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PREPARANDO BONS CRISTÃOS PARA DEUS E HONESTOS CIDADÃOS PARA A PÁTRIA.

A atuação missionária no Rio Negro foi precária até o início do século XX, 1910, quando o papa Pio X concedeu a região do Vaupés brasileiro aos Salesianos. Jesuítas, Carmelitas, Capuchinhos, Franciscanos, Monfortianos e Javerianos em geral estavam associados às formas coloniais de recrutamento da mão de obra indígena (tropas de resgate ou descimentos), nos séculos XVI ao XVIII, ou às políticas nacionais de “catequese e civilização” dos povos indígenas, nos séculos XIX e XX (Jackson, 1984 e Cabalzar Filho, 1998). Na época de auge do extrativismo da borracha, diminuiu a influência missionária na região, que foi retomada nas décadas de 20 e 30 com a crise do caucho. No lado brasileiro, esta hegemonia enfraqueceu-se novamente nos anos 80 com a intensificação da presença militar, por causa do Projeto Calha Norte, e a formação de uma densa rede de organizações indígenas. Tornaram-se os principais mediadores entre os índios e o mundo dos “brancos”: “[...] Tradicionalmente han dirigido el comercio, establecido negocios, comprado los productos excedentes (sobre todo alimentos), dirigido las escuelas y, ocasionalmente, empleado a los Tukano” (Jackson, 1984: 54). Em 1953, o governo colombiano outorgou aos salesianos o pleno controle da educação em terras indígenas. Tal predomínio foi abalado nos anos 50 e 60 com a entrada de dois novos atores neste cenário religioso: a Missão Novas Tribos (MNT) e o Instituto Lingüístico de Verão (ILV).

As estratégias utilizadas pelas agências católicas e protestantes variaram. Os salesianos privilegiaram a concentração de população indígena em postos de ação, atacaram — às vezes até violentamente — algumas instituições sociais, insistiram em impor o uso da língua espanhola ou portuguesa e investiram na educação de crianças em internatos. A lógica subjacente deste último procedimento era converter e “civilizar” as crianças, formando uma geração futura de novos cristãos e um elo estratégico — uma caixa de reverberação — para convencer os mais velhos a abandonar a sua vida pecaminosa (Cabalzar Filho, 1999). Tais internatos constituíram o berço de muitas lideranças indígenas, principalmente na área da educação.

plantas alucinógenas, etc. — era um procedimento crítico para o programa de salvação

daquelas almas, pois, considerada como o templo do Mal, era o modelo do cosmos e o eixo

do simbolismo nativo (Cabalzar Filho, 1999).1 Para Jackson (1984), o padrão de moradia centrado na família nuclear foi amplamente aceito — e tinha como efeito inevitável a destruição da cultura indígena — devido ao fim das incursões vingativas e das lutas violentas entre parentes e afins.2 Sophie Muller organizou a primeira conferência de crentes em uma aldeia situada num lugar considerado como o “centro ou umbigo do mundo” pela fratria Hohodene dos Baniwa, percebendo a sua importância mítica e elegendo-a como um ponto estratégico para uma primeira grande tentativa de conversão (Wright, 1999). Todavia, a insistência católica em destruir as grandes malocas no Rio Negro (Cabalzar Filho, 1999) — e a Casa dos Homens Bororo no Brasil Central (Novaes, 1999) — pressupunha também algum conhecimento da centralidade delas para a organização social e para a cosmologia indígena. Por outro lado, os missionários católicos revelaram-se também perspicazes etnógrafos, produzindo um acervo imenso de dados e interpretações sobre os modos de vida destes povos. Eles foram personagens importantes na constituição de uma rede etnográfica no Rio Negro, em particular, e na Amazônia, em geral (Cabalzar Filho, 1999 e Falhauber, 1997).

1 Os Jesuítas, nos séculos XVI e XVII, elegeram o canibalismo e a vingança Tupinamba como os principais obstáculos para a conversão. O apego a estes “costumes diabólicos” era o alicerce da “alma inconstante” dos "índios". A morte do inimigo era um fator fundamental para o fluxo da memória coletiva e um mecanismo de produção da pessoa. Era o corpo do outro, inserido neste fluxo de mortes recíprocas, que propiciava a vitalidade social e o destino póstumo do indivíduo como ser humano pleno – indissociável da humanidade da vítima, atestada pela coragem diante do seu carrasco e pela honra de acabar no estômago do inimigo (Viveiros de Castro, 1992).

