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ao associativismo musical na Lisboa liberal

No documento Um movimento musical FINALt (páginas 135-149)

Mas entre todas as formas de sociedade, a mais nobre e mais firme é a que surge quando os homens virtuosos, semelhantes nos costu- mes, se ligam uns aos outros como uma família.

(Cícero, De officis, XVII, 55)1

São incalculaveis as vantagens que um povo livre póde tirar da reunião e esforços de muitos individuos que concorrem entre si [para] chegar a um fim util que cada um delles trabalhando de per si isoladamente não poderia obter.

(O nacional, 26 de Abril de 1836) Um dos fenómenos mais interessantes da vida musical lisboeta nos meados do século XIX é o do associativismo musical de tipo amador, fenó- meno este tipicamente oitocentista e comum a grande parte do mundo ocidental. Se bem que tenha sido frequentemente assinalado como um aspecto relevante da vida musical europeia da época, ainda hoje são relati- vamente poucos os estudos que dele se têm ocupado, provavelmente também por causa de um preconceito tenaz em relação às manifestações artísticas de tipo amador.2

1 “Sed omnium societatum nulla praestantior est, nulla firmior, quam cum viri boni

moribus similes, sunt familiares coniuncti” (CICERO, De officiis, I, 55). Esta citação foi- -me sugerida pelo compromisso do Montepio Literário redigido por Joaquim António de Lemos Seixas e Castel-Branco, “profesor regio na Corte”, onde a frase de Cícero aparece em epígrafe (cf. José Silvestre RIBEIRO, História dos estabelecimentos

científicos literários e artisticos de Portugal, 18 vols., Lisboa, Typ. da Academia Real

das Sciências, 1871-1893, vol. III, pp. 328-329).

2 Devo referir aqui uma tentativa interessante de aprofundar este tema em relação à

variada situação italiana como é a dos Quaderni dell’archivio delle società filarmoniche

italiane, a qual, tomando como ponto de partida as actas de um congresso de 1995,

No caso de Lisboa, o que parece extremamente significativo é o extra- ordinário protagonismo assim como o número conspícuo de sociedades que, de um modo formal, propunham concertos de amadores: número esse que parece assaz surpreendente, não só tendo em conta as dimensões da capital portuguesa, como também ao confrontá-lo com o de sociedades do mesmo tipo existentes, por exemplo, em Paris ou nas principais cidades italianas, contextos estes que, pelo que se refere ao âmbito musical, nos parecem mais relacionados com o da Lisboa daqueles anos.3 Em particular, através das

crónicas dos periódicos da época temos de facto frequentemente a sensação que o relevo e a centralidade que estes concertos de amadores adquirem na economia da vida concertística lisboeta acabam por fazer com que ocupem espaços e uma atenção que noutras cidades eram destinados sobretudo às exibições dos profissionais.

Tendo em conta que o associativismo será também o instrumento esco- lhido pela Irmandade de S. Cecília para melhor defender os seus interesses, determinando outro aspecto peculiar da vida musical lisboeta oitocentista, isto é a radicalização do corporativismo dos seus músicos profissionais, poderá ser talvez útil tentar indicar algumas tendências da sociedade lisboeta da época que, embora transcendendo evidentemente o simples âmbito musi- cal, parecem todavia relevantes para a sua compreensão.

Antes de mais, parece evidente que se pode relacionar o associativismo amador sob muitos aspectos com o fenómeno mais vasto da “mundanidade”, fenómeno das chamadas filarmónicas; cf. Antonio CARLINI (ed.), “Accademie e società filarmoniche: organizzazione, cultura e attività dei filarmonici nell’Italia dell’Ottocento, atti del convegno di studi nel bicentenario della Società filarmonica di Trento, Trento 1-3 dicembre 1995”, in Quaderni dell’archivio delle società filarmoniche italiane, 1, Trento, 1998. Em relação à difusão deste fenómeno na Europa, Alberto Basso fornece uma panorâmica geral mas eficazmente sintética (cf. BASSO, Accademie, conservatori

... cit.).

