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2. REVISÃO DA LITERATURA

2.5. ANTROPOMETRIA E SOMATOTIPOLOGIA

2.5.4. Anterior investigação em escalada

Alguns estudos sobre escaladores têm surgido um pouco por todo o lado. Não obstante, consideramos que ainda são limitados e por vezes pouco específicos.

Em primeiro lugar, referir-nos-emos sucintamente a estudos realizados em áreas que não se relacionam directamente com o presente estudo, tais como a psicologia e a fisiologia.

Na área da psicologia do desporto surgiram algumas investigações como a de Jackson, em 1967, e Hardman, em 1968 (Hardy e Martindale, 1982), que estudaram a personalidade e os traços psicológicos dos escaladores. Os dados sugeriram que os escaladores eram mais inteligentes, agressivos e auto-suficientes que a população em geral; mas estes tendem também a ser menos conscientes e sofisticados quando comparados com não-escaladores.

Contudo, estudos mais recentes têm surgido na área da psicologia do desporto, com a finalidade de traçar um perfil psicológico dos escaladores desportivos. LeFebvre (1980), avaliou as sensações tidas pelos escaladores antes, durante e depois da escalada realizada em rocha. Concluiu que no início da actividade os escaladores revelavam uma atitude “energética”, reduzindo-a durante a escalada e no final tinham sensações de auto-segurança, força (vigor) e de prazer.

Ainda mais recentemente Goma (1991) investigou a relação entre traços de personalidade e a participação em actividades desportivas de elevado risco, constatando-se que os participantes do estudo partilhavam características de extroversão, estabilidade emocional, conformidade com as normas sociais e procuravam a “excitação” através de meios socializáveis.

Ao nível da fisiologia, alguns autores procuraram relacionar as características fisiológicas na optimização do desempenho em escalada. Sheel et al. (2003) refere que quando se aumenta a dificuldade em escalada aumenta também a via energética anaeróbia devido à elevação do lactato sanguíneo e uma desproporcional elevação da frequência cardíaca em relação ao consumo de oxigénio. Contudo, o regime de treino ideal para optimização do desempenho em escalada não foi identificado. W atts (2004), por sua vez, tentou categorizar aspectos fisiológicos da escalada de rocha de dificuldade, concluindo que os escaladores por norma não possuem uma capacidade aeróbia elevada.

Na área sobre a qual incide o nosso trabalho, a antropometria e somatotipologia, foram realizados alguns estudos, a esmagadora maioria por autores estrangeiros.

Relativamente à realidade portuguesa, existe, até à data, um único estudo de caracterização do perfil antropométrico e

somatotipológico de escaladores portugueses, produzido por Belo, em 1996. Tendo em vista o objectivo de averiguar até que ponto são necessários determinados requisitos somáticos para a prática da escalada, o autor comparou escaladores em fase e iniciação com escaladores de elite.

No que diz respeito a trabalhos estrangeiros, mais abundantes, foram realizados estudos com escaladores no intuito de: averiguar o perfil antropométrico e somatotipológico de escaladores de elite (Viviani e Calderan, 1991) ou de elite e recreacionais indoor (Bertuzzi et al, 2001); relacionar aspectos antropométricos e somatotipológicos com o desempenho desportivo (Mermier et al, 2000); inferir diferenças existentes entre as variáveis somatotipológicas e antropométricas entre escaladores e elite e escaladores recreacionais (Grant, 1996, Grant et al, 2001); averiguar os perfis antropométricos de escaladores desportivos de elite do sexo masculino e feminino (W atts, et al, 1993) e de jovens escaladores (W atts, 2002).

De acordo com a investigação existente em torno de escaladores de elite, estrangeira na sua maioria, foi constatado que estes possuem vantagens ao nível dos traços físicos e das adaptações específicas para a escalada, diferindo em muito da população de não-escaladores. Contudo, apesar dos estudos realizados, não há conclusões que apontem para o estabelecimento de uma relação entre traços físicos e adaptações específicas da escalada com as habilidades motoras e com os resultados dos anos de prática, necessários para atingir a excelência da prestação. Aliás, Mermier (2000) e Sheel et al. (2003) salientam que as determinantes no desempenho da escalada não são ainda suficientemente claras, mas poderão ser mais atribuiveis a variáveis do treino do que a características antropométricas.

