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P ROCESSO C IVIL B RASILEIRO

4) Supressio e Surretio.

Supressio é a expressão utilizada para traduzir o vocábulo alemão Verwirkung136 e significa a perda da possibilidade de atuar no processo, motivada pelo ‘não-exercício’ de um direito durante certo tempo, nos casos em que esta omissão de conduta projeta na outra parte uma crença de que este poder não seria mais exercido, causando seu impedimento por imposição da boa-fé.

Por sua vez, a surretio traduz-se, nas palavras de Fredie Didier Jr., como “a situação jurídica ativa, que surge para o antigo sujeito passivo, de não mais submeter-se à antiga posição de vantagem pertencente ao credor omisso”.137

Este instituto passou a ser utilizado na Alemanha, por ocasião do terrível período inflacionário com grande desvalorização da moeda, ocorrido antes da 2ª Guerra Mundial. Nesta época, os tribunais alemães decretavam a perda do direito à recomposição das perdas e danos, se o credor não a houvesse requerido durante certo lapso temporal.

A justificativa de sua aplicação está pautada na confiança criada na outra parte, vertente do princípio da boa-fé e está intimamente ligada ao fator do tempo no processo.

Ovídio Baptista da Silva afirma que o tempo tem destaque de relevo no direito, mas no processo, em especial, sua importância é ainda mais evidente, haja vista que o processo traz em si a idéia de uma ‘atividade temporal’.138

Carnelutti, em magnífica obra, discorreu neste sentido asseverando que “o valor que o tempo tem para o processo é imenso e, em grande parte desconhecido. Não seria exagero comparar-se o tempo a um inimigo contra o qual o juiz luta sem descanso.

136 CORDEIRO, Antônio Manuel da Rocha e Menezes. op. cit., p. 378. 137 DIDIER JÚNIOR, Fredie, op. cit., p. 1.

138 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de Processo Civil, vol. I, 3ª ed., Porto Alegre, Sergio Antonio

De resto, também sob este aspecto o processo é vida. As exigências que se apresentam ao magistrado, com relação ao tempo, são três: detê-lo, retroceder ou acelerar seu curso”.139

Portanto, é intrínseca a relação entre tempo e justiça e é exatamente neste âmbito é que se insere a supressio.

Menezes Cordeiro sustenta, no que tange ao relacionamento entre estes institutos, que a supressio pode servir como “saída extraordinária, insusceptível de aplicação sempre que a ordem jurídica prescreva qualquer outra solução”. Autores como Friedrichs140 defendiam que a supressio não se aplicaria nos casos, em que os prazos fossem fixados em lei. Entretanto, tal posição foi criticada por Heydt,141 que afirmava que somente pode se aceitar tal tese, se referidos prazos fossem considerados curtos.

Sua aplicação tanto no Brasil quanto em Portugal encontra alguns entraves: em verdade a estipulação de prazos para o exercício de determinados direitos muito bem delineados na lei engessa qualquer tentativa de flexibilização.

Com efeito, os prazos processuais brasileiros são, em sua grande maioria, determinados por lei (prazos legais), apesar de haverem os prazos judiciais e os convencionais. Sobre os últimos, como bem ressaltado por Ovídio A. Baptista da Silva, no processo civil “é muito escassa a margem deixada pela lei para que as partes convencionem a respeito de prazos processuais”.142

Justamente em razão desta rigidez, tornou-se difícil a aplicação destes institutos, apesar de nossos tribunais, ainda que timidamente, virem aceitando esta teoria.143-144

139 CARNELUTTI, Francesco. Diritto e Processo, Nápoles, Morano Editore, 1958, p. 232. 140 FRIEDRICHS, Karl. Geltungsbereich des Vewirkungsrechts, JR, 1934, p. 46-47.

141 HEYDT, Ludwig. Grenzen der Vewirkung in gewerblichen Rechtsschutz und Urheberrecht, GRUR, 1951,

p. 182-186.

142 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. op. cit., p. 171.

143 “CIVIL E PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA. PARCELAS DE CONTRATO DE

TRANSPORTE DE CARÁTER CONTINUADO. COBRANÇA QUE DISTA CERCA DE 17 (DEZESSETE) ANOS DESDE O ALEGADO INADIMPLEMENTO. SUPPRESSIO. SURRECTIO. PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ OBJETIVA, DA CONFIANÇA, DO ABUSO DE DIREITO E DO VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM (TEORIA DOS "FATOS PRÓPRIOS"). 1 - Constitui

Não é demais lembrar que a supressio não se confunde com outros institutos processuais a ela assemelhados, tais como a preclusão, prescrição, decadência.

Realmente, a preclusão é, segundo Chiovenda, “perda, extinção ou consumação de uma faculdade processual pelo fato de se haverem alcançado os limites assinalados por lei ao seu exercício”.145

Luiz Rodrigues Wambier, Flávio Correia de Almeida e Eduardo Talamini afirmam que a preclusão é fenômeno processual e está intimamente ligada ao seu andamento, com vistas a possibilitar a solução concreta proveniente da prestação jurisdicional do Estado.146

José Frederico Marques defende que a preclusão teria como um de seus fundamentos a proibição do bis in idem.