3 V. mais adiante, neste livro, a lista das associações musicais lisboetas que se apresenta

no Quadro III. Pelo que se refere à difusão do associativismo musical amador em Paris basta pensar que, na miríade de sociedades musicais (referidas por exemplo in Jeffrey COOPER, The rise of instrumental music and concert series in Paris 1828-1871, Ann Arbor, UMI Research Press, 1983, em especial p. 217 e segs.), o número das de tipo amador, em relação às profissionais, parece ser muito menos significativo que em Lisboa. Chega-se à mesma conclusão em relação às associações oitocentistas das várias capitais italianas, para as quais v. A. CARLINI, op. cit., assim como Sergio MARTINOTTI,

Ottocento strumentale italiano, Bolonha, Forni, 1970, passim. É interessante notar a

este propósito como, por exemplo, as crónicas atentas e detalhadas de Heine sobre Paris entre 1821 e 1847 não se detêm quase nunca nas sociedades de concerto amadoras (cf. Heinrich HEINE, Cronache musicali 1821-1847, a cura di Enrico Fubini, Fiesole,

o qual, como evidencia a difusão da prática social dos bailes, se bem que já em crescimento em Lisboa desde os anos posteriores ao terramoto, triunfa justamente no reinado de D. Maria II.4 Por outro lado, tanto através das

fontes jornalísticas como das arquivísticas, podemos verificar que o associa- tivismo musical, e não só o que se manifesta nas sociedades de concertos mas também o que está ligado aos profissionais da Irmandade de Santa Cecília, é o reflexo de uma tendência mais geral para o associativismo favorecida pela instauração definitiva do liberalismo, que parece confiar um papel mais activo à iniciativa da chamada sociedade civil.

Analogamente ao que referimos na primeira parte em relação ao incre- mento das práticas de sociabilidade mundana centradas em torno da música, não surpreende assim que um primeiro impulso significativo ao associati- vismo, se bem que de alcance temporal limitado, se registe já com a Revolu- ção de 1820, altura em que surgem numerosas associações, inspiradas em especial por sentimentos patrióticos e pela convicção de “que as Sociedades e Reuniões patrioticas são instituições, que apoiam a liberdade dos Povos, e o Systema Constitucional” e que “similhantes Estabelecimentos contribuem grandemente para unir, e civilizar as familias, offerecer aos Socios meios decentes de distração”.5 O próprio Ferreira Borges, líder do vintismo, tinha

feito parte de diversas associações do período, esforçando-se em favor, por exemplo, da Sociedade Promotora da Indústria Nacional, cuja actividade foi interrompida durante o miguelismo, tendo sido prontamente restaurada após a vitória liberal de 1834.6 É a partir deste momento, portanto, que se pode

4 LOUSADA, op. cit., em particular p. 153 e segs.

5 As duas citações são retiradas respectivamente dos Estatutos da Sociedade Patriotica

Constituição, Lisboa, Viuva Neves e filhos, 1822, e dos Novos Estatutos da Assembleia Portugueza, Lisboa, Lacerda, 1822. Uma sociedade análoga foi fundada por exemplo no

Porto no ano seguinte com o propósito de exercitar os jovens na oratória destinada à política e à defesa do sistema constitucional (cf. Estatutos da Sociedade Patriotica

Instructiva da Juventude Portuense, Porto, Imprensa do Gandra, 1823). Miriam Halpern

Pereira tinha já sublinhado: “Tal como em França e noutros países, durante a década de trinta assistir-se-ia a um multiplicar-se de associações de todo o tipo. […] Num movimento já iniciado durante o período vintista, sociedades, clubes e centros serviram de ponto de encontro nos mais diversos meios profissionais e sociais”; cf. Miriam Halpern PEREIRA, “Artesãos, operários e o liberalismo – dos previlégios corporativos para o direito ao trabalho (1820-1840)”, in Ler História nº 14, 1988, pp. 41-86: 61.

