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AO GRANDE PROGRAMA DE SAÚDE INDÍGENA (1997-2000).

Miguel Maia é Tukano e nasceu na comunidade Cajuri, no médio rio Negro. Ele não fala a língua tukano, mas a entende. Seu pai, Gregório Correa Maia, nasceu no rio Papuri, comunidade Melo Franco. Sua mãe, Carapanã, nasceu no rio Curicuriari, onde hoje é Tumbira, mas seus pais vieram do rio Vaupés. A família dela se estabeleceu lá, onde ainda permanecem. Migraram na década de 60. Gregório Maia estudou no internato salesiano em Yauareté, algumas irmãs em São Gabriel da Cachoeira e outras em Santa Isabel do Rio Negro. Uma vez por ano seu pai os visitava. Havia um posto da FUNAI em Melo Franco, então tudo o que eles produziam eles tentavam vender no posto. Decidiram então vender em Manaus. Fizeram uma canoa grande e desceram o rio Vaupés, desceram o rio Negro e chegaram em Manaus a remo. Foram mais de trinta dias viajando. Foi uma viagem lenta, pescando, coletando castanha, cipó, seringa, sorva. Venderam toda a produção, ficaram animados e voltaram. Pararam em frente do lugar onde atualmente é a comunidade Cajuri, na outra margem do rio Negro. Roçaram um pedaço de terra, pensando em queimar e plantar depois de três meses quando estivesse descendo novamente para Manaus. Fizeram isso: voltaram, queimaram a roça, ficaram lá uns quinze dias, já trouxeram mandioca e formaram um pequeno sítio. Durante três ou quatro anos moravam lá por algum tempo quando iam para Manaus uma vez por ano. Resolveram então fixar residência definitiva no local porque era mais farto, tinha mais peixe do que em Melo Franco, tinha menos cachoeiras... Atravessaram o rio, vistoriaram a área. Encontraram uma terra boa para fazer roça e que poderia futuramente tornar-se uma comunidade. Era um antigo sítio. Era uma capoeira bem na beira do rio. Atravessaram, fizeram um roçado, construíram uma casa...

[...] Na época meu pai já era capitão tradicional, meu avô era capitão né,

meu pai era vice, era uma tradição assim de liderança. Meu avô também desceu, todo mundo veio embora. Ele era um líder tradicional de peso, chamado de Kumu, um benzedor. Pelo benzimento eles levam toda força política de benzimento, então quando o pessoal percebeu que ele estava vindo disseram que ele estava indo de

comunidade em dez anos cresceu, ficou bem grande, chegaram muitas famílias, chegou um tempo que tinha mais de 150 alunos. Chegou a até quase vinte famílias. Nesse processo a escolarização ia aumentando. São Gabriel ia crescendo, as pessoas iam terminando a quarta série e iam para lá, porque era mais perto do que Santa Isabel (São Gabriel são duas horas de viagem a motor e um dia e meio de canoa, remando direto). Na região nós conseguimos fazer magistério antes das outras comunidades. Talvez Camanaus... outra comunidade que teve professores locais. A gente que fez magistério bem antecipado, com professores da própria comunidade, desde de 1977 a minha tia já estava lá, a outra minha tia, em 1980 meu irmão já estava dando aula como... a minha prima estava dando aula como magistério, ela tinha magistério, depois o meu irmão. Foi uma das escolas que... parece que na época eram professores qualificados, que as outras ainda estavam com professores leigos. [...] (Miguel Maia, entrevista. São Gabriel da Cachoeira,

24/10/2001).

Temos aqui os três alicerces de uma comunidade, agências de mediação com alteridades estratégicas para a domesticação de forças potencialmente destrutivas: o benzedor (ou o pajé ou o rezador), o professor e o catequista. Gregório Maia era catequista, então todo domingo ele reunia a família e celebrava o culto dominical, católico. O seu sítio tornou-se o ponto de atração de muitas famílias, núcleo de tão intensa sociabilidade religiosa que estimulou o padre João Marquesi, diretor da paróquia de São Gabriel, a fundar a comunidade com uma missa solene. A partir daí começou a funcionar uma escola, na década de 70, e despontou como comunidade: “[...] Desde 1977 mais ou menos, a nossa família começou já a produzir professores [...]” (Miguel Maia, entrevista. Op. cit.). Seu pai e seu avô só trabalharam para patrão depois de se estabelecerem no rio Negro.

