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Fragmento 2 Instrutor e monitor discutem a configuração de um dos computadores do

2.4 Geração de dados

Como Hammersly e Atkinson (1995) ressaltam, o todo dos dados é mais do que a soma dos registros individuais. Para eles, o que há a mais no todo é o sentido atribuído aos dados pelo pesquisador, que é o amálgama destes dados. Desta forma não me sinto constrangido de dizer que, à parte os vídeos, o resto dos dados são peças que colhi aqui e ali, sem muito planejamento. O que faz com que essas peças se encaixem, além do fato de que são todas sobre um mesmo tema – as aulas do Telecentro -, é que elas foram colhidas para enriquecer a “perspectiva êmica” de que falei no início do capítulo.

Cada peça está ligada ao todo pelo eixo principal que são as videogravações das aulas em conjunto com a apostila do curso. As notas de campo fornecem detalhes sobre a interação dos alunos – seja com o instrutor, com o monitor, entre eles mesmos ou com o computador -, indexam a evolução da minha compreensão sobre o que estava acontecendo na sala de aula do Telecentro e fornecem insights que me ocorreram durante a observação. Estes insights são fundamentais porque partem da minha percepção de eventos individuais do ponto de vista de quem estava junto ao aluno, auxiliando-o. As entrevistas esclarecem circunstâncias particulares que não ficaram claras nas gravações, nas notas de campo ou durante a própria observação. Os documentos fecham lacunas deixadas pela falta de um diálogo com o Projeto “Jovem.com”. Por fim, os videologs foram a peça-chave da metodologia abdutiva-indutiva, já que permitiram o registro das hipóteses à medida que elas ocorriam, e a volta a estas hipóteses quando necessário. Além disto, os videologs também serviram como indexadores dos arquivos de vídeo: ao procurar por um evento específico bastava que eu assistisse os videologs, não sendo necessário recorrer aos vídeos completos das aulas.

2.4.1 Geração de dados de sala de aula

A releitura dos registros de participação em aula e o visionamento dos vídeos obtidos durante o período de observação participante me permitiram identificar, por um lado, um padrão de aula e, por outro, alguns padrões interacionais (ver seção 3.1.1) representativos do conjunto de registros. De um modo geral, os padrões da interação dos alunos com o instrutor, com outro(s) aluno(s) e com o computador se repetem com uma grande uniformidade, assim como as perguntas que os alunos fazem e os problemas que encontram no uso do computador. São muito poucas exceções, mais frequentemente relativas às individualidades de alguns alunos – uma aluna boliviana, por exemplo, tinha dificuldade de entender português e demandava mais

tempo e mais esforço por parte do monitor e do instrutor. Também o formato das aulas e o conteúdo delas permaneceu praticamente inalterado em todas as turmas observadas.

2.4.1.1 Transcrição das aulas registradas em vídeo

A transcição de gravações de áudio ou vídeo é algo problemático, tanto metodologicamente quanto teoricamente (Cf. LEMKE, 2012:1474; LAPADAT e LINDSAY, 1999:82). Questões de transparência, validade, fidelidade, interpretação, objetividade, critério e rigor metodológico, entre muitas outras, circundam o ato de transcrever uma gravação. A escolha de uma técnica de transcrição é algo determinante para uma pesquisa qualitativa que se baseia na interpretação de eventos registrados em vídeo. É extraordinária a quantidade e variedade de técnicas e a bibliografia sobre o assunto.

Levando em consideração os objetivos da pesquisa e os aspectos da linguagem que eu pretendia estudar, optei por uma metodologia de transcrição híbrida: de nada serviria aos objetivos desta pesquisa, nem às análises que ela empreende, uma transcriçao puramente fonética ou puramente ortográfica. De fato, não era a linguagem em si, utilizada pelos participantes, o foco da pesquisa, mas os ritmos, as entonações, os gestos, as hesitações, as sobreposições da fala, os modos de dizer, que serviam ao objetivo de caracterizar sua interação. O que me propus a fazer, portanto, foi engendrar uma transcrição fiel a essas características da fala dos participantes. Essa estratégia híbrida de transcrição surgiu quando eu estava escolhendo fragmentos para a caracterização das estruturas de participação dos alunos nas aulas do Telecentro, buscando indicações de mudanças de footing. Foi aí que percebi a importância de caracterizar a interação na transcrição, e isso me forçou a retornar a transcrições já feitas.

