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Capítulo II. The Quiet American: Da Literatura ao Cinema

2. A Ficção de Greene

A sua carreira literária iniciou-se com a publicação de The Man Within, em 1929. Neste romance, Greene apresentou os elementos base que se tornaram uma constante na sua produção literária, sendo uma das obras mais harmónicas e coerentes da literatura contemporânea. A obra The Man Within, personifica a eterna luta interior entre o bem e o mal que existe em cada um. Essa dualidade de consciência permite aferir, em cada romance de Greene, as atitudes das personagens conforme as circunstâncias em que estas estão envolvidas. Em geral, são personagens acossadas pela necessidade de uma opção, muitas vezes impossível.

Os seus romances assentam na temática reincidente do homem em crise permanente. No prefácio ao livro Os melhores Contos de Graham Greene, José Palla e Carmo corrobora esta ideia ao afirmar que:

Nesse romance coexistem, efectivamente: a irremissível responsabilidade pelo nosso mínimo acto, a acção intensa à superfície e em profundidade, o carácter inexorável da perseguição de alguém por alguém, a impossibilidade de comunicação completa entre os homens, a crise da consciência, a transposição ou adiamento metafísico do problema, a sua irredutibilidade final a um esquema meramente lógico, a semente de fé

que ele introduz no espírito do agnóstico, os obstáculos à salvação real e metafórica, o papel duma ironia tão subtil que de relance se afiguraria gratuita, as frustrações juvenis do herói, a sua desafecção ao status quo

ético-social, o seu martirológico e a esperança implícita. (Greene 1978: 3)

Em A Sort of Life, Greene refere que se tivesse de escolher uma epígrafe para todos os seus romances seria de “Bishop Blougram’s Apology”:

‘Our interest’s on the dangerous edge of things. The honest thief, the tender murder,

The superstitious atheist, demi-rep

That loves and saves her soul in new French books - We watch while these in equilibrium keep

The giddy line midway.’ (Greene 1971:85)

Estas palavras mostram o fascínio do romancista pela ironia da condenação ou da salvação possíveis num mundo conturbado. Nesta perspectiva, a vida é um drama moral cujo clímax se alcança através da morte. As suas personagens principais têm fins violentos e trágicos, contudo, estas mortes são quase sempre seguidas por sinais de esperança. Em muitos casos, Greene rodeia a morte de mistério e os métodos que utiliza para a descrever enfatizam a sua ambiguidade. Numa fase inicial, o autor intensifica o foco da sua narrativa na pessoa para quem a morte está iminente. Em seguida, vira o foco, de modo abrupto, para os pensamentos e reacções das outras personagens. Esta técnica de descrever a morte, realça a sua finalidade e o seu mistério.

A sua obra assume um género ficcional popular que exprime um ponto de vista profundamente sentido e idiossincrático da condição humana. A pretensão não é nova pois Greene tem afinidades com romancistas de acção como Stevenson, Kinsman e Conrad.

As temáticas das obras de Greene tornam-se emblemáticas em consequência da sua visão dos espiões e da traição, das paisagens urbanas, das vidas despedaçadas, as suas ansiedades morais e metafísicas enquadram-se no existencialismo, no stress pós-guerra, num clima de conflito e de divisão ideológica. Nesta perspectiva, os seus romances são encarados como uma narrativa para contar histórias de heróis ou anti-heróis, que tiveram êxito ou fracassos na busca existencial e metafísica da vida.

Além de romances, Graham Greene escreveu peças de teatro e guiões para cinema sobre temas de índole moral e política. Nas suas obras, discute a posição do homem perante as grandes complexidades de um universo sem moral sobre o qual apresenta um traço amargo de cepticismo e desânimo. Retrata uma humanidade perdida no seu próprio niilismo, vazia e solitária, devido à perda de fé numa entidade superior, isto é, num mundo onde não existe mais a crença em Deus.

A conversão de Greene ao catolicismo, em 1929, deu-se em virtude da necessidade que este sentiu em dar significado a um universo onde todos os sentidos se desagregavam e serviu de inspiração a algumas das suas obras: Brighton Rock, The Power and the Glory, The Heart of the Matter, The End of the Affair e A Burnt-out Case. Estas, contudo, não diferem, na essência ou no ponto de vista, dos seus romances seculares.

Há outros aspectos a salientar na ficção de Greene, como a personagem tipificada do romântico anarquista que denota uma grande solidariedade para com os pobres e oprimidos e apresenta, paralelamente, desconfiança na autoridade e no poder instituído. Em relação a esta questão, numa entrevista concedida por Greene a Zola Seljan, publicada no site: “Graham Greene: O Brasil é um País Sério” pode ler-se:

ZS: Por que nos seus romances, os oprimidos são sempre defendidos? GG: Não há por que. Acho que o romancista tem a obrigação de defender os oprimidos. Por mim, fico sempre no lado da vítima.

