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Relacionaremos os tópicos centrais de nosso estudo que foram desenvolvidos na dissertação, a título de conclusão:

- A boa-fé possui papel de fundamental importância dentro do processo, exigindo das partes uma postura proba, escorreita, segundo padrões de comportamentos, por muitos denominados standards de conduta.

- A boa-fé encontra sua raiz histórica na fides romana, a qual constituiu a base lingüística e conceitual do instituto. A fides romana, no tocante ao seu tratamento, em princípio, dirigia-se a três vertentes: às relações de clientela, como marca mais remota do instituto; aos negócios contratuais, incidindo sobre o direito das obrigações; e à proteção possessória, frente aos direito reais (Judith Martins-Costa).

- A evolução da fides pauta-se em planos diversos, se consideradas suas relações internas e externas. Aquela se lastreia na relação força/submissão; esta se desenvolve em sentido inverso, exprimindo idéia de dominação sem entraves jurídicos. Ao lado da “acomodação” horizontal da boa-fé ocorreu também o fenômeno da “diluição vertical da boa-fé”, que pode ser entendido pela composição da bona fides com a aequitas. Aequitas é o que atualmente se denomina justiça: aquele ideal ético que existe, em estado amorfo, na consciência social, e que tende a transformar-se em direito positivo.

- Os romanos possuíam mecanismos para reprimir as lides temerárias e o dolo processual com a condenação em dobro ou a imposição pelo magistrado do réu fazer juramento que não se defenderia utilizando-se de má-fé.

- No Direito Canônico, a boa-fé é abordada em relação a duas matérias distintas: a tutela da usucapião e os contratos consensuais. A boa-fé é vista como ‘a ausência de pecado’, ou seja, como estado contraposto à má-fé.

- No Direito Germânico a expressão Treu und Glauben define os limites da boa-fé relacionada ao direito obrigacional, representando, porém, significado diverso daquele expresso no direito romano. Ao invés da fidelidade ao pactuado, sobressai a idéia de lealdade (Treu ou Treue) e crença (Glauben ou Glaube), qualidades estas que encontram como referenciais condutas, ou comportamentos, não apenas intenções.

- A boa-fé possui duas acepções no direito brasileiro: subjetiva e objetiva. A subjetiva corresponde ao estado psicológico do sujeito caracterizado pela ausência de malícia ou pela suposição interior de estar agindo corretamente, em conformidade com o direito. Já a objetiva, foco de nosso estudo, constitui cláusula geral que impõe às partes o dever de colaborarem mutuamente, determinando um comportamento ativo de pautar-se com lealdade, repelindo atos que possam lesionar ou prejudicar a parte adversa.

- Atuamos de boa-fé quando tomamos o cuidado de não frustrar as expectativas lastreadas na confiança que objetivamente despertamos nas outras pessoas, porquanto essas outras pessoas podem projetar suas vidas excluindo aquilo que confiam que jamais acontecerá.

- A responsabilidade processual pelo descumprimento de deveres processuais de boa-fé é objetiva: prescinde-se da perquirição de dolo ou culpa, na medida em que a conduta é julgada a partir de sua comparação com padrões comportamentais.

- O complexo dos deveres de boa-fé é caracterizado pela marca da atipicidade, conquanto o Código de Processo Civil tenha optado pela técnica legislativa de arrolar condutas reputadas como litigância de má-fé.

- As Ordenações Filipinas foram o primeiro conjunto de normas que vigorou no Brasil e preconizou a teoria da boa-fé. O Código Comercial de 1850, no artigo 131, previa os modos de interpretação de cláusulas contratuais, porém, sem muita amplitude. A boa-fé também foi tratada pelo Código Civil de 1916 (art. 85 e 1443 ). O Código Penal, Decreto-Lei n.º 2848 de 1940, que também prestigia os terceiros de boa-fé contra perda em favor da União dos produtos do crime (artigo 91, II). O Código de Processo Penal, Decreto-Lei n.º 3689 de 1941, por sua vez, do mesmo modo exalta a conduta do terceiro de boa-fé.