[...] Era difícil ter uma grande produção... não tinha esse comércio direto

com Manaus... Na época veio um grande comerciante chamado Gonçalo Leite, de Manaus, tinha um grande barco e tal. Meus tios já estavam casados, se

início a gente nem entrou, porque tinha a escola e ele [seu pai] era capitão, não podia deixar o colégio abandonado. Meu avô não trabalhou na empresa de extrativismo, quem trabalhou foi a partir do meu pai, os meus tios, os moradores da comunidade, eles acabaram entrando. Conseguiram comprar um barco, mas não conseguiram comprar o motor. O patrão acabou indo embora. Era esquema de aviamento. Chegava na comunidade era terçado, panela... fazia uma conta enorme, marcava um período e o patrão levava lá para dentro. Ficava sempre devendo. Chegava lá produzia, às vezes a produção não era boa, tinha que voltar, ficava sempre devendo alguma coisa. Alguns tiravam o chamado saldo, aí o cara botava de novo outras mercadorias. Eles ficavam por um período (por exemplo, dois meses) produzindo no rio Marié e depois voltavam para a comunidade. Eles nunca

[seus tios] foram dominados mesmo, porque tinha gente que ficava lá direto. Eles

tinham um objetivo (comprar um material de cozinha, por exemplo), compravam, pagavam e saíam. Aí ficavam na comunidade, tinha que cuidar da comunidade, tinha trabalho comunitário. E quanto achavam que tinham que ir de novo, iam com o patrão e pediam um aviamento, aí sumiam dois ou três meses, depois de um tempo voltavam. [...] (Miguel Maia, ibidem).

O relato acima destaca a existência de um espaço de manipulação do sistema de aviamento que permite a flexibilização da dominação ao patrão, na qual os fregueses são forçados a permanecer durante longos e ininterruptos períodos de tempo nos piaçabais. Em várias narrativas sobre o trabalho nos piaçabais há esse esforço em se diferenciar através desta relativa autonomia frente ao patrão em contraposição à situação de extrema exploração e subordinação sofrida pelos outros fregueses. Em geral não se admite a supressão da sua humanidade pela perda total do controle sobre si mesmo e a inserção idealizada no regime de aviamento é aquela na qual o acesso a bens industrializados — uma forma de integração na sociedade da afluência — não implica uma completa anulação da subjetividade do trabalhador, ou seja, dos seus projetos e interesses. Miguel Maia nesta época tinha uns seis ou sete anos e nunca trabalhou na extração de piaçava. Estudou da

foi o último ano deste regime de ensino. Quando terminaram o internato, Miguel, sua irmã e seu irmão, moraram com sua tia que tinha uma casa em São Gabriel. Seu irmão terminou o magistério e retornou para a comunidade, enquanto Miguel e sua irmã continuaram a estudar. Sua tia comprou um terreno e construiu uma casa, em São Gabriel, onde passou a morar. Em 1988 terminou o magistério. Em 1989 e 1990 exerceu várias atividades na cidade: frentista, em escritório de posto de gasolina, em bares... Durante os anos 1991 e 1992, prestou o serviço militar no Batalhão de Engenharia e Construção/BEC. No início de 1993 saiu do exército.

Seu pai foi um dos fundadores da ACIBRN e integrou sua primeira diretoria como secretário. Miguel não se interessava pelos assuntos da associação. Seu pai comentava com ele, mas não buscava um maior entendimento das discussões. Quando voltou para a comunidade em 1993, começou a ajudar sua irmã, que lecionava na escolinha, a organizar os eventos. Seu pai sempre realizava encontros, reunia várias comunidades, conhecia moradores da cidade, onde também “articulava”. No final de 1993 e início de 1994, a associação já tinha um barco que viajava pelo Médio Rio Negro. Miguel começou a acompanhar as visitas às comunidades, quando foi convidado para uma reunião da ACIBRN e nem sabia ainda o que era o movimento indígena. As reuniões geralmente eram no Curicuriari, na sede da organização. Começou a conhecer mais, conversou com o presidente da ACIBRN, na época era o Alberto Padilha, de Curicuriari, ele perguntou quais eram as discussões e deu sugestões. Participou de uma assembléia em 1996 no Curicuriari familiarizando-se cada vez mais com as questões em pauta. Em setembro/outubro de 1996 estavam discutindo a participação da delegação da ACIBRN na assembléia geral da FOIRN. Miguel pouco sabia sobre a FOIRN ainda. Conversaram com ele sobre a indicação de pessoas para concorrer à diretoria da Federação, para representar a ACIBRN, propor projetos de apoio para a região. Fizeram um documento e indicaram o seu nome e o de Josué, da comunidade Livramento. Seu pai não queria ser indicado e fez todo o trabalho de convencimento para a eleição de Miguel Maia a diretoria da FOIRN.

