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as associações filarmónicas

No documento Um movimento musical FINALt (páginas 179-200)

O gosto pela musica, tem-se desenvolvido entre nós prodigiosa- mente, e é sem duvida, uma das caracteristicas mais salientes do progressivo aumento da nossa civilização. As philarmonicas muito teem concorrido para o explendor, a que a musica tem chegado em Portugal. Os concertos philarmonicos em geral, são uma prova dos progressos que essa bella arte tem ultimamente feito, e da sympa- thia com que quasi todos a presam e estimam [...] Os saraus philar- monicos, como que se succedem uns aos outros quasi sem inter- rupção [...] È um movimento musical como nunca houve em Portugal, e que prova claramente o muito que a musica está sendo apreciada entre nós.

(O espectador, 8 de Dezembro de 1850)1

O fenómeno da extraordinária difusão das associações de amadores que propõem actividades musicais, e que se inserem as mais das vezes no mesmo circuito e com modalidades semelhantes às que assinalámos em relação à prática social do baile, não diz somente respeito a Lisboa. A expansão dessas associações, as chamadas “filarmónicas”, parece estender-se a todo o territó- rio continental e às ilhas, desenvolvendo, sobretudo nos centros periféricos privados de instituições musicais e de teatros, uma indubitável acção de divulgação e de formação musical.2

1 É interessante notar como, já oito anos antes, um outro periódico usava as mesmas

palavras a propósito das filarmónicas: “O gosto pela musica, tem-se desenvolvido entre nós prodigiosamente, e é, sem duvida, uma das caracteristicas mais salientes do progressivo augmento da nossa civilização” (cf. O espelho do palco, jornal dos

theatros, 10 de Outubro de 1842).

2 De Coimbra, onde a Assembleia Conimbricense se concentrava desde 1835 na “musica

vocal e instrumental, a dança, e os jogos permittidos pelos Estatutos” (cf. Regulamento

interno da Assemblêa Conimbricense, Coimbra, Imp. da Universidade, 1835), a Ponte

Delgada, de Faro a Évora, o fenómeno parece ramificar-se por todo o território, como demonstram os diversos estatutos e regulamentos das várias sociedades conservados nas bibliotecas portuguesas. De particular interesse parece ser a Sociedade Filarmónica

Limitando-nos aqui somente a tentar passar em revista a história das principais associações musicais lisboetas no reinado de D. Maria II, pode- mos dizer que ela começa já a seguir à vitória liberal com as tentativas realizadas nesse sentido pela Academia Filarmónica, “calçada de S. Francisco nº 10 A, 1º andar”, a não confundir com a mais célebre associa- ção homónima posterior. Na verdade este nome era inicialmente o de uma escola que tinha iniciado as suas actividades a 3 de Fevereiro de 1835, propondo lições de “Dança, Piano, Flauta, Rabeca, e viola franceza” segun- do um sistema de assinatura mensal, e posteriormente também “por bilhe- tes”.3 Um seu anúncio informava pouco depois que iria realizar a 8 de Março

uma “Academia geral para todos que forem neste tempo assignantes”, não sendo possível dizer com segurança se se tratou de uma simples reunião ou de uma qualquer exibição dos associados.4 Entretanto os seus anúncios

continuam a dar-nos indirectamente uma ideia significativa das solicitações do mercado, publicitando – além das “lições de todas as qualidades de instrumentos” a que se juntam também a partir de Junho as lições de florete – as de “contradanças franzesas, gavota, waltz, e solo inglez”.5

O sucesso da iniciativa parece ter levado assim a tentar ampliar este projecto inicial, na condição porém de manter uma certa exclusividade, abrindo-o também ao grupo social representado pelos homens de negócios da cidade (ou seja tornando-o “mais extensivo a todas as classes de pessoas decentes, e que tem sido excluidas de serem assignantes d’Assembléa pela mera esquisitisse de serem logistas”) através da criação de uma sociedade que não deveria ultrapassar no entanto o limiar dos 100 sócios; com este fim a academia propunha também “estabelecer uma casa não com grandeza mas com decencia” e, no fundo, oferecer uma série de serviços, como sejam a disponibilidade de jornais, cartas de jogar e bilhar, assim como uma “sala para baile”, análogos aos que já forneciam os dois clubes existentes na