- O Código de Defesa do Consumidor, em 1990, consagrou a boa-fé objetiva. O novo Código Civil acolheu expressamente o princípio nos artigos 113, 421 e 422. O Código de Processo Civil brasileiro não prevê expressamente a boa-fé, constituindo-se neste estatuto como “princípio geral não-expresso”, admitido no corpus do ordenamento pela via doutrinário-jurisprudencial, permitindo a abertura do sistema de processo civil no Brasil.

- No Direito Estrangeiro alguns estatutos merecem destaque. O Código Napoleônico possui inúmeras referências à boa-fé. O Código de Processo Civil da Áustria, no seu § 178, por exemplo, foi o precursor na imposição de conduta ética aos litigantes. O direito alemão atribui também grande importância ao princípio da boa-fé, com destaque para a teoria da interpretação e suas técnicas. O § 242 do Código Civil alemão constitui cláusula geral. Também o § 138 dispõe sobre o dever de esclarecer sobre os fatos de forma ampla e de acordo com a verdade, seguido, no mesmo sentido, o § 96, da ZPO.

- No direito italiano destaca-se o artigo 88 do Código de Processo, no qual constam os princípios orientadores da repressão do abuso no processo. O art. 175 também atribui poderes ao juiz para o desenvolvimento de toda atividade processual com lealdade. O artigo 92 prevê a possibilidade de condenação de uma parte, ainda que ela não saia vencida da demanda, apenas porque provocou danos à parte e o art. 96 sanciona impondo obrigação de reembolsar as custas e obriga a ressarcir os danos.

- No direito português, a boa-fé representa uma cláusula geral de grande abrangência, mas que encontra previsão em dispositivos esparsos, entre estes podemos citar o art. 227, 1; art. 334 e art. 762, 2 do Código Civil. Já o Código de Processo Civil português, podemos citar o art. 266-A, que complementa o art. 264, art. 154, 4, art. 456, que prevê as figuras da litigância de má-fé e art. 665 que regulamenta o uso anormal do processo.

- O ordenamento jurídico espanhol contempla expressamente a boa-fé e a Ley de Enjuiciamiento Civil espanhola consagrou um título exclusivo ao dever de boa-fé. Em seu art. 247 há quatro incisos disciplinando as regras de boa-fé.

- O Código-Tipo para a América Latina (Código de Processo Civil modelo para a América Latina) é também um dos diplomas que prevê expressamente a boa-fé processual. Em destaque para seus artigos 5º, 33, 70 e 71. Na Argentina, consagrou-se expressamente a boa-fé no âmbito de direito material (art. 1.198 do Código Civil), não havendo ampla recepção do instituto no direito processual (art. 72 do Código de Processo Civil). No Uruguai evidencia-se o art. 1.291 do Código Civil e os arts. 60 e 61 do Código de Processo Civil. O Código Processual Venezuelano prevê a reparação do dano, no parágrafo único do art. 170. A Colômbia estabelece expressamente em seu art. 72 do Código de Processo Civil a responsabilidade da parte nos casos de abuso de direito, má-fé ou atuação temerária.

- O Código Civil Japonês (Mimpô) recepcionou o princípio da boa fé objetiva, em seu artigo 1º, alínea 2. Os Estados Unidos atribuem grande importância à boa- fé. Merecem destaque o Uniform Commercial Code e o Restatement of the Law of Contract (Second). Na Inglaterra a expressão good faith é substituída pela fair dealing (atuação correta) e a boa-fé é prevista principalmente nas matérias atinentes ao direito do consumidor, no Fair Trading Act (1973) e Unfair Contract Terms Act (1977).

- Diversos estatutos processuais, assim, passaram a enfocar a exigência de condutas condizentes com a boa-fé processual com vistas a coibir o dolo processual.

Segundo a ética, o homem tem o dever moral de agir de boa-fé; e, segundo o Direito, o homem tem o dever legal de não agir de má-fé (Rui Stoco).

- A doutrina alemã prevê 4 (quatro) possibilidades de aplicação da boa-fé ao processo: 1) proibição de consubstanciar dolosamente posições processuais (construção jurisprudencial alemã; o Código Processual Brasileiro acolhe expressamente a proibição de criar dolosamente posições processuais em seus artigos 233; 133, I e 17, incisos I, II, III e IV).

