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O Domínio Colonial Francês

Capítulo III. The Quiet American: Um Filme uma Leitura da História

2. The Quiet American – Elementos para o Contar da História

2.2. O Domínio Colonial Francês

Os Estados Unidos souberam aproveitar a oportunidade que a França lhes oferecia de interferirem na Guerra da Indochina. O mesmo fundamento que deu origem à sua intervenção na Grécia e na Turquia, esteve presente na sua ingerência neste conflito no sudeste asiático.

Num artigo publicado na revista História sobre a obra cinematográfica, The Quiet American, Luís Leiria refere: “O filme oferece ao espectador um fresco muito bem pintado – e fiel – da “passagem de testemunho” do colonialismo francês para o domínio americano sobre o Vietname do Sul.” Apesar de no início do filme a acção se situar no ano de 1952, durante o filme não existe qualquer outra referência temporal. Não obstante, é fácil identificar a acção nos tempos que antecederam a derrota francesa, na guerra da Indochina.

A primeira referência explícita ao conflito franco-vietnamita surge na cena em que Fowler e o assistente Hihn (na obra de Greene, um indiano chamado Domínguez) dialogam no seu escritório sobre um possível ataque comunista no Norte do Vietname. A cena que acabámos de evocar decorre no escritório do jornalista que é apresentado ao espectador, por meio de um plano de conjunto. De imediato, o olhar de Fowler percorre esse espaço, visão essa apresentada pelo realizador através de um travelling. A este plano do escritório sucede-se um outro

médio, do jornalista e do seu assistente que, por sua vez, dá lugar a planos americanos alternados que evidenciam o desenvolvimento de um diálogo. Esta alternância de planos coloca em evidência cada um dos interlocutores do diálogo permitindo o registo da intimidade e da confidência, que, aliada ao plano de detalhe do mapa, em especial da região Phat Diem, acentua o tensão dramática do filme.

“Good morning, Hinh.” “Anything new?”

“Corruption, mendacity …” “I said new!”

“There is a rumour that the Communists are planning an attack to North at Phat Diem.”

“One of your contacts?” “Yes, sir.”

Induzido por questões pessoais que se prendiam com o adiamento da sua recolocação em Londres e, apesar de não ter entre mãos qualquer investigação, o inglês, aproveitando a indicação de Hinh, decide rumar em direcção a Phat Diem, em busca de uma história que permitisse a sua permanência no Vietname, possibilitando, assim, manter a sua relação com Phuong.

“Maybe, I should go up there.” “Where, sir?”

“Phat Diem”

“It’s not an easy place to get in to with the Communist attack.”

Esta cena revela-se crucial, pois para além de dar uma imagem nítida da situação do país em que se destaca a corrupção e a hipocrisia, também se acentua o drama pessoal de Fowler, que se vê na eminência de ter de se deslocar a um local perigoso para poder permanecer no país. O jornalista sugere, de modo subtil,

que o assistente de Fowler tem ligações que lhe permitirão ter acesso à zona comunista:“I’m sure you know someone who can get me there.”104

Não podemos deixar de destacar a cena que decorre no Hotel Continental em que interagem Pyle, Fowler, Joe Tunney, da American Legation e Bill Granger, um jornalista americano. O realizador apresenta um plano médio do grupo de personagens seguido de um plano aproximado do americano, de Fowler e de Joe, que dá lugar a um plano médio do grupo. Estes planos sucessivos permitem ao espectador reconstituir o conjunto da cena, dando enfoque a cada um dos intervenientes de modo a destacar os interlocutores. Contudo, Pyle dialoga enquadrado no plano médio do grupo, enquanto Fowler surge num plano aproximado, talvez com a intenção de acentuar a tensão dramática subjacente à temática abordada e que se prende com a expressão das preocupações ideológicas e políticas dos intervenientes no diálogo.

“Thomas, you know Joe from the American legation?” “Yes, I know Joe. Overthrown any small countries recently?” “Fowler sees conspiracies everywhere. That’s for sure.” “Bill, is it true the Communist attack at Phat Diem?” “How hell should I know? We only report victories.”105

A referência a Phat Diem surge de novo o que revela a sua importância como ponto estratégico no desenvolvimento da acção. Através desta conversa, o espectador toma consciência de que Fowler conhece as conspirações levadas a cabo pelos americanos, isto é, tem um conhecimento profundo da política externa americana. Este diálogo permite ao espectador aperceber-se que para além de Fowler “was thinking of going up there”106 também, Pyle está interessado em se

104

Transcrição retirada do filme.

