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As Ações Afirmativas como política de inclusão na Educação Superior

5. CAPÍTULO V: EDUCAÇÃO SUPERIOR, AÇÕES AFIRMATIVAS E O SISTEMA DE COTAS DA UnB

5.4 As Ações Afirmativas como política de inclusão na Educação Superior

A presente proposta parte da ideia de política pública como sendo, no seu processo de elaboração e implementação e, sobretudo, em seus resultados, formas de exercício do poder político, envolvendo a distribuição e redistribuição do poder, o papel do conflito social nos processos de decisão, a repartição dos custos e benefícios sociais”. Nesse sentido, definimos políticas públicas como um conjunto de ações e decisões tomadas pelos governos e respaldadas socialmente para a solução dos problemas comuns, de interesse público (TEIXEIRA, SEM DATA). Portanto, política norteadora da ação dos poderes públicos, regras e procedimentos para as relações entre o poder público e a sociedade civil, traduzindo em seu bojo o desejo de exercício do poder político, envolvendo a distribuição e redistribuição de poder. De acordo com Teixeira (2002), o poder é uma relação social que envolve atores distintos, de variados níveis, com interesses e projetos diferenciados e até mesmo contraditórios. Nesse sentido, tem-se a necessidade de mediação social e institucional para a construção das políticas públicas para que se possa obter o mínimo de consenso e, desse modo, seja legitimado por meio da eficácia delas esperadas.

No Brasil, o debate sobre cotas raciais data da década de 1940 pressionado pelo Movimento Negro. No entanto, observamos que o tema ganha notoriedade no seio do Movimento Negro, quando da formação do Movimento Negro Unificado – MNU – em 1978 e no grande público, sobretudo, no âmbito da imprensa, da academia e do parlamento nas décadas de 1990 e 2000, mais precisamente a partir da Marcha Zumbi + 10 pela Vida e da III Conferência de Durban, esta última ocorrida em 2003 na cidade de Durban na África do Sul (JACCOUD, 2009). Podemos citar, como exemplo de ação afirmativa, implementadas no Brasil, as cotas para mulheres nos partidos políticos (Leis 9.500/95, 9.504/97 e 12.034/09) (ALVES, 2004), as cotas para estudantes negros, indígenas e estudantes de educação superior (Lei 12.711/12)111 e as cotas para deficientes físicos (8.213/91)112

No que diz respeito à educação superior, Moehlecke (2002) destaca que ao redefinirem seus mecanismos de entrada e permanência por meio das ações afirmativas, as universidades transformam-se em espaços mais plurais, equânimes e democráticos do ponto de vista social e político. Por um lado, as cotas, enquanto mecanismos de ação afirmativa, sobretudo, as de recorte racial, têm ganhado destaque nas discussões acadêmicas e na opinião pública geral, principalmente, no que tange à sua adesão por universidades públicas.

Por outro lado, o debate sobre cotas para estudantes negros na educação superior tem enfrentado a resistência de setores específicos da sociedade. Entre as inúmeras alegações contra a implementação desse tipo de ação afirmativa, encontramos a de que o Brasil é um país com total igualdade racial, derivada por sua vez do mito da democracia racial. De acordo com esse mito, sendo o Brasil um país mestiço, nem branco, nem negro, nem indígena, fruto da mistura biológica de todas as raças, não há o porquê classificar a população do ponto de vista racial. A possibilidade de mistura biológica fez do Brasil, um país onde todas as raças passaram a ser vistas e tratadas como uma só. “Não existe negro, não existe branco. Somos um povo moreno, tropical.” O problema do Brasil - panfletam os partidários da democracia racial - é somente de classe social. Para estes, a criação de cotas com recorte racial para estudantes negros nas universidades públicas soa como aberração injusta e antidemocrática. No entanto, o que se observa na prática é que as populações branca, negra e indígena não gozam do mesmo estatuto da igualdade de direito de acesso aos benefícios socialmente

111 Lei 12.711/12 que regulamenta 12,5% das vagas nos sistemas de seleção a alunos oriundos de escolas públicas, pretos, pardos e de baixa renda. Para maiores informações acessar: Presidência da República, Casa Civil, Subchefia de Assuntos Jurídicos. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12711.htm> (Acesso em 12 de setembro de 2012).

112 Lei 8.213/91 que regulamenta a contratação de pessoas deficientes nas empresas privadas e concursos públicos. Para maiores informações acessar: Presidência da República, Casa Civil, Subchefia de Assuntos Jurídicos. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8213cons.htm> (Acesso em 12 de setembro de 2012).

produzidos (GUIMARÃES, 2004).

Para os contrários às cotas raciais o seu estabelecimento não encontra razão de ser em função da igualdade-proximidade genética da população. Uma vez constatada uma unidade biológica nacional, fica aferida a igualdade racial (e econômica) entre todas as pessoas. Ante ao exposto, fica uma pergunta não respondida pela biologia: como explicar os diferentes indicadores sociais de brancos e negros que ainda persistem? Como explicar a difícil ascensão social da população negra no Brasil? Devemos mesmo responsabilizar os negros por sua própria exclusão?

A segunda alegação dos que se opõem às cotas raciais é a de que o acesso à universidade se dá somente em função do desnível educacional da massa estudantil. Na opinião desse grupo, no Brasil, o “desnível educacional” é provocado somente pela baixa qualidade da educação pública acionada sobremaneira pela população pobre. A argumentação está correta, mas incompleta: desconsideram-se as implicações produzidas pelo racismo na organização social e econômica das pessoas negras, seus impactos psicológicos e escolares. Um dos aspectos desconsiderados pelos contrários às cotas raciais são as imbricações do racismo no ambiente escolar e familiar (CAVALLEIRO, 2000). No mais, tais constatações revelam uma verdadeira miopia aos indicadores sociais que ainda registram, 120 anos após a abolição da escravidão, diferenças abismais entre negros e brancos no país (MOEHLECKE, 2002; IPEA, 2009; JACCOUD, 2009).

No tangente à educação superior privada, o governo federal criou em 2004 o Programa Universidade para Todos – ProUni – través da Lei Federal 11.096/05, com vistas à concessão de bolsas de estudos integrais e parciais a estudantes classificados como de baixa renda econômica, no nível de graduação e cursos sequenciais de formação específica. Para Jaccoud (2009), o ProUni destaca-se por beneficiar parte considerável da massa estudantil negra, por ter como foco os recortes de renda e raça.

Outros exemplos de ação afirmativa merecem destaque, entre elas, o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES), formatado como modalidade de financiamento dos estudos de nível de graduação de estudantes de baixa renda em instituições de educação privada. A terceira modalidade é o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência - PIBID. O PIBID trabalha com a oferta de bolsas de iniciação à docência para alunos de cursos presenciais que se dedicam ao estágio nas escolas públicas e que, quando

graduados, se comprometam a trabalhar no magistério da rede pública de ensino113.