- 2) Proibição de venire contra factum proprium que ocorre quando uma pessoa, dentro de uma relação jurídica, agiu de determinada forma, de modo a gerar uma confiança nesta pessoa, não poderá, posteriormente, em conduta futura, quebrar a confiança gerada atuando de maneira incompatível com a conduta inicialmente adotada (Diez-Picazo). Havendo real contradição entre dois comportamentos, a significar que o segundo ocasiona a quebra injustificada da confiança gerada pela prática do primeiro, em prejuízo da contraparte, não é admissível dar eficácia à conduta posterior (Ruy Rosado de Aguiar).

- 3) Proibição de abuso de poderes processuais que tem conteúdo residual abrange, por exemplo, os casos de chicana e atos protelatórios injustificados, que acabam por estender o curso regular do processo.

- 4) Supressio e Surretio. Supressio (Verwirkung) significa a perda da possibilidade de atuar no processo, motivada pelo ‘não-exercício’ de um direito durante certo tempo, nos casos em que esta omissão de conduta projeta na outra parte uma crença de que este poder não seria mais exercido, causando seu impedimento por imposição da boa-fé. Surretio consubstancia-se na situação jurídica ativa, que surge para o antigo sujeito passivo, de não mais submeter-se à antiga posição de vantagem pertencente ao credor omisso. A estipulação de prazos para o exercício de determinados direitos muito bem delineados na lei engessa qualquer tentativa de flexibilização e, portanto, da aplicação destes institutos tanto no Brasil quanto em Portugal. Não é demais lembrar que a supressio

não se confunde com outros institutos processuais a ela assemelhados, tais como a preclusão, prescrição, decadência.

- O direito de ação é direito subjetivo da parte e não deve ser ungido ao patamar de utilização a qualquer pretexto ou sob qualquer enfoque, desvirtuado de sua função especial. Para configurar o abuso, o direito de ação deve ter sido exercido de modo distorcido, em desarmonia com suas finalidades intrínsecas.

- O direito de defesa não pode servir como meio para o cometimento de abusos, com o único propósito de elidir ou protelar a atuação estatal tendente à resolução dos conflitos. O abuso do direito de defesa consubstancia-se na resistência injustificada de todo ato que, sem apoio na lei, obedeceu apenas ao intuito de chicana, protelação ou diferimento, para qualquer mudança de circunstâncias, ou embaraçamento das provas do autor. (Pontes de Miranda).

- Para fins da configuração de eventual má-fé fundada na dedução de pedido ou defesa contrários a entendimento jurisprudencial pacificado é preciso que reste evidenciado o intuito de meramente procrastinar ou alongar indevidamente a duração regular do processo, ou seja, desafiar a tese vigente em uma abordagem direta, pronunciando-se a intenção de alterar o entendimento dominante, não configura má-fé.

- O dever de veracidade é corolário do princípio da boa-fé e significa que a parte não poderá alterar a verdade dos fatos visando beneficiar-se na lide. Consiste a violação ao dever de veracidade afirmar fato inexistente, negar fato existente ou dar versão mentirosa a fato verdadeiro. Está ele previsto no artigo 14, I, do Código de Processo Civil, podendo ser considerado litigante de má-fé, por força do artigo 17, II, do mesmo Código, cuja sanção pelo descumprimento deste dever encontra-se prevista no subseqüente artigo 18, que comina pena de multa de 1% (um por cento) do valor da causa, mais eventuais perdas e danos sofridos.

- Por ocasião do depoimento pessoal ou interrogatório o dever de veracidade também deve ser observado. O § 2º, do artigo 343 do Código de Processo Civil prevê a pena de confissão àquele que não comparecer em juízo para prestar seus esclarecimentos, ou comparecendo se recusar a depor. Esta regra comporta exceção quando, por exemplo, o direito ao silêncio decorre da proteção constitucional e penal ao sigilo profissional, o depoente não tem apenas o direito de recusar-se a depor; tem o dever de fazê-lo.

- O dever de exibição de documentos também coaduna-se com a boa-fé objetiva, ou seja, em razão do dever de informação que emana do princípio da boa-fé objetiva, quando se tratar de documento essencial para elucidação dos fatos, a parte que tenha interesse em utilizá-lo como prova, tem direito legítimo de exigir a exibição do documento e a outra parte o dever de apresentá-lo.