6 Entre os diversos dados sobre o associativismo neste primeiro período liberal que se

podem encontrar na imprensa e nas fontes de arquivo menciono uma correspondência (in P-Ln, reservados 1076) relativa a Ferreira Borges que inclui informação sobre a sua actividade a favor da Sociedade Promotora da Indústria Nacional (estabelecida a 16 de Fevereiro de 1822 “na Casa da Assembléa Portugueza ao Carmo”), assim como sobre a sua participação noutras associações como a Sociedade Literária Patriótica ou a

difundir e consolidar mais e de modo mais continuado a convicção das inúmeras vantagens que se podem retirar da livre associação dos cidadãos, como parece demonstrar a atenção que alguns jornais mais politicamente orientados dedicam a tal tema. Entre estes conta-se O nacional, o qual, num artigo intitulado “Espirito d’associação”, após ter exemplificado os numerosos âmbitos – do científico ao filantrópico e ao patriótico, do agrícola ao comercial – nos quais o associativismo podia encontrar aplicação, continuava assim:

A’ vista de tão fortes razões e tantos exemplos comprovativos em favor da utilidade do espirito de associação desejariamos nós que elle se intro- duzisse e arreigasse em nossos concidadãos, e se lhe desse a maior exten- são e actividade, porque de certo em parte alguma ha mais necessidade do seu soccorro do que em Portugal, onde a Liberdade renasce apenas depois um longo interregno que exerceu o despotismo, achando-se por conse- quencia os povos descostumados daquelle generoso, e digno procedi- mento, e franca lingoagem de nossos avôs, e onde o Thesouro Publico (bolça commum) está exausto, e por isso impossibilidado o Governo de fazer muitas coisas uteis e necessarias que em grande parte podem ser empreendidas e executadas por sociedades particulares, se estas se forma- rem e houver constancia e boa vontade.7

Parece portanto que a convicção generalizada dos atrasos a nível sócio- -económico e cultural e o desejo de contribuir para o progresso do país num clima de reencontrado orgulho nacional, assim como a difícil situação financeira do Estado, que lhe limitava à partida o raio de acção, forneceram fortes incentivos à difusão generalizada em todos os campos do associativis- mo. Detectamos de facto, já a partir dos primeiros tempos após a chegada a Lisboa de D. Pedro, o aparecimento de numerosas associações com as mais variadas finalidades – desde o desenvolvimento da rede de estradas e da

Sociedade Constitucional dos Verdadeiros Portugueses Amantes da Glória e Pros- peridade da sua Pátria, a última das quais o convidava para a sua assembleia nas salas do Gabinete Literário. Sobre a restauração da Sociedade Promotora da Indústria Nacional v. também SANTOs, op. cit., p. 306.

7 O nacional de 26 de Abril de 1836; um outro artigo intitulado “Associações”, publicado

no número de 7 de Maio de 1836, retoma o tema habitual do papel do associativismo como defesa contra as tentações despóticas: “Não ha nada de que mais arreceiem os despotas de qualquer ordem que sejam do que desse baluarte inexpugnavel dos foros e liberdades do Povo, o espirito de associação”. Ainda em 1841, recenseando entusiasticamente a actividade do Clube Lisbonense, A Revolução de Setembro de 16 de Outubro sublinhava: “Tanto val, e pode o espirito de associação, que é uma necessidade – natural, social, e commercial: – os esforços isolados de mil individuos não conseguem os resultados que sem custo alcançarão dez reunidos, e bem dirigidos”.

indústria até à edificação do teatro nacional ou do monumento a D. Pedro, do simples “honesto recreio” ao progresso em sectores particulares da cultura – associações todas elas que se enquadravam, segundo as convicções corren- tes, na finalidade mais geral de “desenvolver a civilização”.8

Acrescente-se a isto que estava já há muito tempo disponível, e se apre- sentava bastante ramificado em alguns sectores da sociedade lisboeta, um modelo, assim como uma particular prática associativa, exemplificados pela maçonaria, cujo papel, como é notório, teve um peso enorme nos aconteci- mentos portugueses daqueles anos e que, apesar da sua especificidade, fornecia de qualquer modo em determinados ambientes um exemplo de associativismo de sucesso também na realização de objectivos meramente práticos.9 Neste sentido – tendo em conta que muitos dos principais músicos

lisboetas do século XIX, de Bomtempo a Viana da Mota, a ela aderiram – não parecerá estranho, por exemplo, que o primeiro núcleo secreto da Asso- ciação Música 24 de Junho tenha começado a exercer o seu poder de con- trole sobre as orquestras da cidade sob a forma de uma loja maçónica, assim como que uma estrutura análoga tenha sido também inicialmente adoptada pelo Montepio Filarmónico, instituições estas que, como já referi, surgiram ambas a partir da Irmandade de Santa Cecília e às quais dedicarei mais ampla atenção nos capítulos seguintes.10

