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Após uma longa explicação de como se desliga o computador, grande parte

dos alunos do Telecentro (parte dos quais permanece calada) deram mostras de que não entenderam ((terceira aula da Turma A, 3/11/2010):

1 INSTRUTOR: Então (2) que que a gente tira de lição disso? (27)

2 ((os alunos permanecem calados))

3 INSTRUTOR: Que quando for desligar o computador {{põe as mãos no

4 monitor de Cássia))(20) é pra desligar desse modo.((que ele acabara

5 de explicar))

6 SILVA: Mas aqui ((aponta para o estabilizador)) fica sempre ligado.

7 INSTRUTOR: É (5) mas quando for desligar o computador, desliga

8 daquele jeito.

9 MOISÉS: Mas é pra desligar aonde? Aqui ou lá? ((Aponta primeiro para

10 o gabinete e depois para o estabilizador))

11 INSTRTOR: Nenhum dos dois (17) Quer dizer, vocês tem que usar o menu

12 iniciar pra desligar, vocês entenderam?

13 SILVA: Mas então, como é que des[liga]?

14 CÁSSIA:((pega seu estabilizador nas mãos)) [Mas] esse aqui fica

15 ligado?

16 INSTRUTOR: Não tem importância, o estabilizador pode ficar ligado.

17 ((para Silva))Mas já expliquei como se desliga o computador, lembram 18 como é? ((sem resposta dos alunos))

19 INSTRUTOR:Não é nesse botão aqui não ((aponta para o botão de

20 liga/desliga no gabinete)). Vocês têm que ir lá no menu iniciar, 21 clicar naquela setinha que tem lá embaixo, selecionar desligar e 22 pressionar OK

O Fragmento 17 é um exemplo de como os significados da interface perdem o

sentido face à sua imperviedade, ou seja, ou os alunos entendem estes significados da maneira que quem projetou a interface os entende, ou não vão entendê-la de todo. Como dizem Santaella e Noth (1998:167), “tudo o que se passa por trás da tela é radicalmente abstrato”. Um grande botão vermelho na tela do computador, por exemplo, em que está escrito “desligar” perde completamente a sua força perante um pequeno botão semelhante no gabinete. O botão na tela não é um botão - “isto não é um cachimbo”, não é? -, é a representação de um botão. Imagens em uma tela tendem a ser largamente polissêmicas. Por conseguinte, seria normal que um aluno que não conhecesse a lógica de funcionamento das interfaces gráficas, ao se deparar com tal botão se perguntasse se aquilo é mesmo um botão. Mesmo que ele chegasse à conclusão correta de que se trata de um botão, ele ainda poderia não saber como faria para pressioná-lo. Se ao mesmo tempo visse um botão “real” de liga/desliga no gabinete, é natural que, dada a inacessibilidade do botão na tela, preferisse apertá-lo, pois esse produz resultados já conhecidos pelo aluno. Ou o aluno entende que o “botão’ é de fato um botão, ou com certeza vai perder-se durante a interação com a interface. O mesmo vale para “copiar e colar”, “dar Enter” ou excluir um arquivo, por exemplo.

“A natureza simbólica dos signos da interface do WindowsXP© faz com que não seja simples compreender seu significado a priori”, (CAMPOS, 2006:57). “Usuários experientes”, completa, “conhecem os princípios básicos que regem o uso da interface, podem operar inferências com maior possibilidade de sucesso, já que, segundo Eco (1998:72), ‘somente se eu já conheço a regra geral segundo a qual ‘se fumaça, então fogo’ eu sou capaz de tornar significativas as informações sensoriais’”.

Durante o evento descrito neste fragmento, lembro-me que tive a impressão nítida

de que alunos e instrutor não estavam falando a mesma língua. A necessidade de “mostrar e falar”, pôr as mãos nos objetos, apontar para eles, usá-los como referência (“aquele lá”, “esse aqui”) reforçou essa impressão. O fato de que um aluno perguntou como se faz algo que o instrutor explicara poucos segundos antes e o fato de alunos e instrutor estarem falando de coisas tão diferentes como “Menu Iniciar”, gabinete e estabilizador, sendo que apenas o primeiro destes foi mencionado pelo instrutor, aumentaram essa impressão. Atribuo essa dificuldade dos alunos novamente à incongruência dos domínios semióticos: no domínio semiótico de objetos mais familiares aos alunos (eletrodomésticos e eletroeletrônicos que seguem a lógica analógica, por exemplo) “desligar” é algo que se faz físicamente, pressionando- se um interruptor ou apertando-se um botão; já no domínio da informática “desligar” equivale

a “desativar” ou “cancelar o funcionamento”, isto é, interromper as principais funções lógicas do computador (desativar os softwares que por ventura estejam em funcionamento assim como o sistema operacional) para então remover-se a energia das suas partes físicas (memória, disco rígido, processador, etc), algo que é feito através do próprio sistema operacional.

Os signos de uma interface gráfica são complexos, podem carregar significados complexos, como, por exemplo, a lógica de funcionamento da interação com o computador, que nunca é completamente explicitada nas aulas do Telecentro (vale a pena conferir o significado de argumento, décima classe de signos segundo a semiótica de C.S. Peirce). Estes signos são mais complexos que significados semânticos, porque são também operações visuais, gestuais e espaciais.

Em todas as aulas observadas vê-se essa disputa: seja “reiniciar”, ou “copiar e colar”, ou “trancar a sessão”, ou “pasta” e “arquivo”, ou “enter” e a mudança de linha, ou “desligar o computador”, só para citar alguns exemplos. Da parte dos alunos, fora algumas poucas exceções, há sempre interpretações para os signos da interface conflitantes com o seu significado pretendido e uma lacuna, uma vez que não manifestam quaisquer concepções de o que fazer com o computador e porque fazer algo com ele - demandas específicas para o instrutor em termos de usos. Fica a impressão de que não têm essas demandas, ou se as têm, acabam desistindo delas.

Ao menos seria possível pensar que essas concepções poderiam orientar a interpretação da interface, ou a interseção do domínio semiótico do cotidiano com o da informática, mas o que se percebe é que justamente aí estão as maiores dificuldades dos alunos.

CAPÍTULO 4