- Dentro do tema do direito de recorrer, dele abusará aquele que, detendo a prerrogativa abstrata de interpor recurso contra determinado pronunciamento judicial, assim o fizer de forma ilegítima, sem fundamento ou com malícia, objetivando atrapalhar o trâmite regular do processo.

- O dolo processual pode ser visto como gênero, do qual são espécies a litigância de má-fé, os atos atentatórios à dignidade da Justiça, os atos atentatórios à dignidade da jurisdição e o abuso do direito processual. O dolo processual constitui ardil capaz de desviar o pronunciamento justo da decisão de mérito.

- A litigância de má-fé é instituto derivado do dolo processual, exigindo da parte atitude que se adeque àquelas previstas no artigo 17 do Código de Processo Civil. As sanções previstas têm o objetivo de punir a parte que praticara ato ofensivo ou desrespeitoso ao Poder Judiciário. A sanção pode ser imputada à parte que pede ou tenha de responder nos autos (Pontes de Miranda). Os casos de litigância de má-fé estão descritos, em rol taxativo, no artigo 17 do Código de Processo Civil, de modo que não se pode aumentar tais hipóteses.

- Os atos atentatórios à dignidade da Justiça são corolário da lealdade processual e estão também previstos em rol taxativo, no artigo 600 do Código de Processo Civil. São eles: (i) fraudar a execução; (ii) opor-se maliciosamente à execução através de ardis ou meios artificiosos; (iii) resistir injustificadamente às ordens judiciais; e, (iv) não indicar bens à penhora em cinco dias, quando intimado. O escopo desta norma é dar maior eficácia à atividade executiva, servindo como um guia para os litigantes, tendo em vista o desfecho único deste tipo de processo, em que se presume a razão do exeqüente em vista do título executivo que ostenta, há razão para um maior rigor contra as condutas tendentes a frustrar o resultado objetivo pelo credor. (Carlos Alberto Carmona).

- Os atos atentatórios à dignidade da jurisdição são aqueles que afrontam o Estado diretamente, pois seu comando restou desobedecido pela parte, por terceiros ou por algum auxiliar da Justiça. Os atos atentatórios ao exercício da jurisdição, tidos como contempt of court pelo artigo 14, parágrafo único, do Código de Processo Civil, é também espécie do gênero dolo processual e ofende os deveres das partes, terceiros e auxiliares da Justiça, como posições jurídicas subjetivas.

- O abuso do direito processual ocorre quando há a atuação da parte em juízo, com utilização de meio processual lícito, mas com escopo diverso de função institucional para o qual foi criado. O meio processual utilizado era, portanto, lícito; contudo, o fim almejado pelo agente mostra-se ilícito já que desraigado de sua finalidade original.

- O Código de Processo Civil vislumbra três formas de reparação: i) uma indenização não superior a vinte por cento sobre o valor da causa, ou liquidada por arbitramento (art. 18, caput e § 2º); ii) o pagamento de honorários advocatícios (art. 18, caput); iii) o ressarcimento das despesas processuais efetuadas pela parte prejudicada (art. 18, caput). Ressaltando que as multas da mesma natureza não podem ser cumuladas, pois incidem no bis in idem.

- A sanção decorrente do dolo processual prescinde da demonstração dos prejuízos, não importando se a parte temerária é vencida ou vencedora. A liquidação dos danos far-se-á nos mesmos autos em que ocorreu o abuso.

- A boa-fé processual é, portanto, meio de se buscar a ‘equidade substancial e justiça procedimental. Na verdade, conquanto seja inegavelmente um valor ético-moral, a boa-fé sempre constituiu um valor jurídico, valor este que se positivou em nosso ordenamento vigente como uma norma-princípio implícita, que inspira a criação de um sem-número de regras jurídicas e que, por ser norma jurídica, pode utilizar-se do poder coercitivo do Estado para ser efetivada no plano social. Embora não aludida de forma expressa no Código de Processo Civil, a boa-fé tem se portado como “princípio geral não- expresso”, ingressando no corpus do ordenamento pela via doutrinário-jurisprudencial e permitindo a abertura do sistema de processo civil no Brasil.