2 É importante olhar a relação entre conversão e conflitos “internos” ao grupo indígena não como de causa e efeito entre variáveis “objetivas”, mas como de interconexão semântica estabelecida pelos sujeitos. Os Wari, por exemplo, interpretaram a proposta missionária da MNTB de uma comunidade de “irmãos em Cristo ou pela fé” como um modelo de sociedade onde estariam ausentes as brigas entre parentes e afins. Logo, a conversão era interessante nos termos de uma utopia indígena e, conseqüentemente, de um desejo coletivo de eliminação da afinidade (relação tensa, geradora de roubos, adultério, vingança, etc.). Ao contrário dos Tupinambá, para quem a conversão estava inscrita na cosmologia, para os Wari estava na sua “sociologia”, isto é, em um modelo de sociedade onde a consangüinidade é produzida através da reciprocidade de alimentos (na comensalidade). Partilhar uma mesma dieta alimentar (“comida verdadeira”) configura um espaço de sociabilidade autêntico, de convivência plenamente humana, que delimita o universo da identidade e da alteridade. Este ideal aparece na concepção Wari do mundo póstumo onde só há consangüíneos. O “inferno” Wari é a afinidade e o deus cristão foi humanizado e afinizado. A humanidade não é concebida como um estado irreversível do ser, mas é sempre construída socialmente e pensada como uma série de englobamentos sucessivos e mutáveis (Villaça, 1996).

MNT, alguns elementos do protestantismo atraíram os Cubeo. Sem aprofundar este interessante postulado, acaba caindo na explicação mais fácil — embora limitada — para a conversão, qual seja:

Sin embargo, es probable que la principal razón de tan numerosas conversiones sea la desorganización y desmoralización que hacia esa época estaban sufriendo los pueblos de habla arawak y cubeo, tal como los indios del lado brasileño habían respondido a los cultos mesiánicos en el siglo anterior, debido a su extremo sufrimiento y dislocación [...] (Idem: 56).

Já o ILV se apresentava como uma organização eminentemente técnica: uma promotora do conhecimento científico sobre as línguas e culturas nativas. Todavia, seu objetivo principal era traduzir a bíblia para várias línguas como um expediente fundamental para difundir a fé cristã. Recebeu ajuda substancial do governo colombiano, como a construção de pistas de pouso e fornecimento de gasolina. Os missionários da MNT, por sua vez, receberam um tratamento diametralmente oposto no Brasil. Foram hostilizados pelo governo brasileiro, nos anos 50, e foram expulsos, com a participação do SPI e dos militares, sob a acusação de perturbarem a ordem social através de propaganda anticatólica e por causa da sua condição de estrangeiros vivendo em região de fronteira (Wright, 1999). A equipe do ILV era composta de duas pessoas, que passavam somente parte do seu tempo nas aldeias. Atuavam através de tradutores-lingüístas e eventualmente levavam alguns índios até a sede para que regressassem às aldeias e espalhassem a “Boa Nova” guardada nas escrituras. Por esta razão a influência dos membros do ILV foi menor em comparação com os católicos que passavam mais tempo nas aldeias e contavam com os internatos. Segundo Jackson (citando Irving Goldman) o sucesso da MNT entre os Cubeu deveu-se ao faccionalismo que ajudou a criar. Por seu turno, o ILV impressionava aos indígenas pelo seu aparato tecnológico (rádios transmissores, aviões, etc.) e fazia com que eles questionassem “[...] la validez de su estilo de vida tradicional y de su identidad como indios” (Jackson, op.cit: 65).

virtudes cristãs, concebida como sistema fechado e estático de crenças e valores, reificada como um conjunto fixo de traços, como algo que se preserva ou se abandona, se guarda ou se perde; mas também como uma força que coage o espírito humano, como uma entidade poderosa e maléfica que está além da vontade individual.3 Para desviar estes “pobres incrédulos” do caminho da perdição, somente os destemidos e abnegados “bandeirantes de cristo” (Novaes, 1999). Logo, qualquer violência cometida era para o bem daqueles seres indefesos diante do — e escravizados pelo — pecado; e, por outro lado, não se dirigia àqueles indivíduos, mas ao mal que os aprisionava em uma vida contrária às leis de Deus. Pretendia-se atingir o seu íntimo, isto é, a sua alma; despertar a razão adormecida em cada um daqueles seres embrutecidos pela servidão às necessidades da carne e às paixões inconstantes, impostas pelo ambiente inóspito da floresta. Compreende-se assim a conexão entre salvação e civilização.