Lapadat e Lindsay (1999:82) afirmam que “A análise ocorre e entendimentos são derivados através do processo de construção de uma transcrição pela repetida ação de ouvir e re-ouvir, ver e re-ver”, ou seja, que o processo de transcrição em si é mais importante do que questões como fidelidade, realidade e objetividade.

Assim, quando me sentei ao computador para efetuar as transcrições dos vídeos de sala de aula, usando o software gratuito Easytranscript e os arquivos digitais das gravações, tinha em mente a intenção de realizar transcrições textuais, menos por uma questão de fidelidade do que uma necessidade de relatar ao leitor o que havia sido dito durante as aulas ipsis litteris. Ouvir, transcrever, ouvir novamente e reescrever, processos comuns na operação de transcrição, obrigaram-me, a mergulhar no detalhe dos dados e a retomar o “tom” geral e o contexto do campo.

Aos poucos, outras características da fala dos alunos e instrutores foram tomando importância, principalmente os já mencionados elementos paralinguísticos dessas falas (entonações, gestos, hesitações, pausas, emissões truncadas, etc), forçando-me a retornar às transcrições já efetuadas para introduzir tais elementos. Eles acrescentavam espontaneidade e expressividade às falas, principalmente, dos alunos. Além disso comecei a perceber que estes elementos ajudariam-me a ressaltar atitudes e posicionamentos dos alunos frente às aulas, e mais tarde, enquanto avançava na leitura da teoria, entendi que alguns desses elementos poderiam ser indicadores de mudanças de footing. A possibilidade que o software oferece de redimensionar a tela do vídeo foi de muita ajuda nos momentos em que tive que parar de transcrever para melhor observar os gestos, a disposição corproral e para onde os alunos dirigiam o olhar.

Costa (2014) destaca que o que transcrever e como transcrever são decisões que partem de uma gama de propósitos que o pesquisador já terá definido antes de iniciar a transcrição. No meu caso isso foi definido ao longo da transcrição, o que, como já disse, me forçou muitas vezes a voltar e completar transcrições já feitas. Isto fez com que a transcrição no final fosse bem menos centrada nas falas individuais do que na interação em si.

2.4.2 Formação do corpus para análise

Tendo identificado padrões que se reproduziam em todas as 10 turmas, decidi então escolher apenas duas (que vou chamar de turmas A e B) para compor o corpus de análise. Estas turmas repetem esse padrão tanto demograficamente (ver quadros 1 e 2), quanto em termos de conteúdo e formato das aulas, de interação, e também de atividades dos alunos.

Estas turmas foram selecionadas, por um lado, porque são representativas de tudo aquilo que foi registrado no trabalho de campo ao longo da pesquisa. Por outro lado, era importante investigar se a redução do número de aulas em virtude da falta de internet tinha efeitos sobre a interação. A primeira turma. Turma A, iniciou o curso em 27/10/2010 e o encerrou em 22/11/2010. Foi uma das turmas em que houve redução no número de aulas por falta de acesso à internet. A segunda turma, Turma B, começou o curso em 27/04/2011 e o terminou em 27/05/2011. Esta turma não teve redução no número de aulas – isto é, não faltou o acesso à internet.