105

Ibidem. 106

deslocar àquela zona. “The reason why I asked is because one of our medical teams was allowed at Nam Dinh.”107

Na cena que inicia o Capítulo IV do filme, Fowler desloca-se em direcção ao Norte, na companhia de soldados franceses e Phillip Noyce apresenta-nos a sua leitura da guerra franco-vietnamita, sendo o espectador confrontado com a situação precária do exército francês no terreno.

A deslocação de refugiados vietnamitas para um barco, dá-nos uma imagem clara de um cenário de guerra e de destruição que é reforçado pelo cameraman por meio de uma panorâmica horizontal, movimento de câmara da direita para a esquerda. Em seguida, fixa-se num barco de transporte de militares ocidentais que, entretanto, chegava a Phat Diem. A voz de Fowler articulando um monólogo interior, referindo que ”I was never brave. There I was heading North. The fear of losing Phuong was more terryfing than the fear of any bullet.” antecede um grande plano dos campos circundantes, dos quais pode surgir um disparo ou uma bala certeira.

Os grandes planos e o monólogo interior são recursos utilizados pelo realizador para revelar os sentimentos mais íntimos de Fowler, acentuando o seu drama emocional, ao mesmo tempo que nos apresenta um cenário de guerra que justifica as suas palavras e a sua tomada de decisão. Com efeito, a articulação entre as linguagens verbal e imagética estrutura-se de modo a acentuar a acção dramática.

À medida que as forças francesas se movimentam, o espectador apercebe- se que aquela região fora fustigada por fogo cruzado “The Communists attacked four days ago. We pushed them back only yesterday. We think there are three hundred in the village. But we did not see them.”108 O diálogo entre Fowler e o comandante francês esclarece o espectador sobre a situação das forças francesas

107

Ibidem.

108

no terreno. “Is getting worse, isn’t it?” “How long can you keep going?” “A few months, maybe. My men are cutting the bullets.”109

O grupo expedicionário francês confrontava-se com uma situação crítica, apesar da fragilidade do seu adversário. O confronto entre a potência colonizadora (que tinha ocupado o Vietname de 1888 a 1945) e as forças armadas do movimento nacional de Libertação Vietminh, dominadas pelo Partido Comunista da Indochina, sob o comando do General Vo Nguyen Giap, arrastava-se há oito anos sem que os franceses vislumbrassem qualquer possibilidade de vencerem o conflito.

Após a Segunda Guerra Mundial, a França pretendeu recuperar a antiga colónia e retomar a sua posição de potência colonial, mas condições adversas dificultaram essa pretensão. Os japoneses, haviam assinado com o governo francês de Vichy um acordo, permitindo o estacionamento de uma base que facilitasse as suas acções no sudeste asiático, e entregaram o poder ao governo provisório da República Democrática do Vietname, ao tempo Ho Chi Minh, que estendeu a sua autoridade a todo o país. Em Outubro de 1945, quando os primeiros emissários do governo de Paris chegaram à Indochina, encontraram-se perante factos consumados. A França via-se na contingência de considerar perdida a sua antiga colónia ou ter de a reconquistar.

Na tentativa de recolonizar a Indochina, a partir de Dezembro de 1946, os franceses reocuparam as suas posições e começaram a usufruir do auxílio americano, em virtude do novo clima de guerra fria, o que desencadeou um conflito violento no Norte e Centro do Vietname, caracterizado pelos atentados à bomba e por atrocidades e lutas em plena selva, que são descritas por Phillip Noyce, de forma peculiar, num massacre de civis vietnamitas, na cena no Norte, enquanto o jornalista inglês estava integrado numa coluna militar francesa.