É preciso, portanto, investigar também o imaginário cristão, as convicções e valores últimos através dos quais os sujeitos conferiam legitimidade e sensatez4 aos atos aparentemente mais absurdos e cruéis dos missionários. Não são, portanto, apenas os nativos que interpretam e definem a situação à sua maneira. Um caso exemplar é a chegada de Sophie Muller em uma aldeia quando se deparou então com um grupo de indivíduos cujos rostos estavam riscados com carvão, signo de luto. Segundo a missionária da MNT, os índios lhe contaram que aquelas eram pessoas más e que tinham nascido assim. Robin Wright (1999: 185) argumenta que: “[...] a palavra maatchi para ‘mau’, ‘diabo’, poderia referir-se à desventura que as pessoas sofrem com a morte de um parente, mas sua interpretação da palavra adaptava-se às suas noções preconcebidas da onipresença do diabo”. Segundo esta missionária o demônio havia fixado moradia permanente entre os índios. Há empreendimentos mútuos de tradução de noções de um universo semântico a

3 No contexto de sua missão, Sophie via os Baniwa como literalmente nas garras de Satã, “rodeados pelos

demônios”, “encaixados na bruxaria e com medo”, que ela atribuía à cultura deles. Sua tarefa era libertá- los, ou seja, destruir sua cultura [...] para que pudessem assimilar a fé evangelista (Wright, 1996: 189).

4 Utilizo este termo aqui conforme a noção de senso comum de Geertz (1998), que delineou os métodos cognitivos de construção social da realidade da vida cotidiana enquanto sistemas simbólicos elaborados em contextos históricos e culturais particulares. Esta formulação é fundamental para entender as operações semânticas através das quais tanto os "índios" quanto os agentes de contato atribuíram significados a situações de mudança acentuada, que de outro modo apareceriam como eventos absurdos e imprevistos.

inimigas e de feiticeiros em oposição aos parentes cujas almas terminam a sua viagem póstuma em casas patrilineares coletivas na aldeia de Iaperikuli, Jesus Cristo. As figuras da alteridade Baniwa, assim como as esferas de sociabilidade verdadeira (de existência plenamente humana), foram inscritas em uma teia semântica e social de mediação interétnica, onde o simbolismo cristão do mal passou a constituir um referencial relevante de interlocução.

Estes procedimentos de demonização do estranho, portanto, defrontaram-se com as representações indígenas sobre a alteridade dos missionários, em particular, e dos "brancos", em geral. Em muitos casos os "brancos" e missionários foram identificados com espíritos maléficos, algumas vezes até canibais, e também com poderosos xamãs inimigos (Albert, 1992; Hill & Wright, 1988 e Wright, 1992). Forças perigosas e ameaçadoras, mas que poderiam ser controladas e transformadas em forças regeneradoras se domesticadas para o benefício da ordem social e simbólica indígena. O engajamento com estas figuras da alteridade (deuses, animais, afins, inimigos, estrangeiros e espíritos) pode também significar uma vontade de ultrapassar a condição humana, de ir além de Si Mesmo. A abertura — e a captura do — para o Outro pode ser um princípio vital da sociedade e do cosmos (Viveiros de Castro, 1992). Tanto a conversão quanto a resistência ao cristianismo podem ser compreendidas nestes termos. Os tukano na Colômbia situam os seringalistas em uma categoria cosmológica de alteridade absoluta, um espírito da selva e demônio canibal que usa utensílios e roupas ocidentais, chamado Kusiró (um neologismo nativo oriundo da palavra espanhola cauchero). Esta figura provoca grande temor e faz os índios se enclausurarem nas malocas ou fugirem para a selva – como acontecia quando os caucheros chegavam.5 Este ser também está associado ao rio, para onde ele chama os Tukano amedrontados diante da possibilidade de encontrá-lo. No registro mítico e ritual Tukano um sacerdote católico expulsa esta terrível criatura, obrigando-a a abandonar a região colombiana do rio Papuri.

