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Apoio à democracia por avaliação da situação econômica

da atenção e do envolvimento na política é um fator natural e inevitável da vida política de

massa”.103 O autor destaca que os atos de acessar e processar informações políticas

representam custos que, para a maioria da população, podem ser muito altos. O dinamismo da agenda política asseguraria que a fluência dos temas tornasse algumas questões centrais de tempos em tempos. Os indivíduos do estrato intermediário seriam ativados quando essas questões se tornassem centrais. Assim, monitorando parcialmente o processo, eles poderiam ficar alerta quando os cidadãos mais atentos “soarem o alarme” para indicar os temas relevantes.104

A análise do apoio dos americanos aos valores democráticos e capitalistas realizada por Dennis Chong, Herbert McClosky e John Zaller traz contribuições importantes ao debate.105 O ponto de partida dos autores é o reconhecimento de que as pessoas possuem capacidades diferenciadas de apreender os valores dependendo do nível de envolvimento político e da consciência desses assuntos. Os mais interessados não teriam dificuldades de entender os valores e a sua operação no sistema democrático, enquanto aqueles com menos discernimento para observação desses temas ficariam mais circunscritos aos papéis sociais e aprenderiam menos sobre os valores comuns. O processo de aprendizado deve, segundo os autores, ser entendido no sentido mais informal; ele se dá pela interação dos indivíduos com o ambiente político e social. As influências ocorreriam através da “sensibilidade em relação aos comportamentos do conjunto da sociedade como também pela atenção aos valores gerais e padrões transmitidos de uma geração a outra e sustentados pelos líderes de opinião do passado e do presente”.106 Esses valores organizariam a profusão de fragmentos e opiniões políticas que chegam ao indivíduo.

Chong, McClosky e Zaller concluem que os indivíduos mais conscientes politicamente (political awarenes), com maior conhecimento, participação e educação, tenderiam a assimilar melhor as regras do jogo político, a ter maior disposição para conhecimento das normas e maior conhecimento dos princípios políticos abstratos. Considerando que os valores relativos à democracia e ao capitalismo estão presentes na sociedade americana desde o século XIX, os autores avaliam o quanto de coerência é possível encontrar na adesão a esses valores. Nas pesquisas de opinião, quanto mais os princípios da democracia e do capitalismo são expressos em termos abstratos, maior a chance de ocorrer um desacordo na expressão da preferência por esses valores. Os autores concluíram que os grupos

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NEUMAN. The Paradox of Mass Politics, p.177. 104

NEUMAN. The Paradox of Mass Politics, p.186. 105BRITISH JOURNAL OF POLITICAL SCIENCE, n. 13. 106

que expressam noções antirregime são aqueles com menos consciência e com menos possibilidades de aprender as normas. Eles ponderam, no entanto, que os indivíduos que não têm consistência no apoio simultâneo dos valores democráticos e capitalistas podem não ser contra estes valores. Esses indivíduos podem estar inseridos em contextos e condições que impedem que eles apreendam os valores comuns das elites; a inconsistência não estaria, portanto, ancorada em convicção intelectual e, sim, nas dificuldades de se aprender as normas predominantes. Confirmando os achados dos estudos anteriores, os autores concluem que essas duas tradições de pensamento, mesmo se tratando de valores que perpassam a história americana, são entendidas apenas de modo imperfeito por grande parte da população.

Richard Rose destaca o pouco espaço ocupado pela política, também, na vida dos europeus.107 Tomando como referência os dados do European Quality of Life Survey de 2003, constatou que em uma lista de questões, a família é considerada o elemento mais importante por 98% dos respondentes; o trabalho, os amigos e a leitura são considerados mais importanes por 90%. A política, por contraste, é considerada medianamente importante por 50% e muito importante por apenas 11% dos europeus. Rose ressalta que entre os países recém integrados na União Européia o quadro não seria distinto. Os resultados do New Europe Barometer indicam que a maioria das pessoas desconfia dos políticos, mas, ao mesmo tempo, 68% dos entrevistados preferem deixar as principais decisões para os seus representantes; a participação das pessoas comuns nas decisões políticas é defendida por 32%.

Considerando a persistência dessas características dos cidadãos, alguns observadores poderiam questionar a validade das pesquisas de opinião. Mas vale destacar que foi através das pesquisas de survey que se desvendou a verdadeira caracterização do público de massa. Como destaca Henry E.Brady,

Um survey cross-sectional tem os limites de ser um instantâneo de um momento (...) mas essa abordagem minimalista tem uma boa dose de realismo para aqueles com noções inflacionadas sobre o lugar e importância da política na vida das pessoas comuns, mesmo que seja uma representação monótona, fria e estática da política.108

Neuman também defende o uso da técnica de survey. Ressalta que, considerando os desafios de lidar com as opiniões do público de massa, três podem ser as escolhas: não usar pesquisas de opinião, usá-las para pesquisas de mercado sem preocupação metodológica ou, reconhecendo seus limites, ter o maior zelo metodológico possível. Neuman reconhece que,