eleito em alguma parte da diretoria, de lá ia articular para ir para a FOIRN. Mas vim como membro da diretoria, isso deu um reflexo muito grande no meu trabalho, no meu entendimento. Em três meses de trabalho a gente conseguiu entender e acompanhar as demandas que existiam aqui, porque aqui a coisa é muito maior do que se pensa quando se está na base: articulação interna com as comunidades, articulação externa, políticas públicas, a política indígena... Então tudo isso tem que entender e responder a estas demandas. Já existia a sede, já estava estruturada, estava começando a funcionar, e quando a gente chegou, a gente implementou. A gente chegou com vários projetos já encaminhados, já existia a maloca. O nosso trabalho foi estruturar com equipamentos: foi tudo informatizado, telefones... Era só uma secretária e um contabilista. Contratamos mais pessoas porque aumentou a demanda, vários projetos: de educação, demarcação de terras, motores, carga, artesanato... [...] (Miguel Maia, ibidem).

O outro novo integrante da diretoria, Bonifácio José, tinha mais experiência acumulada no movimento indígena. Nasceu na comunidade Tucumã, em 1969, no alto Içana. Pertence a fratria Waripeledakina, cunhados dos Dsauinai e dos Hohodene. Sua esposa é Dsauinai. Sua mãe é Hohodene. Fala baniwa, curripaco, nheengatu, português, espanhol. Só entende o tukano, mas não fala. Tem um irmão mais velho, outro mais novo e mais três irmãs mais novas. Quando tinha dois anos seu pai trabalhou no extrativismo de piaçava para os colombianos que vinham para o Içana em busca de mão de obra indígena. Toda família acompanhava seu pai, eles subiam o alto curso do rio Negro e cruzavam a fronteira com a Colômbia. Nas cabeceiras deste rio tem muitos piaçabais. Os patrões colombianos não prendiam ninguém lá se não tivesse dívida. “[...] Por questão cultural dos Baniwa, é difícil ver um Baniwa amarrado num patrão. Ele tira, paga, ou trabalha antes para ter coisa. [...]” (Bonifácio José, entrevista. Manaus, 31/10/2001). A afirmação da autonomia frente ao patrão é concebida como um marcador das fronteiras étnicas com outros grupos. O avô de Bonifácio morreu quando o seu pai era criança e por isso ele se afeiçoou muito ao homem que se tornou depois seu sogro. Quando sua avó paterna morreu

quando foi visitar o sogro acabou ficando durante doze anos neste povoado. Por isso Bonifácio fala o nheengatu. Foi criado ali com os vizinhos Baré, mas ao mesmo tempo falando o baniwa porque sua comunidade era toda Baniwa. No Ipadu trabalhavam na roça, artesanato... e também retornavam para a Colômbia para trabalhar com piaçava. Visitavam regularmente os parentes no Içana.

Estudou o primário em uma comunidade Baré, chamada Tarcira Ponta. A maioria é Baré, mas também moram lá alguns Desana, todos falantes da língua geral. Seu pai decidiu ir para o Vaupés para os filhos estudarem no internato de Taracuá por incentivo dos salesianos. Em taracuá tinha o curso ginasial. Por este motivo que ele entende a língua tukano. Em São Gabriel da Cachoeira tinha que ter casa para morar, porque já tinha acabado o internato. Só foram Bonifácio e seu irmão mais velho. Havia os Baniwa que falavam nheengatu, provenientes de Assunção do Içana. Bonifácio e seu irmão eram considerados como se fossem do rio Negro, porque foram do rio Negro para lá. Ficou só um ano em Taracuá, em 1981. Nas férias retornaram para o rio Negro e de lá para o Içana. Permaneceram em 1982 e 1983 no Içana quando soube que existiam vagas destinadas aos indígenas, pela FUNAI, para estudar em Manaus. A FUNAI dava passagem e bolsa de estudos. Bonifácio e seu irmão mais velho foram para Manaus, entretanto, com apoio da Missão Novas Tribos, protestante, que atuava no Içana. Eles levavam até Manaus e lá deixavam sob a responsabilidade da FUNAI. Seus pais eram protestantes no Içana, depois quando foram para o rio Negro tornaram-se católicos e depois ao retornarem para o Içana tornaram-se protestantes novamente. Em Manaus ingressou em uma escola agrícola. De lá ele e seu irmão acompanhavam as notícias pelos jornais e pelas cartas da família sobre a invasão dos garimpeiros no Içana.

