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Grupo intermediário: nível médio de desenvolvimento político

4 ANÁLISE DO APOIO À DEMOCRACIA NA AMÉRICA LATINA

4.3 Determinantes do apoio à democracia: análise por grupos de países

4.3.2 Grupo intermediário: nível médio de desenvolvimento político

Esse grupo é composto por países em que a média de apoio à democracia é superior à média regional, mas não chega a ser majoritário, como ocorreu no primeiro grupo. É composto pelo Panamá, Nicarágua, México e El Salvador. Como se vê na tabela abaixo, os valores médios das variáveis contextuais desse grupo se aproximam das médias regionais. Mas existe grande variação entre os quatro países. O que mais aproxima esse grupo do primeiro são os valores 1 e 2 no nível de direitos políticos. A exceção é a Nicarágua, país que se distigue do grupo, também, por outros motivos: PIB per capta muito baixo, o maior gini de renda e de educação e o pior nível no Índice de Oportunidade Humana.

TABELA 26

País PIB per

capita Gini Renda

Índice Oportunidade Humana Gini Escolaridade Freedom House Apoia Ambivalente

/ indiferente Não apóia

Panamá 4445,40 54,50 57 24,7 1 45,07 34,89 20,04 Nicarágua 842,90 57,90 34 48,3 3 44,23 30,82 24,95 México 6702,20 52,80 75 36,6 2 44,17 22,70 33,13 El Salvador 2136,20 49,30 46 47,3 2 43,01 25,05 31,94 Média do grupo 3531,68 53,63 53,00 39,23 2,00 44,12 28,37 27,51 Média região 3.486,38 53,96 65,78 36,44 2,33 41,26 26,07 32,67 Fonte: LATINOBARÔMETRO 2005. Nota: Dados trabalhados pela autora.

GRUPO INTERMEDIÁRIO - APOIO SUPERIOR À MÉDIA REGIONAL MAS NÃO SUPERIOR A 50%

Considerando a estimação multinomial para cada país desse grupo, indicada na tabela abaixo, distintamente do grupo anterior, a avaliação econômica é o ponto que une o Panamá, o México e El Salvador. Nesses três países, os indivíduos que acreditam que a situação econômica é média ou boa, comparados com aqueles que acham que a situação econômica é ruim, têm mais chances de apoiar a democracia. Considerando que os valores de direitos políticos nesses três países é semelhante àqueles encontrados no primeiro grupo, é interessante destacar que as diferentes avaliações da situação política não alteram as chances

de apoio à democracia. Lembrando as considerações de McAllister292, nas democracias

recém-estabelecidas o apoio à democracia está mais associado ao desempenho dos governos. No caso desse grupo intermediário, é a avaliação positiva do desempenho econômico que aumenta as chances de apoio ao regime. Comparando com o grupo anterior, é possível inferir que esse apoio é menos estável. No primeiro grupo, o bom funcionamento da democracia é valorizado pelos cidadãos, produzindo maior apoio ao regime; no grupo intermediário, ao contrário, o apoio é condicionado aos resultados econômicos do regime.

292

TABELA 27293

B Sig. Exp(B) B Sig. Exp(B) B Sig. Exp(B) B Sig. Exp(B)

-2,080 0,00 -2,552 0,00 -1,230 0,00 -0,571 0,16

Grupo entre 26 a 35 anos(*) 0,374 0,17 1,453 0,105 0,62 1,110 -0,129 0,56 0,879 0,423 0,06 1,527

Grupo entre 36 a 45 anos 0,289 0,30 1,336 0,206 0,37 1,229 -0,095 0,71 0,909 1,390 0,00 4,015

Grupo entre 46 a 55 anos 0,477 0,13 1,612 -0,069 0,78 0,933 0,225 0,44 1,253 1,361 0,00 3,901

Grupo acima 55 anos 0,601 0,05 1,823 0,409 0,10 1,505 -0,046 0,86 0,955 0,982 0,00 2,671

Sexo(**) -0,339 0,07 0,713 -0,234 0,11 0,792 -0,188 0,26 0,828 -0,509 0,00 0,601

Primário completo(***) 0,097 0,77 1,101 0,811 0,00 2,250 0,348 0,09 1,416 0,345 0,14 1,412

Ginasial completo 0,030 0,94 1,030 -0,028 0,92 0,973 0,786 0,01 2,195 0,250 0,41 1,284