Maurício Giannico, de forma esclarecedora, encerra a questão afirmando que: “atualmente, a presença do instituto no universo processual legitima-se, acima de

abuso de direito e violação aos princípios da boa-fé objetiva, da confiança e do devido processo legal substantivo, a cobrança de cotas de contrato de transporte de caráter continuado formulada cerca de 17 (dezessete) anos depois do primeiro ato configurador do inadimplemento. 2 - Incidência da teoria da

suppressio/surrectio e do venire contra factum proprium. 3 - Apelo da ré provido; apelo da autora não provido; 4 - Sentença reformada” (TJ-DF, 4ª Turma Cível, Apel. n.º 20070150117324, rel. Des. Cruz Macedo, DJU 9.2.2009, p. 106).

144 “PROCESSO CIVIL. RECONVENÇÃO. CONCEITO. REQUISITOS E PRESSUPOSTOS.

DOUTRINA. RECURSO PROVIDO. MAIORIA. Na linha da doutrina, ‘além dos pressupostos que são comuns a toda e qualquer relação processual, quando se apresenta a reconvenção, há que se atentar para os pressupostos que lhe são específicos’, a saber, conexão, pendência de processo e identidade de procedimento. - Não é requisito da reconvenção, portanto, a presunção de que a ré- reconvinte não teria demandado contra o autor-reconvindo caso não fosse ajuizada a ação principal. - Em outras palavras, estando presentes todos os requisitos inerentes à reconvenção, não há razão para deixá-la de admitir pelo simples argumento de que o réu não praticou qualquer ato anterior ao ajuizamento da reconvenção que demonstrasse interesse na obtenção da prestação jurisdicional” (STJ, 4ª Turma, RESP 207.509-SP, rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU 18.8.2003 p. 209)

145 CHIOVENDA, Giuseppe. “Cosa juzgada y preclusion”, in Ensaios, v. III, trad. Sentis Melendo, Buenos

Aires, 1949, citado por Celso Agrícola Barbi, Da preclusão..., p. 59.

146 WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; e, TALAMINI, Eduardo. Curso

tudo, em virtude do compromisso estatal com a rápida, justa e adequada composição dos litígios”.147

Em sendo assim, não se confunde a preclusão com a supressio.

Também a prescrição e a decadência são institutos que não se confundem com a supressio.

Ernane Fidelis afirma que a prescrição tem por escopo a estabilização das relações sociais, “de tal forma que a pretensão não exercida judicialmente a tempo vai permitir ao obrigado a não-sujeição ao direito”. Já com relação à decadência aduz que o decurso de tempo “faz desaparecer o suporte da própria pretensão”.148

Nesta esteira, Luiz Rodrigues Wambier, Flávio Correia de Almeida e Eduardo Talamini asseveram que a prescrição e a decadência são institutos que se referem à inércia de uma das partes durante certo tempo, ocasionando a perda de um direito. Ambas teriam como objetivo encerrar uma situação que, caso permanecesse indefinidamente, traria instabilidade para as relações jurídicas.149

Pela análise destes institutos e de suas ocorrências, verifica-se que há um imenso número de prazos espalhados em grande quantidade de leis. As hipóteses de prescrição estão dispostas em numerus clausus e as de decadência estão ligadas à disposição normativa que a estabelece.150

Ao compararmos a prescrição e a supressio, verificaremos que, no caso de incidir a prescrição, o direito nela fundado não desaparece, inexistindo, apenas, a possibilidade de ser acionado em juízo. No caso da supressio, a idéia é semelhante, mas não há nenhum óbice legal a impedir o credor. Na verdade, o não-exercício por

147 GIANNICO, Maurício. A Preclusão no Direito Processual Civil Brasileiro, 2ª ed., São Paulo, Saraiva,

2007, p. 79.

148 SANTOS, Ernane Fidélis. Manual de Direito Processual Civil – Processo de Conhecimento, vol. 1,

10ª ed., São Paulo, Saraiva, 2003, p. 386.

149 Op. cit., p. 537.

determinado tempo fez com que a outra parte entendesse que este ‘direito’ não seria mais exercido, e sua tentativa posterior de buscá-lo em juízo é impedida em razão da boa-fé.

Na decadência a situação é semelhante. Ernane Fidélis dos Santos lembra que a lei prevê várias hipóteses nas quais a parte perde o direito material que lhe assiste em virtude de não exercitar seu direito de ação dentro do prazo estipulado, configurando a decadência.

Pela análise dos institutos afins percebemos que a supressio tem então atuação extremamente restrita no sistema processual brasileiro, na medida em que não há margem para o não-exercício de uma faculdade ou direito, sem que o próprio sistema imponha uma penalização para isto, impedindo o detentor deste direito de cobrá-lo em juízo, ou impondo sua perda.

Portanto, conclui-se que a aplicação da supressio no Brasil encontra óbices expressivos em face da rigidez do rol fixo de prazos processuais.