no Brasil, quando visto a partir das percepções dos agora “libertos”, em nada foi modificado. A abolição da escravatura no país, que por um lado acabara por cancelar a diferença entre brancos e não brancos por força da lei, na prática, terminou por trocar um tipo de desigualdade por outro, uma vez que a situação social e econômica dos negros continuou a mesma para a grande parte deste contingente.

Ao contrário do que se poderia esperar, a sonhada liberdade republicana nada mais significou que abandono, ostracismo, insegurança econômica para a maior parte da população negra. Grande era a quantidade de pessoas negras totalmente desocupadas, desempregadas, em situação total de mendicância, no lumpesinato completo. Libertos da escravidão da Casa Grande, os negros, nas primeiras décadas pós-abolição e de regime republicano, travaram grande luta contra a “nova condição social”, travaram disputa, entre outros, contra o escasseamento dos postos de trabalho, agora ocupados por imigrantes europeus, contra o estigma derivado dos tempos de outrora da mesma forma que contra os valores instituídos pelo sistema capitalista em sua nova forma de expressão. Ao contrário do expresso pelo termo “liberdade”, os negros nesta nova quadra passaram a se defrontar com novos tipos de exploração de seus corpos e personalidades (SCHMIDT, 2007).

De acordo com Schmidt (2007), não houve reforma agrária ou mesmo indenização de qualquer espécie voltada para a população negra recém liberta. Para o autor, o governo nem sequer se preocupou em construir escolas, ou mesmo em pensar políticas de trabalho para a inserção da grande quantidade de negros disponíveis no mercado à época. Sobre o papel destinado aos negros, sobretudo, nas primeiras décadas de República, Souza (2006) destaca:

A maioria dos negros e mestiços foi mantida nos segmentos mais desfavorecidos da população, não só pela precariedade das oportunidades oferecidas para a sua educação e aprimoramento profissional, como também pela preferência por pessoas de pele mais clara para ocupar os melhores cargos no mercado de trabalho (Souza

2006, pgs. 142 e 143).

Na década de 1950, anos depois da Segunda Guerra mundial (1939-1945), a democracia racial brasileira é ressaltada como exemplo de experiência positiva de convívio

36 De acordo com Jaccoud (2008, p. 55) “o termo „democracia racial‟ emergiu na década de 1940 em artigos escritos por Roger Batisde na imprensa nacional (...), mas impõe-se no debate nacional a partir da divulgação da obra de Gilberto Freyre na década de 1950”.

entre as diferentes raças, por representantes37 da UNESCO. Trata-se de um período delicado à temática étnica e racial em função do genocídio de milhares de judeus e tipos raciais não brancos em diversos países da Europa. Neste mesmo período, observaram-se grandes mudanças políticas e econômicas, esta última provocada pela crescente industrialização (OSÓRIO, 2004).

Entre as décadas de 1950 e 1960, a ideia de democracia racial passa a ser questionada. Mais uma vez estudiosos ligados a UNESCO colocaram-se no exame da questão racial no Brasil, questionando-a.38 Guiados por diferentes discursos e metodologias, estudiosos como Costa Pinto, Oracy Nogueira, Roger Bastide e Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso39, Otavio Ianni, entre outros, chegaram a uma mesma conclusão: a falácia da democracia racial, ou seja, que existia racismo no Brasil e que este atuava como empecilho para a melhoria das condições de vida da população negra como um todo. Tal conclusão foi levada a cabo a partir de algumas observações como, por exemplo, de que os negros, mesmo depois de finda a escravidão continuavam situados “nos extratos sociais inferiores, nas ocupações menos valorizadas e nos ramos de atividade econômica que remuneram menos e que oferecem trabalhos manuais, exaustivos e deletérios” (OSÓRIO, 2004, p. 11).

Desta feita, tem-se que, o racismo e o preconceito racial se desenvolveram no Brasil, depois da abolição da escravatura de forma velada, invisibilizada e camuflada pela ideia republicana de democracia racial. Estava comprovado através de bases científicas, o que na prática já era vivenciado pela população negra: a equidade apregoada pelo discurso da igualdade entre as três raças formadoras da nação brasileira não encontrava materialidade nas relações cotidianas e que as relações entre brancos e negros, 70 anos pós-abolição, continuavam fortemente verticalizadas. Ou seja, o racismo era parte constitutiva da vida das pessoas negras brasileiras, impactando-as material, psicológica e simbolicamente (TELLES, 2003). No tanger de mais de uma década, com exceção da Lei Afonso Arinos, datada de 195140, que de acordo com Hasenbalg (1979, p. 224), “nascera com o propósito de punir a

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Artur Ramos representante brasileiro na UNESCO propôs o Brasil como exemplo de uma experiência bem- sucedida de relações raciais (TELLES, 2003).

38 Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso e Oracy Nogueira são exemplos de estudiosos que questionaram a validade da democracia racial brasileira na década de 1960 através do estudo financiado pela UNESCO (TELLES, 2003).

39 Fernando Henrique Cardoso foi Presidente da República no Brasil no período de 1994 a 2002.

40 A Lei 1390 de 1951, conhecida como “Lei Afonso Arinos”, inclui entre as contravenções penais a prática de atos resultantes de preconceitos de raça ou de cor. Disponível em <http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/128801/lei-afonso-arinos-lei-1390-51> (acesso em 30 de setembro de 2010).

discriminação de raça e cor em lugares públicos” 41

, nenhuma política pública de inclusão ou reparação social fora admitida pela sociedade brasileira a favor da população negra42. Temos para a ocasião seguinte, especificamente entre os anos de 1964 a 1985, uma ditadura militar marcada, sobretudo, pela manifestação de ideais nacionalistas, totalitários e mestiços.