Segundo grau completo -0,102 0,79 0,903 0,642 0,02 1,900 0,513 0,06 1,669 0,410 0,20 1,507

Superior completo 0,626 0,19 1,871 0,486 0,11 1,626 0,687 0,14 1,987 1,211 0,04 3,356

Nível socioeconônico médio(***) 0,727 0,00 2,068 0,624 0,01 1,867 0,219 0,22 1,245 0,259 0,19 1,296

Nível socioeconônico alto 0,198 0,64 1,219 0,507 0,09 1,660 0,621 0,18 1,860 -0,317 0,52 0,728

Confiança interpessoal (+) 0,372 0,15 1,450 0,257 0,16 1,293 0,054 0,77 1,055 0,058 0,83 1,059

Satisfação com a vida (++) -0,103 0,68 0,902 0,440 0,01 1,553 0,110 0,54 1,117 0,370 0,05 1,447

Concidadãos cumpridores da lei (+++) 0,417 0,06 1,517 0,988 0,00 2,686 -0,431 0,05 0,650 0,264 0,28 1,302

Saliência média (#) 0,136 0,50 1,146 0,187 0,27 1,206 0,129 0,50 1,138 0,082 0,67 1,086

Saliência alta -0,093 0,77 0,911 0,766 0,00 2,150 0,340 0,27 1,405 -0,378 0,27 0,685

Sentidos fins esperados (##) 1,541 0,00 4,669 0,682 0,00 1,978 0,408 0,06 1,504 0,529 0,04 1,697

Sentidos processo político 1,060 0,03 2,887 0,078 0,73 1,081 0,940 0,02 2,560 0,726 0,04 2,067

Sentidos liberdade 1,244 0,00 3,468 -0,284 0,23 0,753 1,058 0,00 2,879 0,726 0,00 2,067

Sentidos negativos 1,341 0,26 3,823 0,226 0,47 1,254 -1,134 0,21 0,322 0,080 0,92 1,083

Sentidos positivos 2,127 0,01 8,388 0,912 0,02 2,490 0,644 0,11 1,903 0,561 0,27 1,752

Sentidos neutros 0,390 0,67 1,476 1,507 0,05 4,512 -0,003 1,00 0,997 -0,023 0,98 0,977

Sit econômica média(###) 0,763 0,01 2,145 1,034 0,00 2,813 0,365 0,09 1,441 -0,069 0,75 0,933

Sit.econômica boa 0,824 0,01 2,280 0,600 0,02 1,822 0,434 0,06 1,544 0,288 0,28 1,333

Sit.política média (####) 0,346 0,18 1,414 -0,182 0,38 0,834 0,204 0,42 1,226 -0,765 0,00 0,465

Sit. Política boa 0,447 0,12 1,563 0,025 0,91 1,025 0,171 0,50 1,187 -0,526 0,02 0,591

Corrupção majoritária ($) 0,069 0,77 1,072 0,313 0,21 1,368 0,333 0,10 1,395 0,170 0,50 1,185

Apóia presidente ($$) -0,433 0,05 0,649 -0,128 0,48 0,880 -0,143 0,43 0,867 0,078 0,76 1,081 Variáveis

ANÁLISE MULTINOMIAL - CHANCES DE APOIAR A DEMOCRACIA EM RELAÇÃO A NÃO APOIAR (SEGUNDO GRUPO)

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do Latinobarômetro 2005, n.Panamá (963), México (1141), El Salvador (958), Nicarágua ( 954)

Categorias de referência: (*)Grupo etário até 25 anos; (**) feminino; (*** )Escolaridade, até primário incompleto; (****)Nível socioeconômico baixo; (+) indivíduos que não confiam nos outros; (++)indivíduos que não estão satisfeitos com a vida; (+++) Indivíduos que não acham que concidadãos são cumpridores da lei. (#) saliência baixa; (##) não atribuiu sentido à democracia. Quarto grupo: (###) Avaliação da situação econômica como ruim; (####) Avaliação da situação política como ruim; ($)corrupção não é majoritária entre os funcionários públicos; ($$) não apóiam o presidente.

Nicarágua

Panamá México El Salvador

A posição da Nicarágua destoa dos demais países do grupo. Nesse país, as chances de apoio à democracia variam entre os níveis de avaliação da situação política e não entre os níveis de avaliação da situação econômica. No entanto, diferentemente do que ocorreu no primeiro grupo, aqueles indivíduos que consideram que a situação é média e boa, comparados com os que consideram a situação política ruim, têm menos chances de apoiar a democracia.

