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(quarta aula da Turma B, 06/05/2011 aos 34 minutos):

1 INSTRUTOR: Vamos lá, abram o arquivo telecentro.

2 GEORGIA: (12) Mas é para abrir a pasta ou o arquivo?

3 INSTRUTOR: O arquivo. (17) E aí, todo mundo já abriu?

4 GEORGIA: Tá certo.

5 INSTRUTOR: ((vai de aluno a aluno verificando se abriram, a partir da

6 segunda fila para a primeira)) Agora fechem o arquivo e cliquem nele

7 com o botão da direita.

8 GEORGIA: Mas era pra abrir o quadrado branco ou a pasta?

9 INSTRUTOR: Era pra abrir o arquivo. ((vai até Georgia)) Aquele lá.

10 ((aponta para o arquivo na tela de Georgia)).

O que se vê no fragmento 15 é uma dificuldade comum a vários alunos do Telecentro observados por mim. Qual é a diferença entre arquivo e pasta? Tal qual copiar e colar e reiniciar, a diferença entre arquivo e pasta é sutil para quem nunca usou um computador. À minha tentativa de explicar a diferença entre pastas e arquivos, Moisés argumentou, assim como argumenta a maioria dos alunos: “Mas arquivo é onde se guarda as pastas” (quarta aula da Turma A), referindo-se aos arquivos de aço de pastas suspensas. Mas mesmo com a ajuda dos signos visuais (um quadrado branco que se assemelha a uma página, e um polígono de cor amarela aparentemente contendo algo parecido com o tal quadrado branco) os alunos demoram para entender a função destes dois elementos da interface. No domínio semiótico do cotidiano dos alunos, são os arquivos que guardam as pastas e têm, portanto, funções diferentes daquela que têm no computador. O fragmento 15 é um exemplo da disputa entre os domínios semióticos, pois quando os alunos buscam recursos no domínio do cotidiano, estes recursos não contribuem para que apreendam os significados de formas e funções específicas do domínio do computador. Caso 2: dificuldade de completar tarefas no processador de textos ou na planilha de cálculos.

Quando o instrutor orientava os alunos a explorar livremente o processador de textos ou a planilha de cálculos, estes costumavam permanecer em branco, ou no máximo com algumas poucas palavras digitadas. Neste caso, ao contrário do exemplo anterior, trazer elementos do domínio semiótico do cotidiano para as aulas do Telecentro era imprescindível para que os alunos pudessem utilizar o processador de texto ou a planilha de cálculos. Mas quando chegavam a essa altura do curso de informática, a maioria dos alunos já havia concluído por experiência que não era produtivo buscar no seu cotidiano recursos para interagir com a interface. Além disso, é necessário levar em conta a probabilidade de que a maioria dos alunos não tenha o hábito de escrever no cotidiano, uma vez que têm escolaridade entre fundamental e média e que residem em regiões de “vulnerabilidade social e econômica”90.

Aparecida (aluna da Turma A), por exemplo, é uma dona de casa que depois de ouvir a explicação de como criar e manipular tabelas no processador de textos (sexta aula da Turma A), fazendo anotações em seu caderno amarelo, foi instruída junto com os outros alunos da turma a explorar livremente este recurso fazendo algo que lhe interessasse. Após refletir por cerca de dez minutos, Aparecida não sabia com o quê preencher o espaço vazio do processador

de texto, me chamou e perguntou o quê fazer. Sugeri que fizesse uma lista de compras, estranhando que ela não me perguntasse sobre algo ligado aos seus afazeres domésticos.

A falta do hábito da escrita, entretanto, não é suficiente para explicar o problema da dificuldade em completar tarefas no processador de textos ou na planilha de cálculos. De fato, este é outro caso de desencontro entre o domínio semiótico do cotidiano dos alunos e aquele com o qual se deparavam na sala de aula. Não saber o que fazer demonstra a dissociação – pelo aluno, pelo instrutor, assim como pelo programa do curso - entre a tarefa a ser realizada com o computador e o cotidiano dos alunos. Não saber como fazer, aí sim, revelaria que Aparecida entendeu a tarefa, sabia o que gostaria de inserir na tabela, mas não apreendeu os meios para fazê-lo.

O mesmo acontece no caso do exemplo relatado a seguir, com a diferença de que, tendo declarado ter escolaridade média e trabalhar em um escritório, poderia-se esperar que o aluno nesse caso tivesse mais familiaridade com o tipo de escrita solicitado pela tarefa.