5 Infelizmente, a menção a tal imaginário indígena do contato interétnico não é analisada mais detidamente por Jackson (1984) que a reduz a penetração de elementos do dogma católico [...] en las historias que la gente

sistemas de recrutamento compulsório da força de trabalho indígena. O auge do extrativismo da borracha é o ponto focal em várias representações indígenas sobre o contato interétnico na Amazônia. O terror e a violência praticados pelos seringalistas — assim como as mercadorias controladas pelo patrão e pelos comerciantes — eram compreendidos através das categorias míticas e do aparato ritual disponíveis nos distintos contextos históricos e sócio-culturais. Os brancos foram associados pelos Baniwa com morte, doenças, feitiçaria, destruição e com os espíritos dos trovões e das águas localizados no mundo periférico. Kuwai, um herói cultural ligado aos tempos primordiais de criação da humanidade, é um instrumento cognitivo empregado para atribuir sentido a figura do branco e de outros personagens; um ser intermediário entre mundos distintos (assim como o xamã), dotado de poderes extraordinários e ameaçadores, mas quando domesticados através de intervenção ritual adequada transforma-se nas forças de sustentação e regeneração da ordem social e cósmica (Wright, 1996).

Os missionários foram encarados como manifestações históricas de Kuwai. Os poderes excepcionais atribuídos a Sophie Muller, por exemplo, eram considerados como de origem divina e seus ensinamentos eram a chave de acesso ao conhecimento dos brancos e o desenho ritual necessário para a superação de um momento de crise. Sua pregação e suas práticas eram equiparadas ao desempenho dos especialistas rituais, cuja função era produzir jovens adultos através das palavras. A conversão era um rito de passagem histórico cujo modelo nativo era a iniciação: um período de transição mediado por proibições e restrições que marca uma separação de um estado anterior para uma nova sociedade. Na memória coletiva Baniwa há referências a movimentos coletivos baseados em esforços deliberados de mudança através do abandono de crenças e costumes. Como nos diz Wright (1996: 188): “[...] Evidentemente, na época que Sophie chegou, os Baniwa de Iarakaim estavam à espera de intermediação xamânica para resolver seus problemas”. Por outro lado, os ex-crentes e os católicos elaboraram a imagem de Sophie através de outras imagens de alteridade, mencionando as suas andanças noturnas na floresta para atestar a sua condição de bruxa e sua capacidade de transformar-se num demônio específico do imaginário Baniwa. Os crentes, por sua vez, ressaltavam a aptidão dela em falar várias línguas ou a fala de Deus,

atos e feitos missionários, em consonância com duas linhas de clivagem social justapostas: a religiosa entre católicos e protestantes e aquela entre sibs estratificados hierarquicamente.

Neste regime de desconfiança e medo generalizados, característico do período de extração da borracha, desenvolvem-se movimentos utópicos cujo projeto é a inversão das relações assimétricas entre índios e brancos, mobilizações coletivas baseadas em previsões catastróficas do fim do mundo, sucedido por uma época de regeneração. Surgem profetas e pregadores, indígenas ou não, cuja retórica é apreendida conforme os esquemas ontológicos existentes em uma dada situação histórica. O missionário — e os signos verbais, escritos e materiais cristãos — é concebido como o grande mediador com as fontes de poder e riqueza do mundo civilizado; logo, aliado estratégico e canal privilegiado de comunicação com potências destrutivas, mas também possivelmente restauradoras. Daí o emprego indígena de elementos das cerimônias cristãs (orações, incensos, água benta, cruzes, etc.), mas segundo a gramática de seus próprios rituais e da sua cosmologia.

Mas também houve contestação propriamente dita à dominação dos "brancos" e à atuação missionária. Embora muitas vezes as assembléias de crentes fossem adequadas ao modelo nativo de celebração de aliança e solidariedade entre parentes e afins, esta “nova religião” era criticada por alguns Baniwa pelos seus meios precários para gerar a “felicidade”, isto é, a solidariedade social promovida pelas festas em que era consumido o caxiri, interditado pelos pastores. O fundamentalismo evangélico acentuou conflitos já existentes – antigas hostilidades, feitiçaria e assassinatos por vingança sob a roupagem de lealdades católicas e protestantes – e, ao mesmo tempo, minou alguns canais institucionais para a sua solução.6 Por outro lado, as campanhas dos missionários contra o xamanismo e o tabaco deixaram os Baniwa vulneráveis à feitiçaria e à bruxaria. Houve entre meados dos anos 50 e 70 um xamã poderoso e famoso no Rio Negro, chamado Kudui, que era identificado com a entidade mítica suprema Iaperikuli e também com Jesus Cristo, que defendeu as crenças e rituais Baniwa contra a ameaça dos crentes. Por este motivo, os Hohodene do alto Aiari opuseram-se às investidas dos missionários protestantes. Ex-xamãs,

6 No caso da conversão Wari a perspectiva de uma sociedade harmônica, isenta dos conflitos oriundos da afinidade, foi um motor tanto de conversão quanto de abandono do cristianismo (Villaça, 1996).

agora considerados como patrimônio coletivo, recurso estratégico para a fabricação e apresentação pública de autenticidade, uma riqueza expropriada e possivelmente recuperada ou preservada, pressupõe a formação de uma consciência reflexiva da cultura.