Quadro 1. Caracterização dos alunos da Turma A Nome79 Faixa de

Idade Escolaridade Atividade Experiência80 Residência Cássia 40 a 44 Médio completo (não informado) Pouca Campinas Pq. Taquaral Iolanda 55 a 59 Médio completo Dona de casa Nenhuma Campinas Vl. Panchita Helena 55 a 59 Médio Completo Dona de casa Nenhuma Campinas Jd. Aurélia Moisés 65 a 69 Médio

completo Aposentado Pouca Campinas Jd. Independência Santos 25 a 29 Médio incompleto Estudante Pouca Campinas Jd. Independência Batista 45 a 49 Médio completo Assist. de Escritório Média Campinas Botafogo

Aparecida 60 a 64 Fundamental completo Dona de casa Pouca Campinas Bosq. Br. Geraldo Fatima 45 a 49 Médio incompleto Estudante Média Campinas Bosq. Br. Geraldo Silva 45 a 49 Fundamental completo (não informado) Nenhuma Campinas Jd. Independência

Quadro 2. Caracterização dos alunos da Turma B

Nome24 Faixa de

Idade Escolaridade Atividade Experiência Residência David 15 a 19 Médio incompleto Estudante Média Campinas Jd. São

Marcos Luciana 35 a 39 Médio completo Dona de casa Nenhuma Campinas Jd. Campo

Belo Maria 55 a 59 (não informado) (não Informado) Nenhuma Campinas DIC VI Wilson 50 a 54 Médio Completo Empresário Pouca Campinas DIC VI

Regina (não informado) Médio incompleto Estudante Pouca Campinas Jd. São Marcos Beatriz 15 a 19 Médio incompleto Estudante Média Campinas San Martin

Ricardo 40 a 44 Fundamental completo (não informado) Nenhuma Sumaré Jd. Nova Terra

79 Esses são pseudônimos, usados para proteger a privacidade dos participantes da pesquisa.

Geórgia 25 a 29 Médio Completo Atendente de salão de

beleza Pouca

Campinas Vila Esperança Benedito 65 a 69 Médio Completo Aposentado Nenhuma Campinas Vila Aurélia

As duas turmas apresentaram arranjos interacionais semelhantes, tanto ao que se refera à tinteração aluno-aluno, quanto à interação aluno-instrutor ou à interação aluno- computador (que serão tratadas em mais detalhe no próximo capítulo), mas notei que a Turma B mostrou-se mais participativa na aula, com mais perguntas dos alunos, mais demandas por explicações pelo instrutor quando este parecia não perceber a incompreensão dos alunos sobre uma questão.

2.4.3 Critérios de seleção das turmas e dos excertos

A perspectiva etnográfica é marcada pela busca por padrões nas relações entre os participantes de uma pesquisa. O etnógrafo não “descobre” esses padrões, ele os “cria” a partir de um conjunto de dados para dar-lhes sentido. Emerson et al. (1995) salientam, entretanto, que é a variação, as exceções, mais do que o padrão em si, que permitem discernimentos valiosos relacionados à perspectiva êmica dos participantes, seu contexto e suas relações. Isto é, o autor destaca que na etnografia a variação às vezes tem mais valor que o padrão. Assim sendo, a representatividade das duas turmas escolhidas deu-se tanto em relação ao padrão interacional geral quanto em relação às variaçòes, tanto em relação ao que é igual em todas as turmas observadas, quanto ao que pareceu diferente em algumas delas.

O objetivo de incorporar nos dados a diversidade interacional encontrada nos registros de campo, além de sustentar a estratégia etnometodológica da pesquisa, foi agregar à análise tudo aquilo que foi observado em campo: os traços do seu contexto original que os alunos trouxeram à sala de aula, os vários níveis de familiaridade ou de estranheza que os alunos demonstraram à interação com os computadores, as diversas práticas de aprendizado e de relacionamento interpessoal dos alunos, as várias maneiras de lidar com a dificuldades que encontraram durante as aulas. A incorporação da variedade ao padrão torna-o mais rico e representativo das observações colhidas em campo.

Os excertos foram selecionados seguindo esse mesmo objetivo, de modo a reforçar a noção de padrão e variação interacional. Exemplos típicos e atípicos de interação em sala de aula foram identificados e demarcados no mapeamento dos registros em vídeo de cada aula e em seguida extraídos da transcrição das aulas.

CAPÍTULO 3

RESULTADOS DA ANÀLISE DE DADOS