8 É esta a finalidade que surge em muitas das associações que se constituem naqueles anos

e das quais temos notícia tanto a partir da imprensa como das fontes de arquivo. Em particular através destas últimas é possível reconstituir numerosos processos relativos à sua constituição, que necessitava da redacção e depois da aprovação régia dos estatutos. Refiro aqui em particular a documentação que se conserva em P-Lan, MR, mç. 2037-43, “Negócios diversos”, onde por exemplo no maço 2043 encontramos todo o processo relativo à constituição da Sociedade Barcelense, que se propunha “desenvolver a civilização – concorrer para a manutenção das Instituições Patrias, promover a instrução publica, propôr ao Governo e as cortes medidas de utilidade publica e ultimamente socorrer os socios que cahirem na indigencia”. Interessante é também a lista de instituições análogas referida em RIBEIRO, op. cit., vol. III, pp. 429-433.

9 Assim por exemplo Marques: “Através das suas sociedades patrióticas e dos seus

clubes [a maçonaria] controlou o poder de 1820 a 1823 e de 1833 à década de 1870” (MARQUES, Breve história de Portugal, cit., p. 481). Entre os muitos textos que se ocupam da maçonaria portuguesa, limito-me a referir o do mesmo autor onde se realça em particular a profunda ligação entre a consolidação do liberalismo e a difusão da maçonaria (cf. António Henrique de Oliveira MARQUES, A Maçonaria em Portugal, Gradiva, 1998).

10 Na sede dessas instituições na Igreja dos Martyres são visíveis ainda hoje alguns

simbólos maçónicos como, por exemplo, o chamado “olho de Hórus” decorado no tecto da sala onde actualmente se consulta o arquivo.

Fig. 24: Luís António Ferreira, “Painel de azulejos retratando simbologia maçónica” [1865] (Museu Nacional do Azulejo)

A participação de músicos na actividade da maçonaria local, em cujo cerimonial a música parece ter tido além disso um papel significativo, deduz-se por exemplo da recordação de José Maria Cristiano, um dos músi- cos mais influentes da Irmandade, fornecida por Brito-Aranha:

Quando havia festa ou magna solemnidade em algumas sociedades secretas, daquelle tempo, e não podia dispensar-se a musica, mais ou menos numerosa, mas sem se gastar dinheiro, porque não o havia nos cofres, o Christiano corria a fazer um convite pelos collegas e professores de musica – já se sabe que tinham filiação nas indicadas sociedades – e não faltava a orchestra, que elle regia com a maior satisfação. [...] A’ roda do Christiano formavam-lhe uma especie de fraternal cortejo professores como: João Gazul, Francisco Gazul, José Maria de Freitas, Thomaz

Jorge, Jorge Titel, Carlos Firensola, José Maria Alcobia, Costa Chaves, Romão Vieira, e outros.11

É significativo a este propósito o caso de Francisco António Norberto dos Santos Pinto, músico cujo catálogo de obras, sem ter em conta alusões implícitas ao mundo e aos símbolos da maçonaria, apresenta diversos núme- ros de um Cântico Maçónico cujos títulos remetem de facto para os cerimo- niais da sociedade.12

Fig. 25: F. A. N. dos Santos Pinto, Cântico Maçónico:

Coro para os proclames (Biblioteca Nacional de Portugal)

O que parece de qualquer modo evidente é que em breve a prática asso- ciativa se irá também prestar a fornecer uma resposta eficaz àquele desejo de sociabilidade mundana que, durante muito tempo refreado pela particular

11 Brito ARANHA, Factos e homens do meu tempo: memórias de um jornalista, Lisboa,

Parceria A. M. Pereira, 1907-1908, pp. 225-26. Como se sabe, a maçonaria teve um papel de relevo na história da música europeia também no campo específico do concertismo, como bem exemplifica o caso da Loge Olympique de Paris. Para uma visão geral do fenómeno v. por exemplo Alberto BASSO, “Massoneria, esoterismo e

altri luoghi segreti”, in NATTIEZ, op. cit., vol. IV, pp. 606-623.

situação histórico-política portuguesa das primeiras décadas do século, se pode agora manifestar em grande escala, para além da esfera privada e dos habituais centros de mundanidade pública, o primeiro dos quais era o Teatro de S. Carlos, também através da criação de um grande número de associa- ções destinadas a disponibilizar ocasiões de práticas mundanas requintadas e elitistas, muito frequentemente centradas em actividades relacionadas com a dança, o teatro e a música. Se já tínhamos assinalado um incremento de tais práticas na segunda década do século, agora o fenómeno parece atingir indubitavelmente a máxima visibilidade e passar de um âmbito mais estrita- mente privado a um mais público.

