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Luciana e Maria tentam cumprir uma tarefa com a planilha de cálculos (nona

aula da Turma B, 25/05/2011, aos 47 minutos) 88:

O instrutor pedira que os alunos acrescentassem números a três colunas, somassem o total das colunas e obtivessem a média dos totais. Luciana e Maria se concentraram no computador de Luciana para realizar a tarefa.

1 LUCIANA: Vamos colocar os números primeiro, né?

2 MARIA: Vamos. Mas quais?

3 LUCANA: Na coluna A podemos por a data de hoje.

4 MARIA: ((Faz que concorda com a cabeça))

5 LUCIANA: Vinte cinco, cinco, onze ((nsere os números enquanto fala))

6 MARIA: Na coluna B coloca aí os números vinte e um, quatro, quarenta

7 e dois.

8 LUCIANA: ((Insere os números sugeridos por Maria))

9 LUCIANA: Agora vou botar qualquer coisa ((digita os números 33, 66,

10 99))

87 Extraído das notas de campo. A confusão de interface com sistema operacional é comum à maioria dos alunos

do Telecentro, e nem o curso, nem o instrutor fazem nada para esclarecê-la.

88 Fragmento reconstituído, em parte, com as notas de campo e o videolog, pois devido a ruídos muito altos

vindos do Mercado de Flores foi impossível transcrever completamente a fala das alunas a partir dos registros videografados.

11 MARIA: Tá bom. Agora tem que somar as colunas. Você se lembra como

12 soma?

13 LUCIANA: Anotei aqui ((mostra uma folha de papel para Maria))

14 MARIA: Sim. Primeiro seleciona as células da coluna.

15 LUCIANA: Como?

16 MARIA: Assim ó ((pega o mouse e seleciona as três células)). Como é

17 que soma mesmo?

18 LUCIANA: É só colocar igual, soma em maiúsculas, parênteses, as

19 células que a gente quer somar e fechar parênteses ((Escreve enquanto

20 fala))

21 MARIA: Ah, que bom. Posso fazer a soma da coluna B?

22 LUCIANA: ((aproxima de Maria o teclado do seu computador))

23 MARIA: ((seleciona as células e digita a fórmula do somatório))

24 LUCIANA: Deixa eu selecionar as células da coluna C. ((clica e

25 arrasta o mouse sobre as três células e digita a fórmula do

26 somatório))

27 MARIA: E agora, você se lembra da fórmula da média?

28 LUCIANA: Eu não.

29 ((Luciana e Maria riem))

30 LUCIANA: ((Luciana pede ajuda ao monitor, que estando por perto

31 explica para ela a fórmula da média))

32 LUCIANA: Entendi. ((volta-se para Maria)) Pronto, ele me explicou.

33 ((Em seguida Luciana seleciona os totais, digita a fórmula que o

34 monitor a ensinara sob o olhar atento de Maria e obtém a média dos

35 totais))

No fragmento 13, vemos as alunas utilizando estratégias de aprendizado diferentes das que vimos no exemplo anterior. Verificamos que seu conhecimento se complementa em dois momentos (linhas 11 a 17), constatamos a estratégia de fazer para mostrar como se faz89 (linhas 13/14), a estratégia de fazer para gravar na memória (linha 18/19 e 20/21), a estratégia de perguntar ao monitor, e a estratégia de dividir com o outro a resposta do monitor (linha 32). Observe-se que, assim como no fragmento 12, as duas alunas também interagem no mesmo nível, sem que uma das duas tenha preponderância de papéis na troca interacional.