O resultado é próximo ao encontrado por Luiz Serra Vázquez e Pedro López Ruíz294. Eles

destacam que, controlado por outros fatores, as pessoas que avaliam positivamente a situação econômica do país são menos tolerantes em relação à oposição e têm, portanto, menos chances de dar apoio à democracia. Embora sejam duas variáveis distintas, avaliação econômica e avaliação política, elas traduzem uma percepção positiva do desempenho do governo; em ambos os casos os respondentes satisfeitos tendem a ter posições menos democráticas.

293 Veja a continuação desta tabela no APÊNDICE L. 294

No entanto, o nível de apoio à democracia na Nicarágua é alto quando se avaliam as suas condições socioeconômicas (PIB per capita, gini renda, gini educação e IOH). O apoio, nesse país, é maior do que outros com níveis maiores de direitos políticos (México, El Salvador, Brasil e Peru). Considerando que o país, depois do processo revolucionário de 1979-89 que pôs fim à ditadura somozista, teve apenas dois períodos de eleições presidenciais, ocorridas em 1996 e 2001, torna-se evidente a Nicarágua é um caso desviante. Vázquez e Ruíz encontraram resultados semelhantes em pesquisa de 2004. Na resposta à

questão sobre a justificação de um golpe de estado295, 68% dos respondentes rechaçam o

golpe em qualquer circunstância. Esse resultado é o melhor dentre os países pesquisados: no

México 45,1% justificam o golpe,na Guatemala 46,2% e no Panamá 46,8%.

Os resultados demonstram a importância do contexto na configuração de atitudes

antiautoritárias. As diferenças nas chances de apoio entre os grupos etários pode ser evidência complementar: os indivíduos dos grupos etários acima de 26 anos, comparados aqueles do grupo de até 25 anos, têm mais chances de apoiar a democracia do que de apoiar opções autoritárias. Esse efeito é maior entre os que têm entre 36 e 55 anos, mostrando que, nesse país, a experiência desses indivíduos com o período de autoritarismo e com o evento revolucionário pode ter criado um sentimento de valorização da experiência democrática, mesmo que ela seja uma das mais curtas da região. Vale destacar que esse é um dos poucos países da região em que as chances de apoio aumentam consistentemente nos grupos etários.

Quanto ao desempenho das variáveis cognitivas, o desempenho da escolaridade no grupo intermediário é semelhante ao resultado do conjunto dos países: quanto maior o nível de escolaridade, maior as chances de apoio à democracia. O efeito da atribuição de significado à democracia é também similar ao resultado geral no Panamá, El Salvador e Nicarágua: comparados com os que não responderam, os indivíduos que atribuem sentidos relativos aos fins esperados, ao processo político e à liberdade têm mais chances de apoiar a democracia. No entanto, no México, o resultado é distinto: os indivíduos que atribuíram significados relativos à liberdade e ao processo político, comparados com os que não responderam, não têm chances diferenciadas de apoiar a democracia. Apenas os indivíduos que atribuíram sentidos relativos aos fins esperados, aos outros sentidos positivos e aos sentidos neutros, têm mais chances de apoiar a democracia. É interessante notar que o percentual de respondentes que atribuiram sentidos relativos ao processo político e à liberdade representa 41,83% da amostra. Um pesquisador que se detivesse apenas no percentual de

295 A questão é a seguinte: você crê que em alguma situação possa haver uma razão suficiente para um golpe de estado?

atribuições de sentidos relativos às normas democráticas, como faz, por exemplo, Carrión296, poderia interpretar o resultado positivamente porque o percentual de pessoas que atribuem sentidos normativos está acima da média regional. O problema é que a opção pelos chamados sentidos normativos não se traduz em uma maior valorização da opção democrática.

Esse resultado deixa de ser surpreendente frente às informações sobre a situação social e econômica do país. Como destacam Jorge Buendía e Alejandro Moreno297, no período entre 2001-2003, o México passou por uma das piores crises econômicas da sua história, com crescimento nulo do PIB em 2001, de 0,8% em 2002 e de 1,4% em 2003; o país começou a recuperar-se apenas em 2004. Após as eleições presidenciais de 2000, que representaram a primeira alternância de partido político desde 1929, com o fim da hegemonia do Partido Revolucionário Institucional (PRI), os dados sobre o comparecimento eleitoral expressam o desinteresse dos mexicanos com o processo democrático: as eleições intermediárias do governo Vicente Fox, em 2000, tiveram um comparecimento de 42% do eleitorado, enquanto nas eleições de 1994 a taxa foi de 77%. Frente isso, Buendía e Moreno constataram, com surpresa, que apesar das eleições terem sido consideradas limpas e justas, de ter havido um processo eleitoral com maior competição política e haver maior liberdade de imprensa, as pessoas se interessaram menos pelo voto do que na eleição de 1994.

