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Platoon: A Aniquilação dos Ideais Humanistas

Capítulo I. Contando a História, Criando o Cinema

4. O Filme como Agente de Propaganda e de Pressão Ideológica

4.3. Representações da Guerra: Do Vietname a Hollywood

4.3.2. Os Anos 80 do Século XX

4.3.2.1. Platoon: A Aniquilação dos Ideais Humanistas

Em 1986, Platoon, uma outra produção de Oliver Stone, dá-nos uma visão da guerra travada na selva e pântanos do Vietname. A perfeição do cenário envolve o espectador, de imediato, no ambiente de guerra, em parte, devido ao próprio realizador ser veterano da guerra e ter conseguido transpor para o filme uma visão muito própria e, também, poder apresentar alguns dados biográficos, que estão expressos na seguinte citação:

Stone was assigned to the 2nd Platoon of B Company, 3rd Battalion, 25th Infantry Division. In September 1967 he joined his platoon out by the Cambodian border. (…)Stone later noted that many of the major events that take place in Platoon, from an ugly atrocity sequence in a Vietnamese village to the climactic battle scene, were based on his own experiences with the 25th. (231)

Usando um narrador na primeira pessoa, o soldado Chris Taylor26, um jovem americano da classe média, que à semelhança de Oliver Stone, acreditava na defesa dos objectivos do seu país e perfilhava os mesmos ideais de patriotismo, Oliver Stone apresenta a violência, o receio e a exaustão física da guerra.

I guess I have always been sheltered and special, I just want to be anonymous. Like everybody else. Do my share for my country. Live up

26

to what Grandpa did in the First War and Dad the Second. I know this is going to be the war of my generation.27

Perante os horrores da guerra, Chris apercebe-se que os seus ideais e padrões morais deixam de fazer sentido. “Somebody once wrote Hell is the impossibility of Reason. That's what this place feels like. I hate it already and it's only been a week. Some goddamn week, grandma.”28

No Vietname, Chris descobre as duas facetas do exército americano: uma militar, dura e desrespeitadora da vida dos vietnamitas e outra, composta por soldados que, vendo-se forçados a combater, tentam não perder os seus valores, entregando-se às drogas e ao álcool, para esquecer a irracionalidade da guerra. Na luta entre estas duas facções, Chris é posto perante o seu próprio dilema interno, o conflito entre sobreviver a qualquer custo e respeitar os outros.

Relatando-nos os seus pensamentos, através de cartas que escreve à avó (facto que nos liga à experiência do próprio realizador enquanto soldado), constata-se que Chris sofre profundas alterações e é assolado pelo mesmo estigma que marcara toda uma geração de jovens americanos. Este é um filme representativo dos horrores de uma guerra cuja primeira baixa é sempre a inocência.

I don't even know what I'm doing. A gook could be standing 3 feet in front of me and I wouldn't know it, I'm so tired. (…) It's scary cause nobody tells me how to do anything cause I'm new and nobody cares about the new guys, they don't even want to know your name. The unwritten rule is a new guy's life isn't worth as much cause he hasn't put his time in yet - and they say if you're gonna get killed in the Nam it's better to get it in the first few weeks, the logic being: you don't suffer that much. I can believe that ... If you're lucky you get to stay in the perimeter

27

Citação retirada do guião do filme disponível na Internet no site: <http://www.script-o-rama.com/snazzy/dircut.html>

28 Ibidem.

at night and then you pull a 3-hour guard shift, so maybe you sleep 3-4 hours a night, but you don't really sleep ... I don't think I can keep this up for a year, grandma - I think I've made a big mistake coming here. 29

Um dos grandes méritos de Platoon consistiu no facto de quebrar a visão heróica dos soldados americanos na frente de batalha (representados pelas personagens de John Wayne e outros cowboys americanos que fizeram da guerra o seu cenário de duelos). Platoon não é um filme sobre o jovem protagonista ou sobre o conflito entre os seus dois sargentos, mas sobre todo o pelotão, um microcosmo do qual emergem os valores da sociedade americana, nas selvas do Vietname. O exército americano surgiu aqui fragilizado diante da barbárie, pela qual era também responsável. Os soldados recorrem ao uso de drogas e álcool, atemorizados por enfrentarem situações de guerra, lidam com as vaidades individuais onde o colectivo se deveria sobrepor ao individual e agem com brutalidade excessiva em situações em que a força desmedida não era necessária. Através dos soldados americanos, neste filme, é transmitida uma nova visão da guerra, ilustrada através do massacre na aldeia vietnamita:

The young man is groaning on the floor of the hutch. Bunny smashes him - again and again. (…) Chris watches, horrified. Never in his life has he seen something so horrifying as this. And yet he does nothing. He is part of it. (…) Wow! You see his fucking head come apart? Look at that ... I never seen brains like that before. Jesus fucking Christ (...) On Chris' face, blood and brain tissue flying up into it.30

A banalização do horror e a necessidade de sobrevivência conduzem à alienação, retirando a lucidez e os valores pelos quais os soldados americanos decidiram lutar no Vietname. Desta forma, os militares distanciam-se da noção de pátria, aproximando-se de uma necessidade de sobrevivência pessoal, retirando do

29

Ibidem.

30

cenário a tradicional solidariedade que sempre foi apanágio em situações extremas como as de uma guerra. A representação desta realidade, fez com que Stone se tornasse persona non grata aos olhos dos militares americanos e que, fosse rotulado de esquerdista pelos conservadores.

Platoon coloca-nos na frente de batalha, lado a lado com os soldados, caminhando pelas selvas do Vietname, aterrorizados pela possibilidade de emboscadas por parte dos vietcongues.

Given the construction of Platoon as a tightly framed buddy film, we quickly identify with the group of American soldiers, sympathize with their losses, share their ideological perspective: fear and hate of the shadowy evil forces (the Vietnamese NLF) who are arrayed against them in the jungle and who constitute an ever present threat to their life and security. (Hellman 1986: 22)

O filme transmite-nos o ódio que os americanos sentiam em relação ao inimigo e prova-nos a fragilidade dos homens que lá estiveram ao mostrar-nos os momentos em que eles descontraíam, embalados pelo som das músicas dos anos 1960, da geração Woodstock, da pregação pela paz enquanto eles manchavam as mãos com o sangue da guerra, auxiliados pelo álcool, tabaco e drogas que constituíam uma forma de fuga e de alienação.

William J. Palmer sintetiza o conteúdo de Platoon de uma forma que podemos considerar sui generis.

Platoon (…) is not a film about Good and Evil. It is not a film about Life and Death. (…) it is a film about fear, about death in the lowercase, about anger, about pain, about love, about honesty and dishonesty, about stupidity and cowardice and courage, about drugs and booze and blacks and whites and rich and poor and hippies and rednecks, about smells and tastes and how the jungle feels and sounds, about snakes and bugs and rain and blood and fire, about screams and terrible silences, about

darkness shattered by bright light, about calm erupting into frenzied flight, about tracer bullets and invisible trip wires, about helicopters and tunnels, about sexual depravity and mindless brutality and instinctual sympathy, about atrocity and survival, about children caught in war and warriors who are still children, about green and red and brown and black, about flesh and metal and wind and water, about how people feel in war, the Vietnam War. (Palmer 1995: 29)

4.3.2.2. Good Morning, Vietnam: A Irreverência ou Desafio da