Portuense que, sob o impulso de Francisco Eduardo da Costa (cf. VIEIRA, vol. I, pp. 319-327), apresenta por vezes um repertório de extremo interesse, onde figuram, por exemplo, composições de Schubert e Weber ainda pouco ouvidas nas filarmónicas lisboetas (v., entre outros, os anúncios da sociedade publicados n’O nacional de 20 e 21 de Fevereiro de 1849).

3 O nacional, 28 de Janeiro de 1835. O sistema de pagamento “por bilhetes” surge no

anúncio de 11 de Dezembro de 1835. O custo mensal das aulas de cada instrumento correspondia a 1.200 réis, o que era mais ou menos equivalente à remuneração de um músico pelo serviço prestado a uma das associações da cidade.

4 Idem, 27 de Fevereiro de 1835.

5 V. os anúncios publicados nos números de O nacional de 7 de Abril, 1 de Maio, 20 de

Quadro III – Lista das principais associações filarmónicas lisboetas no reinado de D. Maria II

1835 Academia Filarmónica

Calçada de S. Francisco, nº 10 A, 1º andar

[depois Assembleia Filarmónica Rua do Crucifixo, nº 7?]

“Aulas de Dança, Piano, Flauta, Rabe- ca, e viola franceza, fiorete; gabinete de leitura, jogos de cartas, bilhar, um dia na semana concertos de musica e sala para baile”

1836-51 Assembleia Lisbonense

(Estatutos: 27/7/1836) Rua da Horta Seca

(“palacio do Manteigueiro, depois do visconde da Condeixa”)

“O fim da Sociedade é a honesta con- vivencia dos Socios e suas familias, para mutuo recreio e instrução, prohi- bida toda e qualquer controversia sobre assumptos politicos ou religiosos. Os

1836-51 Assembleia Lisbonense

(Estatutos: 27/7/1836) Rua da Horta Seca

(“palacio do Manteigueiro, depois do visconde da Condeixa”) [em 1856 existia uma Assembleia Lisbonense na Rua dos Fanqueiros e uma Assembleia Portuguesa na Rua Nova do Almada]

“O fim da Sociedade é a honesta con- vivencia dos Socios e suas familias, para mutuo recreio e instrução, prohi- bida toda e qualquer controversia sobre assumptos politicos ou religiosos. Os Socios curiosos poderão fazer os seus concertos de musica duas vezes por mez nos dias em que não houver baile”

28/3/1838- -[56]

Academia Filarmónica de Lisboa

(Estatutos: 18/6/44 e 6/2/49) Rua de S. José, “Palacio do conde de Rio Maior”, depois na Rua do Alecrim, “Palacio onde estava antes a Assembleia das Nações Estrangeiras”

“A academia tem por fim o exercicio, instrução, recreio resultantes da reu- nião de curiosos, e amadores de musica vocal, e instrumental, sendo absoluta- mente prohibidos os jogos, a dança, e quaisquer outros divertimentos, ou dis- cussões alheias da musica”

1/2/1839-[?] Assembleia Filarmónica de Lisboa

(Estatutos: 31/8/1843, Regulamento interno: 2/10/49)

Desde Junho de 1842 na Rua Nova do Almada, nº 56, “na casa do exmº barão de Barcellinhos”

“Ministrar aos socios de todas as clas- ses os divertimentos permittidos com especialidade o da Musica”

1840 Sociedade Perseverança

(Estatutos: 17/1/40)

“Recitas teatrais com orchestra consti- tuida por curiosos filarmonicos”

1841 Assembleia Lusitana

(Estatutos: 7/4/41) Rua Nova do Carmo

“Honesto divertimento dos socios e das familias”

25/10/1842

(depois de 1857)