Sendo as características antropométricas parte do conjunto das variáveis biológicas relacionadas com este rendimento desportivo, e por se considerar o perfil antropométrico como um factor de selecção muito importante, parece-nos pertinente teorizar acerca das variáveis antropométricas em escaladores. Ao nível da antropometria, chegaram-se a algumas conclusões quanto à relação peso/estatura no escalador. A imagem popular do escalador transmitida pelos

media, a de um indivíduo mesomorfo, tem vindo a ser rebatida pelos

estudos contemporâneos, que apontam para um indivíduo de baixa estatura e com baixa percentagem de massa gorda (W atts, 2004).

Relativamente à estatura, W atts et al. (1996), indicam a estatura baixa como característica dos escaladores; Watts et al. (1999), apontam a grande linearidade na composição corporal. W atts et al. (1993), mensuraram variáveis antropométricas em 39 semifinalistas do “World Cup Sport Climbing Competition”, antes da competição, constatando que os escaladores de elite tendem a ter estatura baixa a moderada e um elevado índice estatura/peso quando comparados com grupos normais de população. Em comparação com valores de atletas de outros desportos, constataram que a estatura e o índice estatura/peso dos escaladores de elite eram similares aos dos corredores de distância, maratonistas e bailarinos, mas não se identificavam com os dos culturistas e ginastas de elite. Em comparação com este grupo, os escaladores de elite foram mensurados por Watts et al. (1996) que identificaram elevada ectomorfia (elevados valores no índice estatura/peso) em relação aos ginastas de elite comparados. Na discussão, os autores consideraram que o elevado grau de ectomorfismo é uma vantagem em escalada por reduzir a “carga de trabalho”. Contudo Gómez et al. (2004) após a análise das características antropométricas de 14 escaladores (7 de

elite e 7 recreacionais) referem a observância de um mesomorfismo equilibrado.

Ao nível da composição corporal, o factor mais importante a analisar é a massa corporal, uma vez que esta é primordial na limitação da força (Sale e Norman, 1983 e Ross e W ard, 1984), sendo que uma elevada percentagem de massa corporal pode impossibilitar uma maior amplitude de movimentos (W atts, 2004) e prejudicar o desempenho da progressão vertical (Hepp et al., 2001). Neste campo é de salientar o estudo de caracterização feito em jovens escaladores de competição (W atts et al., 2003), onde se concluiu que estes jovens têm baixo peso corporal e baixo valor de somatório de pregas de adiposidade subcutânea.

Relativamente à somatotipologia, Vivian e Calderan (1991), concluíram que o somatótipo dos praticantes de escalada livre de elite aparenta ser similar ao dos atletas que têm baixa percentagem de massa gorda, podendo ser os escaladores mesomorfos ou ectomorfos. No entanto, os autores consideram que a excelência do desempenho talvez dependa mais de factores que não se relacionam com a forma corporal, entre os quais a “inteligência motora” e alguns factores psicológicos como a ânsia de aventura, e excitação e a necessidade de praticar exercício físico.

Belo (1996), aponta a predominância mesomórfica nos escaladores que estudou.

Quanto aos índices de proporcionalidade somática Mermier et al. (1997), e Bertuzzi et al. (2001), referem que a flexão dos dedos sobre a mão e os músculos do antebraço são determinantes no desempenho em escalada. Dada a grande solicitação desse grupo muscular - contracções isométricas intermitentes de curta duração e alta intensidade – poderá entrar num processo de hipertrofia muscular.

No que diz respeito às capacidades físicas, temos em consideração a força e a flexibilidade.

Grant et al. (1996), salientam a elevada força muscular específica e força muscular resistente. Binney e Cochrane (sd.) apontam a resistência do antebraço como sendo a chave na predição do desempenho em escalada. De salientar a relação inversamente proporcional entre força e gordura corporal.

Watts et al. (1993), e Grant et al. (1996), concluíram que a força e a resistência do ombro podem ser factores de predicção na capacidade em escalada. Contudo, Grant et al. (1996), propuseram em estudo que os testes “pull-up” e “bent-arm hang” distinguiam escaladores de elite dos recreaceonais e dos não-escaladores. Estranhamente, não foram encontradas diferenças significativas entre os grupos. Ainda sobre este assunto acrescentam que não se sabe se o nível de elite é determinado pela forte capacidade de força e resistência do ombro ou se os resultados advêm do treino. Concluíram contudo que os escaladores de elite tinham um ombro melhor na força resistente e uma maior força nos dedos do que os escaladores “de recreação” e desportistas não escaladores (Grant et al., 1996).

Outro parâmetro a ter em atenção na avaliação das capacidades físicas dos escaladores é a força de preensão manual.