No caso dos movimentos milenaristas do século XIX, o que estava em jogo era o controle sobre os sacramentos católicos por parte de reputados xamãs, cujo objetivo era inverter a relação de forças entre índios e brancos. Kamiko e outros líderes messiânicos, ou Venâncio Cristo, foram apreendidos como manifestações históricas de Yaperikuli, personagem mítico responsável pela criação e regeneração cósmica, como também com Jesus Cristo. Os feitos de Kamiko observados na história oral apresentam uma gritante homogeneidade estrutural com as façanhas de Yaperikuli verificados na narrativa mítica (Hill & Wright, 1988 e Wright, 1992). Podemos constatar nesta modalidade de mobilização coletiva uma consciência reflexiva da cultura como algo cuja perda conduziria a uma situação catastrófica para a ordem social e cósmica, e por outro lado, como “[...] a vitória do poder nativo contra a destruição ocidental [...]” (Wright, 1992: 216). Esta manifestação contestatória congregou vários povos do Noroeste Amazônico e parece já se constituir com base em um acentuado senso de indianidade, ou seja, de pertencimento a uma comunidade imaginada através da oposição entre grandes entidades étnicas: índios e brancos.

Como nos conta Jean Jackson (1984):

[...] los Tukano están comprensiblemente intrigados respecto de la riqueza

material que vem y de la seguridad que poseen los misioneros. Algunos Tukano se precipitan a adquirir los símbolos de riqueza y poder que asocian con los misioneros [...] (p. 70)

[...] Los Tukano confían en que, al imitar a los blancos, se suavizarán

algunas de las discriminacion que los aquejan y adquirirán el sentido de seguridad y autoconfianza que vem, a veces equivocadamente, en los blancos [...] (p. 71)

Mas explica o “fascínio dos índios pelos bens civilizados” e a vontade de “imitar os brancos” como um mero resultado da influência missionária, como se os índios fossem

Al despertar en los Tukano el anhelo de bines materiales que sólo puden adquirirse por intermedio de las estaciones missioneras, se crea una dependencia que ayuda al logro de otros objetivos [...] (p. 70)

[...] Com la emulación de los signos externos – que los missioneros

refuerzan intermitentemente – comienza un processo de deculturación que puede producir algunos de los seres humanos más desdichados y lamentables de la Tierra

(pp. 70-71).8

É claro que a atuação missionária trouxe mudanças nas sociedades indígenas do Rio Negro, mas os índios intervieram ativamente no curso deste processo. Um tema muito comum nas ideologias dos movimentos milenaristas na Amazônia, como afirma Robin Wright (1996), é a transformação dos índios em brancos e vice-versa. Muitos grupos indígenas nutrem grande interesse pelo mundo civilizado, principalmente pelas mercadorias provenientes das cidades e transportadas pelos rios.9 Tal fato, contudo, é algo a ser

7 O mimetismo indígena remete a modos de comunicação com a alteridade acionados e redefinidos em contextos históricos específicos. Sendo o idioma corporal o principal eixo para construção do Self e do Alter, usar a “roupa” — no sentido mais amplo de “imitar” — do branco é romper com as barreiras lingüísticas que impedem o diálogo e conseqüentemente controlar os poderes perigosos e destruidores que emanam do contato com tais seres estranhos (Viveiros de Castro, 1996 e Descola, 1989).

8 A dependência dos Bororo aos bens civilizados fornecidos pelos missionários e outros brancos inscreve-se na linguagem ritual e mítica onde a mediação do Outro é fundamental para a reprodução da ordem cósmica e social. Assim como um Bororo tem o dever de representar os espíritos aroe de membros de clãs de metades opostas e em troca tornam-se seus credores, assumem esta mesma condição frente aos missionários e aos "brancos" ao representarem o papel de civilizados. [...] Os Bororo podem “ser o outro”, no caso o

“civilizado”, sem que por esta razão deixem de ser eles mesmos. Quanto mais tentam agir seguindo o modelo