Sociedade Recreação Filarmónica

(Estatutos: 10/9/45, Regulamento interno aprovado em 26/8/51) Arco da Bandeira

1844 Sociedade Filarmónica Instrutiva

24/12/44 (Estatutos: 10/11/45)

“Exercicio, instrução, recreação, exclusivamente musica bandistica (sem jogos)”

27/2/1846-

-11/6/1861 Academia Melpomenense (Estatutos: 22/6/46, 1849 e 18/1/55)

Rua Nova do Almada, nº 56, 2º andar Desde 22/12/54:

Academia Real dos Professores de Musica com o título distintivo de Melpomenense

“A maxima acquisição de conhecimen- to na Arte da Musica e sua perfeição: assim como o honesto deleite dos Amadores da mesma arte, quer seja executando, quer seja ouvindo”

1846 Academia Apolínea Lisbonense

[22/3/46?]

(Estatutos: 17/8/46 e 8/1/1849)

“Divertimentos resultantes principal- mente da musica”

[1847] Sociedade Recreativa Filarmónica “Formação de banda-marcial”

1848 Sociedade Terpsicore [Além das habituais actividades, lições

de rudimentos, canto e instrumento por um modesto montante mensal]

1848

(depois de 1857)

Academia Filarmónica Lusitana

(“nasceu da união em 1848 de 2 filarm. de 1844”)

(Estatutos: 10/6/50) Rua das Pedras Negras

“Divertimentos especialmente de musica, gabinete leitura, jogos”

1849 Sociedade Euterpe

(Estatutos: 21/1/1849)

“Estudo musical, recreio philarmonico de orchestra e canto”

1850 Academia Filarmónica Lisbonense

1852

(depois de 1857)

Academia Filarmónica Esperança

(Estatutos: 11/8/52) Rua da Flor da Murta

“Maxima acquisição de todos os divertimentos permittidos às associa- ções d’esta natureza”

1852

(depois de 1856)

Academia Terpsicorense

(Estatutos: 18/5/52) [Rua dos Fanqueiros]

?- (depois de 1857)

“Academia da rua dos Mouros”

1855

(depois de 1857)

Academia Euterpe e Tália

(Estatutos: 26/5/55)

“Os estudos e exercicios da musica vocal e instrumental e da arte dramatica”

(activa em

1856) Sociedade Filármonica Euterpe (activa em

cidade, mas dos quais a distinguia a novidade, para nós de extremo interesse, de prever “um dia na semana concertos de musica”.6

No mês de Dezembro seguinte, além dos habituais anúncios das aulas na Academia, surge também um anúncio assinalando que a sociedade tinha final- mente encontrado uma casa “commoda para o fim que ella se propõe” e que “a Direcção vai cuidar nos arranjos da mesma, para, com a [maior brevidade] possivel dar começo a sua instituiçaõ”.7 Contudo, os únicos anúncios de 1836

que poderão indicar uma actividade desta associação são os que referem a realização, a 10 de Março, de um “baile na Assembleia Philarmonica na rua do Crucifixo num. 7” (podendo-se colocar a hipótese de que fosse esta a nova localização da instituição), assim como, alguns meses mais tarde, um outro anúncio que nos informa da sua extinção, por motivo da partida do proprietário da “Sociedade Filarmónica” para o “Maranhão”.8 É lícito hipotizar uma

coincidência entre esta última e a Academia Filarmónica, visto não se encontrar nenhum outro dado posterior sobre a actividade de ambos os estabelecimentos.9

Podemos contudo documentar o facto de, a partir de Junho desse mesmo ano, a cidade ter passado a dispor de uma nova e prestigiosa institui- ção, a Assembleia Lisbonense, que oferecia de algum modo o mesmo tipo de actividades, incluindo a dos concertos dos seus associados. A descrição das fases de instalação desta associação deixada por José António de Almeida, que sublinhava ter tido “a honra de ser iniciador e 1º secretario”, é confir- mada pelos periódicos.10 De facto encontramos os anúncios das primeiras

6 O nacional, 22 de Outubro de 1835. O preço mensal da assinatura, 2.000 réis, parecia,

tanto quanto é possível entender do projecto, não incluir o preço das lições; a ser assim, seria inferior aos 2.400 réis pedidos por exemplo em 1836 para a inscrição no Clube Lisbonense (idem, 30 de Abril de 1836).