Grant e al. (1996) e Quaine et al. (1997) referem que no que respeita à força de preensão de mãos e dedos, esta parece ter maior índice em escaladores de elite do que em não-escaladores, na prestação da força-de-contacto realizada nas “presas” necessária para manter a posição do corpo na parede. W atts et al. (2003), no estudo feito com jovens escaladores salientam a força de preensão manual como uma qualidade a observar. W atts, P.B. (2004), num artigo de revisão, refere que a activação dos músculos do antebraço

tem sido observada como sendo constante durante o contacto com os “agarres” nas presas na escalada e envolve um grande recrutamento de fibras musculares, que também se constatou através do teste de força máxima com dinamómetro. O mesmo autor refere ainda que existem dados que suportam a sugestão de que a força isométrica e a força concêntrica resistente actuando contra a força excêntrica durante a escalada assumem um papel de grande importância.

A flexibilidade é outro factor essencial na avaliação das capacidades físicas do escalador, já que certos movimentos e posições comuns na escalada parecem requerer um significativo alcance do movimento em articulações específicas, por exemplo, movimentos em que o escalador tem que progredir com o corpo “colado” à rocha, com os pés em oposição, solicitando a abdução e rotação externa da anca (W atts, 2004). Neste campo foram elaborados alguns estudos, principalmente relativos à flexibilidade dos membros inferiores. Grant et al. (1996) avaliaram a flexibilidade da articulação coxo-femural, através do teste “sit-and-reach”, como sendo uma característica determinante no desempenho desportivo. Concluíram que não é significativa a diferença entre escaladores de elite, escaladores recreaceonais e não-escaladores. No entanto, estes autores adiantaram que o teste de flexibilidade adoptado não parece ser o mais indicado para avaliar a referida flexibilidade articular da coxa-femural.

É com autores Grant et al. (2001) que se avalia a flexibilidade da região pélvica a partir de um teste mais específico, o “Leg Span”. Através deste teste avaliaram a flexibilidade (abdução da anca) de escaladores de elite, escaladores recreaceonais e não-escaladores. Os resultados apresentaram diferenças significativas entre os grupos, podendo inferir-se que este tipo de flexibilidade parece ser determinante em escaladores de elite. Efectivamente, do conjunto de

gestos técnicos da escalada a um nível avançado ressalta o “passo alto”, definido pelo apoio do pé ao nível da cintura pélvica, o que é conseguido pela solicitação da abdução e flexão do membro inferior. Podemos ainda referir o “talonamento”, por exemplo, definido pelo apoiar o calcanhar numa protuberância da rocha, por vezes a uma altura da anca ou da cabeça, de modo que a perna actue como se fosse um braço, exercendo força de tracção (Arocena, 1997). Segundo Long (1994) este tipo de movimento é usado com frequência por escaladores de elite. Daí as evidências dos resultados do referido estudo, que apontavam para valores diferenciados ao nível da flexibilidade da articulação coxo-femural. Podemos indagar se escaladores com pouca flexibilidade poderão encontrar algumas limitações no uso da sua técnica.

Wall et al. (2004), na caracterização das características do desempenho de escaladoras, utilizou três testes na mensuração da flexibilidade - Frontal Hip Flexion, Lateral Leg Flexion e Lateral Leg

Abduction - ou seja, testes que perm item avaliar apenas os membros

inferiores. Este autor conclui que não constatou uma correlação significativa entre flexibilidade dos membros inferiores e o desempenho. Apesar destas observações qualitativas, poucos trabalhos sobre flexibilidade em escaladores têm sido publicados (W atts, 2004).

Relativamente à flexibilidade dos membros superiores, os estudos são ainda mais insuficientes. Belo (1996) introduziu um teste de flexibilidade do ombro, Elevação Anterior do Membro Superior, medição realizada no plano sagital, desde a posição do membro superior estendido e junto ao corpo, à posição de antepulsão máxima (Belo, 1996). Concluiu, que não foram encontradas diferenças estatísticamente significativas entre grupos de escaladores de iniciação e de elite, ao nível da flexibilidade do ombro.

Grant et al. (2001) constataram que os escaladores de elite possuem uma melhor resistência do ombro que os escaladores recreaceonais e não-escaladores.

Parece-nos haver pouca especificidade do tipo de teste utilizado para mensurar o grau de flexibilidade do ombro. Sabemos à partida que a importância funcional do ombro se reporta a todos os movimentos dos membros superiores. W atts (2004) aponta a evidência de que a resistência muscular e a força-potência dos membros superiores são determinantes. Na escalada, a solicitação mais frequente e importante são os membros superiores; nas mãos e dedos está o ponto de ligação entre o escalador e a rocha.

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