Esses momentos são os “verdadeiros” eventos de letramento (HEATH, 1982), eventos em que de fato apreendem mais do que na interação comandada pelo instrutor. Eventos que significam, muitas vezes, mais do que uma aula inteira. Observei diversas vezes que a informação obtida através dessas interações entre alunos transforma os participantes, o que não acontece com a informação transmitida diretamente pelo instrutor. Eles ganham um pouco mais de confiança para interagir com o computador, não esquecem nas aulas seguintes os procedimentos e/ou significados negociados nestes eventos, em resumo: eles aprendem. De fato, muitos dos alunos que participaram destes eventos adquiriram uma base sobre a qual

89 Maria havia aprendido a selecionar com o mouse na aula sobre edição de textos, na qual fez várias perguntas

Figura 14. Botão de “trancar a sessão” do Windows Vista©.

interpretar os significados e as funções interativas dos signos com os quais se depararam nas aulas posteriores. Afinal, é apenas isso que é solicitado dos alunos durante as aulas observadas no Telecentro.

3.2 Domínios semióticos no Telecentro

3.2.1 Domínios semióticos e o letramento dos alunos do Telecentro

Identifiquei nas aulas observadas indícios do conflito entre os domínios semióticos do cotidiano dos alunos e o do curso, assim como indícios de que os alunos tentavam superar este conflito, ainda que não tenham dado mostras de que o perceberam. Os indícios foram inicialmente identificados por seus efeitos sobre a interação e as práticas dos alunos. Nesta análise elaboro, através de três casos, a relação entre os problemas para os quais os indícios apontam e a relação deles com diferentes domínios semióticos.

Caso 1: dificuldade de estabelecer a conexão forma/função de ícones da interface

É muito comum observar no corpus de análise alunos do Telecentro procurando entender o significado de algum signo da interface, quando na verdade precisavam apenas conhecer a sua função. Olham para os signos visuais polissêmicos da interface e, com frequência, tentam compreender a sua função através da identificação de um referente. Mas por serem em sua maioria legissignos simbólicos remáticos (8a classe de signos de C. S. Peirce - PEIRCE, 1960:147).

) a relação entre forma e função dos signos da interface do Windows não é simples de compreender a priori. O que explica as dificuldades dos alunos ao tentarem associar as imagens da interface com objetos do seu cotidiano, buscando analogias e fazendo inferências e adivinhações. Raramente tinham sucesso.

Fragmento 14 – Negociação do significado do signo de “trancar a sessão” (fig. 14) –

(oitava aula da Turrma B, 20/05/11, aos 37 minutos):

Reparando o botão de “trancar a sessão”, Wilson volta-se para sua esposa, Maria, à sua esquerda:

1 WILSON: ((aponta para o botão de “trancar a sessão” em sua tela e

Figura 15. Ìcones de arquivo e de pasta, respectivamente.

3 lembra?

4 MARIA: (irritada porque Wilson interrompeu uma explicação do

5 instrutor)) Ah, eu não sei [não!]

6 GEÓRGIA: ((à direita de Wilson, Geórgia nota a conversa dos dois e se

7 intromete)) [Ah](2) eu acho que é uma bolsa.

8 WILSON: Eu acho que é uma pasta (7) mas não sei pra quê que serve.

9 MARIA: (ainda irritada) IIIh, gente (2) não é nada disso não!

10 WILSON: Então o [que] é?

11 MARIA: [É]um cadeado! Porque você não clica nele pra ver o que

12 faz?

Mesmo procurando a função do ícone de “trancar a sessão”, Wilson se sente compelido a formular uma conjectura sobre a sua forma. Bolsa, pasta e cadeado são objetos do cotidiano. Este é um caso característico de quando os alunos recrutam elementos do domínio do cotidiano para situar os sentidos de signos que encontram na interação com a interface. Mas esta tentativa de aproximar o domínio do cotidiano com o domínio do computador não os ajuda a ingressar neste último, portanto não promove o seu letramento digital. Como Wilson descobriu no fragmento acima, mesmo quando consegue atribuir um referente à imagem, este referente pode não ajudá-lo a discernir a sua função, já que esses signos são, em sua maioria, metáforas visuais. Isso faz com que o preço do ingresso ao domínio semiótico do computador fique mais caro, pois mostra aos alunos que eles têm uma tarefa dupla pela frente, já que reconhecer uma forma, encontrar um referente como chave para se descobrir o significado de um signo da interface, não lhes revela a sua função.