7 Idem, 4 de Dezembro de 1835.

8 O anúncio do baile apareceu n’O nacional de 8 de Março de 1836, enquanto que nos

números do mesmo periódico de 24 e 29 de Setembro de 1836 apareceu o do leilão dos seus bens e portanto da extinção da sociedade: “O proprietario da extincta Sociedade Filarmonica da rua do Crucifixo num 7 annuncia que por se achar em partida para o Mara- nhão, fará leilão da mobilia da mesma Sociedade no dia 27 do corrente, pelas tres horas da tarde, dos seguintes objectos: cadeiras, mezas, um sofa, duas jardineiras, um guarda vestidos, um piano, um toucador, lustres, vidros, e outros objectos pertencentes a mesma”.

9 Vai na mesma direcção o facto de que em 1837 na Calçada de S. Francisco (primeiro

no nº 11 e depois no nº 4) existia a escola de “Mr Pons”, que dava lições de “floret, dança, pianno, flauta, rabeca, etc.”, e de que posteriormente o mesmo professor anunciava ter “aberto a sua salla d’armas” justamente no nº 7 da Rua do Crucifixo, parecendo confirmar assim uma ligação entre as duas sedes ou talvez a continuação da velha academia, sem o ensino da dança, sob a direcção de um outro professor (cf. O

nacional de 25 de Fevereiro, 30 de Março e 13 de Abril de 1837).

reuniões realizadas sob a presidência inicial do conde de Farrobo no seu palácio da Rua do Alecrim, destinadas a redigir os estatutos e a eleger a direcção, obrigações essas que foram cumpridas nos meses seguintes quando “os cento e cincoenta Socios installadores” se reuniram no “salão superior do Theatro de S. Carlos”, agora sob a presidência de José da Silva Carvalho.11

A associação pôde finalmente anunciar a sua abertura na sede da “Rua da Horta Seca (palacio do Manteigueiro, depois do visconde da Condeixa)” para 15 Agosto de 1836.12

Fig. 34: Perspectiva actual do Palácio do Manteigueiro (antiga sede da Assembleia Lisbonense)

No relato de Almeida este último atribui a si próprio a paternidade da ideia inicial, surgida durante um sarau do Tivoli, em consequência da saída de José da Silva Carvalho e Rodrigo da Fonseca Magalhães do Clube Lisbo- nense por motivos políticos, aos quais parece aludir também um número d’O neorama dedicado à associação,13 assim como os próprios estatutos originais

11 O nacional, 4 e 20 de Abril, 14, 20 e 27 de Junho, e 8 de Julho de 1836.

12 Idem, 9 de Agosto de 1836. A localização da associação indicada por Benevides

(BENEVIDES, op. cit., p. 179), assim como a história da Assembleia esboçada pelo

periódico O neorama de 30 de Setembro de 1843, estão também na mesma linha destes dados. O Palácio do Manteigueiro é hoje em dia a sede do Ministério da Economia.

da Assembleia. Nestes – aprovados “com portaria de 27 de Julho de 1836, por não contravir as Leis e bons costumes, sendo ao contrario um meio eficaz de promover a civilização” – lê-se de facto, no artigo 4, que é “prohi- bida toda e qualquer controversia sobre assumptos politicos ou religiosos”, uma fórmula cautelar que se tornará posteriormente, no agitado clima polí- tico nacional, bastante usual em muitas das associações análogas.14 Acres-

cente-se a isto que os nomes dos dois eminentes políticos citados por Almeida (que alternaram na presidência da associação e um dos quais era ainda ministro na altura da sua instituição), assim como o do secretário António Pereira dos Réis, parecem confirmar a pertença destes liberais à facção cartista, o que está de acordo com o que refere Dembowsky, assim como com alguns comentários jornalísticos que mencionam as dificuldades por que passou a associação nos primeiros anos após a sua criação.15 Uma

confirmação ulterior dessa orientação política ao longo dos anos encontra-se além disso, tanto no elenco da nova direcção eleita em 1838, que inclui entre outros uma percentagem significativa de membros ligados à carreira militar, como num baile organizado em 1847 na Assembleia Lisbonense pelos comandantes e oficiais dos corpos nacionais em honra do marquês da Fron- teira, um dos líderes do partido cartista, no aniversário do juramento da constituição pelo rei.16