À medida que os soldados franceses avançam, deslocando-se pelos campos, Pyle surge disfarçado com um chapéu asiático, num barco a motor,

109

explicando a sua presença naquele espaço devido ao facto de não terem deixado sair a sua equipa médica de Phat Diem, mas também por não poder ficar indiferente aos problemas de saúde dos vietnamitas, pondo em risco a sua própria vida. “It is not that easy not to remain uninvolved.”110 Esta frase de Pyle, é repetida pelo narrador, quiçá, numa tentativa de salientar a necessidade de envolvimento do americano por oposição ao não comprometimento do inglês. Posteriormente, o realizador apresenta-nos uma alternância de planos: um primeiro plano de Fowler e de Pyle seguido de uma panorâmica de um corpo inanimado, que dá lugar a um grande plano de ambos os homens e uma panorâmica horizontal, movendo-se da direita para a esquerda, dando uma imagem da carnificina que tinha ocorrido naquele local. Esta sequência de imagens e de planos aliados aos comentários de Pyle poderá denotar a urgência de uma tomada de atitude quer por parte do inglês, quer do americano, conforme podemos verificar: “The dead are not involved. Dead have no zeal. They are lying, wait. We see them all the tenderness and then they haunt you.”111

Pela primeira vez, o espectador é confrontado com o horror da guerra ao deparar-se com um massacre cujas vítimas são civis inocentes, visível através do diálogo entre Fowler, Pyle e o comandante das forças francesas:

“Communists?”

“Clearly, this is not the work of French soldiers!”

“It doesn’t make sense! Communists don’t kill town people. It is not of their interest.”

“Maybe, another faction. There are so many of them. Each one with its own army.”112 110 Ibidem. 111 Ibidem. 112 Ibidem.

A partir deste diálogo, podemos conjecturar que o massacre não tinha sido perpetrado pelas forças francesas nem pelos comunistas. Um artigo da autoria de Richard Phillips reitera a suspeita de Fowler quando afirma:

Travelling with the French forces to Phat Diem, Fowler happens upon Pyle in this dangerous territory. Their strange encounter is forgotten after they discover a bloody massacre of local villagers. The French commander and Pyle claim the communist-led Vietminh (fore-runners of the Viet Cong) must have committed the atrocity, but Fowler is unconvinced.113

Com efeito, o Vietminh defendia um duplo objectivo: a independência nacional, a transformação das estruturas sociais, prestando especial atenção aos interesses e aspirações dos camponeses, que constituíam a grande maioria da população e cujo apoio era decisivo para o triunfo, ou para a derrota, de qualquer movimento político no terreno. O massacre de camponeses não se coadunava com o seu modus operandi, pelo que a suspeita do envolvimento de uma Terceira Força se desenhava.

Consideramos que o aparecimento inesperado de Pyle, num cenário de guerra, imbuído de preocupações humanitárias, pode parecer suspeito ao espectador. Essa dúvida pode ser confirmada na cena do massacre de civis inocentes perpetrado por uma facção, que não está ligada nem aos franceses nem aos comunistas. Deste modo, surge a possibilidade de existência de uma Terceira Força que vai ao encontro das ideias políticas e ideológicas de Pyle e uma alusão à mesma surge neste cenário de guerra, num diálogo entre Fowler e Pyle:

“What’s that book you’re always reading? York Harding, Dangers to Democracy.

113

Richard Phillips “A Haunting Portait of US-backed terror in 1950s Vietnam” <http://www.wsws.org/sections/category/arts/films.shtml>

“York Harding. He is the one who put forward the idea of a third force to Vietnam. Not the Communists, not the French.”

“Not the Americans?”

“No, we are not colonialists.” Something to really help this people.”114

A par do desenrolar da guerra, que se materializa no assobio das bombas, nos clarões e no seu ribombar quando explodem, assistimos, também, ao adensar do conflito emocional, dentro de um bunker. Nesta cena, o realizador apresenta um grande plano de Pyle e Fowler e, apesar de no interior do bunker estar escuro, a iluminação destaca as personagens do fundo em que estão enquadradas, fazendo incidir a atenção do espectador sobre elas e, deste modo, cria um cenário que propicia uma confissão. Na verdade, Pyle revela a Fowler que o verdadeiro motivo da sua ida ao Norte se prende com o facto de se ter apaixonado por Phuong. Através de um plano de conjunto, o realizador apresenta-nos o exterior do bunker, onde as explosões e a destruição imperam, devido ao avanço das tropas comunistas. Os bombardeamentos intensificam-se reforçando a carga dramática da cena. As palavras de Pyle actuam como petardos que explodem, na medida em destroem a segurança da relação de Fowler e de Phuong: “It’s about Puong (…) I had dinner with her and her sister that Saturday and when I was sitting there looking at her all became so clear to me. I never ever used to believe at love at first sight. (…) I want to protect her. (…) I haven’t told her yet.”115