107 ROSE. Oxford Handbook of Political Behavior. 108

diante das constatações, o uso da pesquisa pode causar um mal estar, no entanto defende que, com o refinamento metodológico necessário e com a qualificação dos dados, as pesquisas podem contribuir para o desenvolvimento das ciências sociais. O autor destaca que o ponto de partida deve ser o reconhecimento de que “a mensuração da opinião pública em relação a um tema é uma mistura de um pensamento refletido, opiniões estáveis, opiniões afetivas, desentendimentos e respostas puramente aleatórias”,109 mas as respostas não são estritamente aleatórias. Em uma linha de raciocínio complementar, Chong, McClosky e Zaller destacam que parte importante das dificuldades em tratar de sistema de crenças pouco estruturado pode ser superada pela utilização de vários itens em vez de um único para avaliar as atitudes políticas.110

Todavia vale destacar que a questão fundamental, como lembrou Neuman, é que a apatia em relação à política e a inconsistência das atitudes não devem ser tratadas como questões patológicas. Dessa forma, a apatia política, diagnosticada inicialmente nos anos sessenta, é uma característica persistente do público de massa e deve ser objeto de estudos empíricos. Os níveis de inserção dos cidadãos nas normas sociais e políticas são diferenciados e a definição dos fatores associados a esses níveis é outro problema empírico. Tais constatações devem ser tomadas como ponto de partida das análises em vez de pressupor que o cidadão é virtuoso, informado e participativo.

As questões relativas às características do público de massa têm consequências importantes para o estudo do apoio à democracia na América Latina. Em primeiro lugar, é necessário destacar que se existirem discordâncias dentro das elites em relação aos valores comuns, deve-se esperar uma inconsistência ainda maior nas atitudes dos cidadãos. Como ocorreu nos países que saíram dos regimes comunistas e como acontece nos países que passaram por regimes autoritários, os valores da democracia têm de se afirmar contra uma tradição que já estava estabelecida. Se em países que têm uma mesma tradição democrática e capitalista que perpassa séculos é significativo o percentual de pessoas que não expressam esses valores de modo consistente, deve-se esperar uma mistura entre posições democráticas e autoritárias nos países recém-democratizados.

A sofisticação e a consciência política tratadas pelos autores são fortemente influenciadas pelos níveis de educação do cidadão e pela sua participação em grupos. Como nos países da América Latina os níveis de educação formal são muito baixos, os seus

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NEUMAN. The Paradox of Mass Politics, p.184. 110BRITISH JOURNAL OF POLITICAL SCIENCE, n. 13.

problemas relativos à inserção dos indivíduos nos valores sociais comuns e à assimilação das normas democráticas tendem a ser maiores. Além disso, as questões referentes ao apoio à democracia envolvem conceitos abstratos que, como demonstraram os autores, podem exigir ainda mais capacidade cognitiva do respondente e elevar o número de não atitudes. Como se verá a frente, essas limitações devem ser consideradas em um tratamento metodológico ainda mais sistemático.

3 O APOIO POLÍTICO EM NOVAS DEMOCRACIAS

3.1 O significado atribuído à democracia nas pesquisas sobre apoio

Para explicitar a complexidade da discussão relacionada ao significado atribuído à democracia, deve-se, primeiramente, resgatar os diversos enfoques presentes na literatura para, em seguida, associá-los com a operacionalização do conceito de apoio à democracia. Os problemas associados ao significado atribuído à democracia são de duas ordens. Por um lado, conforme evidenciado no capítulo anterior, os indivíduos em geral possuem grande dificuldade expressar opiniões sobre questões abstratas, como é o conceito de democracia. Por outro lado, em função dessa dificuldade, na elaboração de questionários de pesquisas sobre o apoio à democracia a forma de perguntar sobre o significado da democracia (questão aberta ou fechada) tem consequências para o resultado da pesquisa. A maneira de lidar com esse problema é muito diversa, mas é possível indicar como elemento comum nas pesquisas a crítica à validade das medidas que usam o termo democracia, diretamente, na questão sobre o apoio111. Deve-se ressaltar que essa discussão é ainda muito insipiente e começou a ganhar força a partir das pesquisas que se confrontaram com as formas de medir o apoio à democracia.

Muitos trabalhos acadêmicos usam a pergunta direta sobre o apoio à democracia para análises comparativas supondo que o entendimento do termo seria comum entre os respondentes de um mesmo país e dos diversos países. Esse problema pode ser localizado nas primeiras pesquisas sobre o apoio político nos países com democracia estabelecida. Tais estudos operacionalizaram o apoio político a partir das questões relativas à confiança nas instituições e da questão que trata da satisfação com a democracia. O primeiro construto, confiança nas instituições112, é elaborado a partir de uma variedade de itens e não cita o regime, por isso não tem de enfrentar o problema. O segundo indicador, satisfação com a

democracia113, usa o termo diretamente na pergunta. Como criticam Canache, Mondak e