14 Encontramo-la, por exemplo, em muitos dos estatutos que se conservam, juntamente

com os da Assembleia Lisbonense (depois publicados em 1836 pela Imprensa nacional), em P-Lan, MR, mç. 2037, Negócios Diversos 1835-43, nº 1847.

15 Assim, por exemplo, o Correio de Lisboa de 30 de Abril de 1838, comentando a

primeira reunião da Assembleia lisbonense, alude ao facto de a sua direcção tanto se ter ”esmerado em fazer prosperar este estabelecimento a despeito de todos os acontecimentos politicos que o tem affectado”. V. também DEMBOWSKY, op. cit., vol. II, p. 15, enquanto que, para os personagens políticos mencionados, se remete para a

Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, 56 vols., Lisboa – Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia, [1960- ], respectivamente vol. II, pp. 574-577, vol. XXVIII, pp. 853-855, e vol. XXI, p. 223, onde se recorda como a oposição de Pereira dos Réis à Revolução de Setembro o levou até mesmo à prisão.

16 Uma carta na qual o marquês da Fronteira agradece o baile realizado a 31 de Julho de

1847 apareceu n’O estandarte de 10 de Agosto de 1847. Eis por sua vez a lista da nova direcção de 1838 publicada no Correio de Lisboa de 8 de Agosto de 1838: “Assemblea Geral: Presidente – José da Silva Carvalho,Vice-Presidente – Rodrigo da Fonseca Magalhães, Secretario – Antonio Pereira dos Reis. Direcção: Presidente – Gonçalo José de Sousa Lobo, Secretario – Honorio Fiel Lima, Thesoureiro – Antonio Ganhado Vieira Pinto. Directores: João Rodrigues Blanco, José Francisco d’Assis e Andrade, João Pedro Nolasco da Cunha, Francisco Antonio Gonçalves da Silva, João Carlos Klingle efer [sic], Joaquim José de Mattos Correia, Manuel Jorge de Oliveira Lima, José Joaquim dos Reis Vasconcellos, José Antonio Maria de Sousa e Azevedo.

O que é no entanto extremamente interessante é o facto de os estatutos de 1836, redigidos sob a presidência de Farrobo, indicarem como finalidades não só a do “mutuo recreio”, mas também a da “instrucção”, elemento este que assinala uma novidade em relação aos clubes já existentes e permite contemplar no artigo 23, como já referido, que “os Socios curiosos poderão fazer os seus concertos de musica duas vezes por mez nos dias em que não houver baile”.17

Já dissemos como a introdução deste artigo não parece ser casual num clube fundado e dirigido inicialmente por um “fanatico per la musica” como era o conde, mesmo se a utilização do condicional “poderão” parece indicar que a exibição dos amadores era contemplada somente como uma eventuali- dade. Nos primeiros anos, quando sucedeu, deverá ter-se mantido de facto ao nível de uma actividade informal, ainda subordinada à dos bailes, que são os únicos eventos recenseados pelos jornais até 28 de Abril de 1838, data em que o Correio de Lisboa anunciava oficialmente que “vão principiar no mesmo estabelecimento as reuniões philarmonicas”.18 Esta é a crónica da

