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Apocalypse Now – Uma Viagem Alucinante ao Universo da

Capítulo I. Contando a História, Criando o Cinema

4. O Filme como Agente de Propaganda e de Pressão Ideológica

4.3. Representações da Guerra: Do Vietname a Hollywood

4.3.1. O Final da Década de 1970

4.3.1.2. Apocalypse Now – Uma Viagem Alucinante ao Universo da

Um ano após a estreia de The Deer Hunter, surge outro filme que aborda a problemática da Guerra do Vietname, Apocalypse Now. Trata-se de uma adaptação da obra Heart of Darkness de Joseph Conrad, com argumento de John Milius e de Francis Ford Coppola, que também o realizou. Considerado por muitos críticos como um clássico dos filmes sobre a Guerra do Vietname, esta obra pode ser considerada um marco na história do cinema, sobretudo no campo dos filmes de guerra e, talvez, a mais notável de todas as obras de Coppola21. Focando a intervenção americana no Vietname, tornou-se, ao longo dos anos, numa das mais ousadas e inteligentes visões da guerra, em que o conflito específico do Vietname serve de pretexto para uma alegoria universal sobre a loucura homicida do Homem que acaba por perder o controle das situações por si criadas.

Apocalypse Now consiste na descrição de uma missão especial levada a cabo pelo Capitão Benjamin L. Willard22, mandatado pelas chefias, com o objectivo de eliminar o Coronel Walter E. Kurtz23, um dissidente do exército americano.

Dentro da viagem física, no espaço, rio acima, Willard inicia uma outra viagem, reflexiva, introspectiva, em busca das causas que levaram Kurtz a trair os americanos, refugiando-se no Camboja, dos motivos que o levaram à loucura e

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Considerado um dos mais conceituados produtores e realizadores norte-americanos.

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Papel interpretado pelo actor Martin Sheen

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das razões que ditaram o desejo da sua aniquilação, depois de ter sido, num passado recente, um verdadeiro herói nacional.

Retratando as contradições da guerra, Apocalypse Now, é uma viagem alucinante ao universo paranóico da mesma, um mergulho nos infernos do horror. A subida do rio leva Willard ao outro lado do espelho, onde não encontra o seu reflexo ou o seu duplo, mas o seu íntimo.

Francis Ford Coppola conseguiu captar a loucura e a irracionalidade da guerra através de cenários fílmicos insólitos. As imagens iniciais de um soldado a fazer surf nas ondas, pela manhã, ao som de “Ride of Valkyries” de Richard Wagner, debaixo de um aroma intenso a napalm, chocam qualquer espectador que se depare, também, com um espectáculo feito pelas “coelhinhas da Playboy” num palco circular luminoso montado no meio da selva, na margem de um rio, com as bancadas repletas de soldados em verdadeira apoteose.

Coppola conseguiu conferir a Apoclypse Now uma intensidade comparável à do sonho horribilis, mergulhando os espectadores num autêntico caos, onde toda a violência é intrínseca ao ser humano e constitui, antes de tudo, a encenação do poder. O herói sobrevive, regressa às origens com a missão cumprida, mas a sociedade americana não voltará a ser a mesma, pois as marcas profundas que deixou, impossibilitarão o seu esquecimento.

Este filme reflecte uma realidade muitas vezes silenciada ou adulterada que vai para além da situação de guerra em si, pois retrata a bestialidade a que pode conduzir o terror e a morte, de acordo com Eduardo Geada:

A filosofia básica da experiência humana, retomada em filmes como “O Caçador” e “Apocalypse Now”, consiste na mobilidade social e física do personagem, exemplarmente cristalizada no itinerário de situações, ao fim do qual o herói descobre a sua própria identidade. Esse itinerário, quase sempre justificado por uma missão a cumprir, coloca invariavelmente o herói entre duas opções muito nítidas: a defesa dos valores americanos e, consequentemente, o regresso à lei e à ordem, ou a

identificação com o outro, o estranho, e, consequentemente, a dissolução no caos ou, pura e simplesmente, o aniquilamento. (Geada 1985: 94)

Com efeito, a preocupação de Coppola não consistiu em fazer um enquadramento político ou histórico, mas em mergulhar neste conflito, para que a violência e a guerra servissem para regenerar o herói, e com ele a consciência americana.

No Festival de Cinema de Cannes, em Maio de 2001, foi apresentada uma nova versão do filme Apocalypse Now, intitulada Apocalypse Now Redux.24

Nas palavras de Francis Ford Coppola proferidas em Maio de 2001, retiradas do site oficial de Apocalypse Now Redux.:

O meu filme é mais um filme «anti-mentira», sobre o facto de uma cultura poder mentir acerca do que realmente está a acontecer – que há pessoas a serem brutalizadas, torturadas, estropiadas e mortas - e, de certo modo, apresentá-lo como moral. Isto é o que me horroriza e perpetua a possibilidade da guerra. (…) Finalmente, o meu propósito com «Apocalypse Now Redux» foi conseguir uma experiência cinematográfica mais rica, mais cheia e mais texturada que, com o original, permita às audiências sentir o que foi o Vietname: a urgência, a insanidade, a satisfação, o horror, a sensibilidade e o dilema moral da guerra mais surreal e assustadora da América.”

De entre os filmes realizados no pós-guerra destacaram-se, no final da década de 70 do século XX, The Deer Hunter e Apocalypse Now, apresentando duas leituras distintas de uma mesma realidade e que se podem integrar na fase

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Nova versão, completa e definitiva do clássico, apresenta mais 49 minutos de filmagens inéditas, foi apresentada em Maio de 2001 no Festival de Cinema de Cannes e lançada nos Estados Unidos em Agosto do mesmo ano. O novo material foi incluído por todo o filme e destacam-se a adição da sequência da plantação francesa, a sequência ampliada das coelhinhas da Playboy, novas filmagens do barco-patrulha no início da viagem através do rio e uma nova cena de Marlon Brando.

épica da história dos filmes da Guerra do Vietname, segundo a perspectiva de William J. Palmer expressa em The Films of the Eighties.

The reason for calling this the epic phase is based upon the nature of the two most important films of the phase, The Deer Hunter and Apocalypse Now. Both are films of epic scope. The Deer Hunter reigned for twelve years as the epic treatment of the “coming home” theme, while its major competitor at the 1978 Academy Awards, Coming Home, was but a domestic, soap opera treatment of that theme. (…) Apocalypse Now is still unsurpassed as the Vietnam War epic. (Palmer 1995: 22)

Este sociólogo defende que a fase épica se situa entre 1976-1979 e as duas obras cinematográficas, atrás referidas, distinguiram-se em virtude de glorificarem o país e de narrarem as acções heróicas e grandiosas dos soldados americanos, enaltecendo-os ao mesmo tempo que glorificavam o país ou aniquilando-os quando estes contestavam as políticas do regime, procurando repor os princípios da ideologia dominante.