Também neste caso parece ser determinante, não tanto a estabilidade política que neste período é dificilmente detectável, quanto a afirmação definitiva do liberalismo, que introduzia, mesmo que com hesitações e con- tradições, uma nova concepção das relações entre Estado e sociedade que facilitava o desenvolvimento de uma “esfera pública burguesa [...] concebida num primeiro momento como a esfera dos privados reunidos como públi- co”.13 Por outras palavras, a ideia da separação dos âmbitos de competência

entre o Estado e a chamada “sociedade civil” parece deixar vazio um espaço que esta última tenta colmatar dotando-se das suas próprias estruturas sociais independentes do Estado pelo menos formalmente, e nas quais num primeiro momento parece reproduzir – ao nível do âmbito público – características, dinâmicas e comportamentos típicos da esfera do privado. As sociedades de recreio lisboetas deste período, e portanto as sociedades filarmónicas que se parecem desenvolver no seu âmbito, apoiam-se todas elas de facto numa rede de relações interpessoais entre os seus participantes, nos papéis muitas vezes intercambiáveis seja de executantes seja de público, que parece típica da fase que precede, criando-lhe de certo modo os pressupostos, o advento da cultura musical de massa, caracterizada por sua vez, como se sabe, por um público que se torna, ao contrário, entidade impessoal.14 Além disso,

13 “Sfera pubblica borghese [...] concepita in un primo momento come la sfera dei privati

riuniti come pubblico” (Jürgen HABERMAS, Storia e critica dell’opinione pubblica, 8ª ed., Roma-Bari, Laterza, 2002, p. 33; primeira edição: Strukturwandel der

Öffentlichkeit. Untersuchungen zu einer Kategorie der bürgerlichen Gesellschaft,

Habilitationsschrift, Luchterhand, Neuwied, 1962).

14 Já referi na primeira parte deste livro a pertença da actividade concertística amadora,

assim como do benefício oitocentista, a um sistema que precede o do mercado musical de massa, em virtude da forte dependência da rede de relações sociais estabelecida entre os vários elementos envolvidos. A este propósito Weber, aplicando o termo cultura de massa à esfera da música, sublinha que “o que caracterizou primariamente a cultura musical de massa foi o carácter impessoal das relações entre os ouvintes e os executantes e a exploração activa de um vasto público pela indústria musical” [“what

penso que se podem considerar a necessidade de decoro e distinção, e as funções de ostentação e auto-reconhecimento, unidas a um forte elitismo, como elementos típicos desta sociabilidade específica que, se no Norte da Europa se tinha vindo a conotar cada vez mais como manifestação da emer- gência da burguesia, em Lisboa, assim como noutros contextos meridionais, se reveste de características e subentende instâncias de natureza extrema- mente heterogénea e interpretação complexa, cujo exame vai muito além dos objectivos deste trabalho. Não obstante, para as finalidades do nosso discur- so, não se pode deixar de sublinhar que essa complexidade se vislumbra já na própria composição desta elite mundana que ocupa cada vez mais as crónicas jornalísticas, já que ela parece incluir, lado a lado com elementos da alta burguesia urbana (especialmente altas patentes do exército e do funcio- nalismo público), membros da nova aristocracia assim como uma parte da velha nobreza, principalmente quando envolvida na vida política, assim como alguns intelectuais e artistas profissionais.

A falta por outro lado de uma generalizada consciência de classe nos grupos emergentes da burguesia (não por acaso muitas vezes transformada em nova nobreza), faz com que esta pareça muito mais interessada em obter reconhecimento e legitimação participando nas instituições e nos diverti- mentos da elite, do que em criar as suas estruturas específicas assim como códigos de comportamento alternativos aos herdados do Antigo Regime e das velhas práticas cortesãs-aristocráticas. Neste sentido, as associações musicais lisboetas não necessitam, como sucedia por exemplo com as Singakademien

No documento Um movimento musical FINALt (páginas 135-149)