primeira reunião, publicada pelo mesmo periódico alguns dias mais tarde: Em a noite de sabbado 28 do corrente teve lugar a primeira reunião musi- cal. A Direção que tanto se tem esmerado em fazer prosperar este estabe- lecimento a despeito de todos os acontecimentos politicos que o tem affectado, não poupou exforços a fim de que passando-se uma noite deli- ciosa, se concebão lisongeiras esperanças de que outras iguaes lhe hão-de succeder. Para que sejão verdadeiramente reuniões familiares, nem esqueceu a Direção ensinuar que no vestuario se devia prescindir da eti- queta usada nos Bailes. Cantaram e tocaram a sr.ª D. Barbara Vidal, e os srs. Conde de Farrobo, Dezembargador Assís e Andrade, Dr. Centazzi, Ignacio H r ch [sic], Dadi [sic], Guilherme Derrure, Caetano Martins, e Alfredo Duprat. [...] No dia 15 de Maio, hade ter logar a segunda reunião, Supplentes: Francisco José Miranda, Luiz de Almeida Chaves, Olimpio Joaquim d’Oliveira, Antonio Jorge d’Oliveira Lima, Joaquim José Cicilia [sic] Kol, Francisco de Assis Groot da Silva Pombo, Joaquim José Pereira de Mello, Antonio Mazziotti Junior, Felix Antonio Domingues, Joaquim José Falcão, Antonio José Pedroso d’Almeida, Francisco Soares Franco Junior”.

17 P-Lan, MR, mç. 2037, Negócios Diversos, cit.

18 Correio de Lisboa de 23 de Abril de 1838, que confirma essencialmente a informação

fornecida por Benevides segundo a qual a Assembleia, a 26 de Abril de 1838, “inaugurou as reuniões philarmonicas, que mais tarde se generalisaram”(BENEVIDES,

op. cit., p. 179). Anteriormente encontramos a referência a uma “reunião familiar” a

21 de Novembro de 1837 (O nacional de 15 de Novembro de 1837) que Almeida assinala como sendo o “primeiro baile em familia” (ALMEIDA, op. cit., p. 290), e em

e esperamos que nessa noite muitos outros socios hão-de fazer uso do talento de que são dotados na bella arte da Musica.19

Como se vê, quase todos os amadores que participaram nesta, como de resto nas reuniões seguintes, eram os mesmos que se exibiam no teatro do con- de de Farrobo às Laranjeiras, tendo tido presumivelmente algum papel em determinar a passagem deste tipo de prática mundano-musical da esfera pri- vada para a semi-pública da assembleia. Registamos além disso que, com a excepção da nobreza relativamente recente representada por exemplo pelo próprio Farrobo, a composição social dos intérpretes é claramente burguesa, encontrando-se entre eles famílias ligadas à carreira diplomática e à alta hierarquia do exército (Duprat, Martins, Folque), assim como que a maioria deles pertence à geração nascida no início do século que tinha tido a possibili- dade de tomar parte nos concertos da Sociedade Filarmónica de Bomtempo.20

Parece significativo por outro lado que João Guilherme Daddi, citado somente neste caso, é o único entre os músicos profissionais a ser menciona- do nas crónicas das reuniões musicais da Assembleia Lisbonense em 1838- -39, prova de que para a imprensa a participação de elementos desta catego- ria não era seguramente a principal atracção.21 O caso de Daddi – um dos

músicos mais interessantes do período, ao qual voltaremos ainda nos próxi-

19 Correio de Lisboa de 30 de April de 1838.

20 V. os capítulos a eles dedicados in MOREAU, Cantores de ópera ... cit., passim. Eis

alguns dos nomes dos amadores citados pelos periódicos em 1838: “as senhoras D. Maria Joaquina e D. Carlota filhas de S. E. o sr. Conde do Farrobo – e senhora D. Gertrudes de Oliveira Duarte, filha do sr. Antonio Francisco d’Oliveira Duarte – e a senhora D. Francisca Martins, irmã do sr. Caetano Martins, um dos incansaveis Directores do estabellecimento” (Correio de Lisboa, 16 de Maio, a propósito da reunião de 15 do mesmo mês), “as senhoras Alhayde e Vilela; e tocaram os srs.

No documento Um movimento musical FINALt (páginas 179-200)