[...] E já no ano 1975, na minha adolescência a gente já escutava a luta do

pessoal do rio Vaupés, que são os Tucano, que são os cunhados dos Baniwa. Então meu tio e meu pai envolviam-se muito com Bene Tukano, com Pedro Machado, o Carlos Machado que era muito forte na época, na liderança. Teve vários

Havia muitos indígenas na escola, provenientes do Rio Negro, do Solimões, do Madeira, do Baixo Amazonas. Nesta ocasião começou a acompanhar e entender as leis que existem na Constituição Federal sobre os direitos indígenas e a observar como os políticos falavam dos índios. Isso foi aguçando o seu interesse em participar das lutas do seu povo: “[...] A gente já escutava muito os velhos discutirem isso na região. [...]” (Bonifácio José, informação verbal). Quando Bonifácio voltou ao Içana em 1987/88 havia uma cisão entre aqueles que apoiavam o Projeto Calha Norte e aqueles que não apoiavam. Bonifácio voltou de Manaus para sua região no ano em que a FOIRN foi fundada, como também a primeira associação do Içana (a ACIRI), presidida por Gersen Luciano. Seu pai participou da ACIRI como membro, não na direção.

[...] Os estudantes que estudavam na escola agrotécnica, na escola de

mineração... as pessoas que criaram a FOIRN, outras organizações ao nível da Amazônia, criaram a COIAB logo em seguida (em 1989). Quando eu voltei em 1987 tinha os colegas nossos que tinham desistido da FOIRN, que faziam parte da diretoria, então a gente participava como amigo mesmo. [...] Então a gente participava mais talvez pela amizade mesmo, não pela associação, porque tinha a diretoria da associação (ACIRI). Foi quando houve o primeiro curso de capacitação de lideranças na área de administração, aí foi o incentivo para aumentar o número de associações. A gente entrou na luta quando o Calha Norte junto com a FUNAI dividiu as terras do Rio Negro em ilhas, colônias. A gente entrou para defender independente da associação, com a comunidade mesmo, fazendo reuniões, fazendo cartas, para encaminhar. (Bonifácio José, entrevista. Op.

cit.).

No início seu compromisso com o movimento indígena era mais informal, motivado pela amizade com seus ex-colegas da escola agrotécnica e da escola de mineração em Manaus, que contribuíram para a criação da FOIRN, da COIAB e de várias organizações na Amazônia. Não atuava em posições de direção da ACIRI, mas participou das manifestações

da ACIRI e as comunidades do Baixo Içana eram contra o Projeto Calha Norte e as mineradoras, em sintonia política com a FOIRN, enquanto no alto Içana havia uma maior divergência de opiniões.

Lá no Içana tinha gente a favor do Calha Norte, outros contra e outros ainda a favor das empresas de mineração (Paranapanema, Taboca). Então dividiu três grupos. Antes da criação da ACIRI os Baniwa tinham um representante tipo um tuchaua geral, mas lá a gente não chama assim, é um líder Baniwa, um cara bastante considerado [...]. Esse velho sentiu que estava cansado e que tinha muitos que estavam entrando: empresas, Calha Norte. Quem falava pelo Calha Norte parecia que era um programa fantástico, que vinha muita coisa, então por isso muita gente se colocou pro lado. E tinha empresas de mineração que puxou muita gente pra lá. Esse velho fez uma assembléia grande para escolher o sucessor dele. Aí uma pessoa jovem foi escolhida que caiu na mão da empresa (mineradora), comprado. O velho líder era contra o Calha Norte e as mineradoras. Esse Baniwa se vendeu totalmente. Viajou para Manaus, Brasília, acompanhou o Calha Norte, assinou documentos. [...] Aí, com a criação da ACIRI, dividiu os Baniwa em três blocos, pessoal de baixo, pessoal que ficava a favor dos garimpeiros e nós que ficávamos pra cima sem bem dizer pra onde nós éramos. O pessoal do baixo estava na ACIRI que apoiava a FOIRN, então eles estavam... Só que tinha metade da nossa região (alto Içana) que estava a favor dos garimpeiros. Lá para cima estava dividido, a favor do Calha Norte e a maioria contra. A diretoria da ACIRI era contra o Calha Norte, a mineração, chegamos até a brigar fisicamente contra os garimpeiros, ainda pelo ACIRI.[...].