Um aluno de uma turma não selecionada para compor o corpus da análise declarou trabalhar em um escritório de contabilidade e que precisava aprender a usar um computador para ser promovido. Mas quando foi sugerido que ele explorasse livremente a planilha de cálculos, assim como Aparecida, ele também não soube com o quê preencher as células da planilha. Ele me perguntou o que deveria colocar nas células. Visto que ele declarou que ingressara no curso para ser promovido no emprego, pareceu-me surpreendente que ele tenha me perguntado o que fazer, mas não como fazer algo relacionado ao seu trabalho. Exemplos como o deste aluno e o de Aparecida levam a crer que faltava ao curso do Telecentro esclarecer de fato para os alunos o que é e para que lhes serviria um computador.

Valores associados ao domínio semiótico do computador também podem representar um obstáculo para os alunos. Na oitava aula da Turma B, por exemplo, o instrutor explicitou um desses valores – neste caso, a concepção do que é, para quê serve, como funciona e como/onde deve ser usada a escrita, de que o processador de textos está imbuído - quando disse que “o processador de textos serve para escrever”. Já que este tipo de software tem na sua gênese o propósito de ser usado em escritórios, ou seja, tem o propósito de servir para escrever tipos específicos de texto, é razoável supor que esta noção de escrita tenha elementos em comum com a escolar grafocêntrica.

Também na oitava aula da Turma B, o aluno David deixou em branco a página do processador de textos. Mas quando a aula já estava encerrada, começou a fazer um banner

Figura 16 e 17. Primeira aula (nove alunos) e sétima aula (quatro alunos) da Turma A.

(referido ao final da seção 1.4) com o auxílio do programa. Ele demonstrou apropriar-se do editor de textos extrapolando os propósitos para o qual foi projetado. Mas quando lhe perguntei porque não fizera o banner quando o instrutor os instruiu a explorar o editor de textos, ele me respondeu usando as palavras do instrutor. “Porque o processador de textos serve para escrever”, disse ele, “mas fazer um banner não é escrever”. Na compreensão de David, imbuído da concepção de escrita escolar, com a qual ele estava familiarizado, fazer um banner não lhe pareceu um uso legítimo – justificado, válido, natural - para um processador de textos. Isto o tolheu de fazê-lo durante a aula, momento em que deveria praticar a utilização do processador de texto. David não aprendeu a usar o processador de texto da forma esperada pelos que o projetaram.

Caso 3: dificuldade de completar o curso

Conforme mostram as fotografias que se seguem (fig. 16 e 17, fig. 18 e 19), o número de evadidos dos cursos observados é significativo. Associo a dificuldade de terminar o curso, entre outros fatores, à incongruência entre o pouco conhecimento que os alunos do Telecentro traziam do domínio semiótico do seu cotidiano e o que lhes era ensinado através do conteúdo programático do curso do Telecentro. Evidência disto é que os alunos que permaneceram até o final das turmas observadas foram, com raras exceções91, aqueles que declararam ter tido alguma experiência prévia com o computador.

91 Luciana, Maria e Benedito são uma dessas exceções, pois foram os únicos três alunos da Turma B que

Figura 18 e 19. Primeira aula (dez alunos) e nona aula (três alunos) da Turma B.

Aprender a usar um computador significa aprender uma nova linguagem, a da interface gráfica, povoada por termos técnicos de informática, funções computacionais e outras noções. Entretanto o programa do curso observado no período aqui focalizado não oferece espaço suficiente para explicar tudo isso, e nem para que os aluntos explorem devidamente a interface. Isto é, não se trata apenas de explicar conceitos, termos e noções, mas também de explicar para que servem, como, quando e porque devem ser utilizados, relacionando-os entre si e ao domínio semiótico mais familiar aos alunos. Os instrutores no período observado referiam-se a termos, conceitos, operações e funções relativos ao computador como se os alunos já os conhecessem, no máximo fazendo breves interrupções para dar explicações, nem sempre esclarecedoras: “As janelas são os ambientes onde os programas são exibidos”, explicou o instrutor à Turma A, na quarta aula (05/11/2010), antes de prosseguir à instrução de como se manipulam janelas.

De modo geral, o descompasso entre o conteúdo do curso e o conhecimento dos alunos, que têm noções muito vagas sobre o que é e para que serve um computador, bem como a falta de recursos didático-pedagógicos, que vão desde a falta de equipamentos adequados ao ensino da informática, até a inadequação das estratégias didáticas ao público do Telecentro, eventualmente levam aqueles alunos menos informados ao desinteresse pelas aulas e à consequente evasão.

Com relação às estratégias didáticas, o exemplo a seguir é representativo. Nele o instrutor explica, sem sucesso, a função de uma tecla.