Esse desinteresse em relação ao processo eleitoral pode ser a explicação da diferença do México em relação ao desempenho da variável sentido atribuído à democracia. Nesse país, os indivíduos podem ser capazes de identificar o regime com seus elementos normativos (processo político e liberdades), mas as suas chances de apoio à democracia não são diferentes das chances de apoio daqueles que não atribuem sentido algum. Por outro lado, aqueles que atribuem sentidos relativos ao que o regime pode produzir (fins esperados, outros sentidos positivos e sentidos neutros) têm mais chances de apoiar a democracia.

O México se destaca negativamente, também, em relação aos países do grupo intermediário, pelo alto percentual (33,3%) de pessoas que fazem parte do grupo que não apóia a democracia. Esse resultado confirma as conclusões de Alejandro Moreno e Patrícia

Méndez.298 Os autores lembram que, embora o último governo de origem militar tenha se

encerrado em 1940, um em cada quatro mexicanos apóia o governo militar. Vázquez e Ruíz299 confirmam esse alto índice: 45,1% dos entrevistados consideram o golpe militar justificável. Porém, é interessante notar que o apoio às atitudes autoritárias não aparece entre os grupos

296

LATIN AMERICA PUBLIC OPINION PROJECT (LAPOP) 2008. 297

PROYECTO DE OPINIÓN PÚBLICA EN AMÉRICA LATINA (OPAL). 298 INTERNATIONAL JOURNAL OF COMPARATIVE SOCIOLOGY, n. 43. 299

mais favorecidos. Conforme a tabela acima, os indivíduos com maior nível socioeconômico, comparados com os do nível mais baixo; e os indivíduos com maior saliência, comparados com os de menor saliência, têm mais chances de apoiar a democracia. Essa é uma evidência de que o México não possui o conflito distributivo que está presente no Chile.

Considerando as informações das variáveis contextuais, o grupo intermediário apresenta características mistas. Aproxima-se do primeiro grupo, pelos valores da Freedom House e pelo percentual de apoio à democracia acima da média regional. No entanto, se aproxima do último grupo pelas condições sociais: alta desigualdade de renda e educacional e baixos níveis no índice de oportunidade humana. Essas condições mostram um histórico ruim nas políticas públicas. O aumento do apoio entre os que estão satisfeitos com a situação econômica corrobora as expectativas da teoria institucionalista de nível micro de que a avaliação dos resultados econômicos tem o efeito de aumentar a legitimidade do regime. Mas, considerando-se o déficit em políticas públicas do grupo intermediário, para que os países alcancem o nível de desenvolvimento político do primeiro, será necessária uma grande expansão das políticas de inclusão nos serviços essenciais e a diminuição da desigualdade educacional e de renda.

Os dois países destacados na análise mostram que a trajetória política pode ser um elemento importante para o aumento do apoio à democracia. Por um lado, a Nicarágua apresenta as piores condições socioeconômicas do grupo, mas seu histórico de superação da ditadura com um processo revolucionário parece ter marcado positivamente os cidadãos desse país, levando à rejeição das opções autoritárias. Por outro lado, o México, com condições econômicas muito melhores do que as da Nicarágua e que há pouco tempo estabeleceu eleições competitivas, apresenta elementos preocupantes de valorização da opção autoritária. Considerando as expectativas em relação à democracia, que no México estão relacionadas com os fins esperados e com os outros elementos positivos, as políticas de inclusão podem ter o efeito de aumentar a legitimidade da democracia. Entretanto, o fato de que os que atribuem sentidos relativos ao processo político e às liberdades não aumentarem as chances de apoio pode evidenciar um esvaziamento do apoio à democracia representativa. A participação política não necessariamente precisa ser intensa para que a democracia funcione satisfatoriamente, mas os altos níveis de abstenção eleitoral, como ocorre no México, podem minar a confiança no sistema representativo.