Em 1989, no estouro do Calha Norte, quando estava chegando bem, um pastor achava que a gente tinha que aproveitar o Calha Norte. Então, nós... um grupo de Baniwa entrou com um projeto, através da FUNAI, para ter escola, posto de saúde, e também foi construído uma pista de pouso. Então isso nossos parentes brigaram com a gente. Só que nosso entendimento não era ser a favor do Calha

criar a OIBI... eu fui o primeiro presidente da OIBI. Mesmo com o racha, a briga que teve, dois anos depois eu assumi a presidência da OIBI, que trabalha com 56 comunidades. Passei então quatro anos dentro da OIBI (1992/6). Aí sim eu começo a participar como associação junto a FOIRN em vários eventos. [...] (Bonifácio

José, ibidem).

A Organização Indígena da Bacia do Içana (OIBI) surgiu em 1992 da necessidade de uma associação para representar os interesses específicos dessa região e Bonifácio foi seu primeiro presidente. Posteriormente foram criadas outras associações no Alto Içana a partir desta mesma demanda por maior visibilidade para as necessidades e reivindicações de comunidades situadas em um determinado rio ou trecho de rio — como a Associação das Comunidades Indígenas do Rio Aiari (ACIRA), por exemplo. Por outro lado, esta crescente descentralização da representatividade etnopolítica correspondia tanto à busca de maior participação nos projetos de mudança do cenário interétnico do Rio Negro quanto ao aprofundamento de disputas por recursos (materiais, simbólicos e sociais) cujo acesso era definido nas instâncias decisórias da Federação. Entre 1993 e 1996 Bonifácio atuou junto à Fundação Vitória Amazônica (FVA) na promoção de melhores condições de comercialização do artesanato Baniwa. Em meados de 1996, com a eleição de Gersen Luciano para a coordenação da COIAB, Bonifácio o substituiu, mas não como vice- presidente. Maximiliano Menezes assumiu o cargo de vice e Bonifácio o de secretário. Na assembléia geral eletiva de 1996 ambos foram confirmados nas respectivas posições dirigentes da federação.

Na gestão do Brás, de 1993 para cá, entrou o IIZ e o ISA [CEDI] também entrou em parceria, aí começou mais a discussão dos projetos. Praticamente inicia no final do mandato deles, quando a gente entra de 1996 para 2000. A gente entrou numa época que era mais de execução, desenvolvimento destes projetos. Ainda a gente continuava estes projetos que hoje são desenvolvidos. A saúde, por exemplo, a gente continuava discutindo muito a saúde, mas não tinha nenhum projeto. Eles

ICCO, também assinaram e deixaram o segundo ano do projeto para a gente implantar vários projetinhos piloto que teve. O próprio IIZ que apoiou mais, primeiramente na área de infra-estrutura (transporte, comunicação, radiofonia). Os projetinhos bem iniciais. Na nossa época as discussões já estavam um pouco maduras. A gente conseguiu dar continuidade a estes projetos, concretizar estes projetos, que hoje estão mais maduros inclusive, não realizado ainda, não chegaram no objetivo que se pretende chegar, mas já está bastante encaminhado. Conseguimos dar procedimento, não só no nível do Rio Negro, como também no nível de discussão política, no nível da região, no nível do estado como da COIAB, e em nível nacional, como também em nível internacional que a gente teve bastante ação. (Bonifácio José, ibidem).

O primeiro ano de atividades da nova diretoria privilegiou a demarcação física das cinco Terras Indígenas, delimitadas no ano anterior.1 Esta atividade estendeu-se durante o

1 Em 1991, as associações indígenas do Alto Rio Negro recorreram ao Ministério Público pleiteando uma área contínua (8.150.000 ha) através de ação declaratória contra a União, a FUNAI e o IBAMA. A FUNAI determinou a elaboração de outro estudo de identificação, cuja proposta de delimitação unificou as 14 áreas indígenas e as 11 florestas nacionais em uma única área indígena, que foi aprovado pelo Presidente da