ZS: Acha que a vítima tem sempre razão? E se a vítima estiver errada, não será uma injustiça ao contrário?

GG: Prefiro não entrar em detalhes sobre se a vítima tem ou não razão. Se é vítima, estou com ela. E sou também capaz de mudar de posição se descobrir que a vítima está, afinal, defendida por todos, e de repente o que me parecia ser o perseguidor é que é a vítima. Em mim este sentimento é instintivo. Daí, se fizesse política, apoiaria sempre a oposição.33

A arte de Greene revela-se através da aptidão que este demonstra em ser um óptimo contador de histórias, num estilo simples que capta, de imediato, o interesse do leitor, mantendo-o através do uso do detalhe e da manipulação do suspense.

O cinema foi, também, uma fonte de inspiração para o seu estilo literário. A actividade de crítico de cinema deu-lhe a oportunidade de analisar um número considerável de filmes “Four and a half years of watching films several times a week (…) More than four hundred films.”(Greene 1980: 57) e funcionou também como uma fuga à sua temporária falta de criatividade, como Greene explica em Ways of Escape:

Those films were an escape – escape from that hellish problem of construction in Chapter Six, from the secondary character who obstinately refused to come alive, escape for an hour and a half from the

33

Graham Greene: “O Brasil é um País Sério.” Dec. 2004

melancholy which falls inexorably round the novelist when he has lived for too many months on end in his private world. (57-8)

A actividade de crítico de cinema despertou nele o desejo de se dedicar, de igual modo, à escrita de argumentos para filmes:

From film reviewing it was only a small step to scriptwriting.(…) Years later, after the war was over, I wrote two screenplays for Korda and Carol Reed, The Fallen Idol and The Third Man, and I hope they atoned a little for the prentice scripts. (54)

O facto de ter sido crítico de cinema e ter escrito guiões, permitiu-lhe incorporar nos seus romances, elementos estruturais comuns aos filmes, dos quais salientamos, a imagem visual como correlativo da emoção. Greene usa a imagem e o corte de imagem para imagem, à semelhança do realizador, para dar ritmo à acção, diversidade, contraste e causar um impacto imediato no leitor. Estas técnicas cinematográficas conferem às suas obras concisão, condensação e intensidade e foram utilizadas por muitos escritores modernistas deste período.

Um escritor seu contemporâneo, Evelyn Waugh, refere precisamente esse aspecto da ficção de Greene, que o torna um dos representantes expressivos do realismo inglês:

The affinity to the film is everywhere apparent. It is the camera’s eye which moves from the hotel balcony to the street below, picks out the policeman, follows him to his office, moves about the room from the handcuffs on the wall to the broken rosary in the drawer, recording significant detail. It is the modern way of telling a story.34

34

“Critics on Greene” Mar. 2003

A sua vasta bibliografia abrange a literatura de entertainment, simples e pouco profunda e os romances de narrativas complexas, de entre os quais se destaca The Power and Glory.

Na produção literária de Graham Greene encontram-se alguns elementos recorrentes: uma mistura de enredos de romance policial, aventura, espionagem e suspense com profundidade filosófica e sem qualquer pretensão de didactismo religioso, um intrincado jogo de paradoxos e conflitos emocionais e morais. Estes aspectos são característicos da ficção de espionagem ou thriller político que surgiu a partir da Primeira Guerra Mundial, altura em que foram criadas as primeiras Intelligence Agencies.

A espionagem, ao mesmo tempo que assustava, cativava o público – a mistura de medo e atracção pelo lado obscuro do poder sempre fascinou os leitores e as audiências. O cinema imortalizaria esta relação medo/fascínio através da construção de uma imagem heróica e misteriosa do espião, principalmente na figura do agente secreto inglês James Bond e do seu famoso código, 007, personagem criada por Ian Fleming, mas, também, através da adaptação cinematográfica de algumas obras de Graham Greene, como por exemplo: Stamboul Train, The Power and Glory, The Third Man, The Quiet American e Our Man in Havana.

A criação de personagens ligadas ao mundo da espionagem, por parte de escritores como Ian Fleming e Graham Greene, surgiu como reflexo da bipolarização do pós-guerra e do clima de tensão permanente que se fazia sentir entre os Estados Unidos e a União Soviética. Fora dos ecrãs, em muitos lugares do mundo, existia a possibilidade de um temido conflito à escala mundial. O romance The Quiet American, de Greene, revela-se um bom exemplo da tensão existente na década de 1950 entre duas ideologias antagónicas e na tentativa de disseminação da sua mensagem, no Vietname.