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4. QUILOMBOS DO VALE DO RIBEIRA

4.1 Apontamentos acerca do Vale do Ribeira

O Vale do Ribeira é uma área repleta de unidades de conservação ambiental que se destaca no cenário nacional pela riqueza de recursos minerais e por ser a região que conserva o maior parte do que restou da Mata Atlântica. O sistema de drenagem é comandado prioritariamente pela Bacia Hidrográfica do rio Ribeira de Iguape20 e secundariamente pela vertente Atlântica (baías de Paranaguá e Antonina, no Paraná) e pelos rios que desaguam no oceano ou em estuários, em São

20 A criação dessa bacia hidrográfica, assim como outras no estado de São Paulo, está disposta no Decreto Estadual

Paulo. Sobre o rio Ribeira, Arruda (2003) informa que:

As cabeceiras do rio Ribeira do Iguape se localizam no Paraná, no município de Serro Azul, e sua bacia se estende por uma vasta região de aproximadamente 16.528 km², abarcando territórios dos Estados de São Paulo (70%) e Paraná (30%). Embora localizada ao sul do Trópico de Capricórnio, seu clima é tropical, quente e úmido, com uma temperatura média anual entre 18 e 22º centígrados. O inverno é frio. Sua topografia irregular, o solo e o clima contribuíram para o desenvolvimento de um complexo mosaico de ecossistemas, variando das extensivas restingas perto da costa até a densa floresta úmida tropical nas encostas da Serra de Paranapiacaba. Essa variedade de formações, genericamente conhecida como “mata atlântica”, abriga uma das maiores taxas de biodiversidade do mundo. (ARRUDA, 2003, p. 5).

Essa região, em sua porção situada no estado de São Paulo, possui uma área de 1.711.533 hectares, abrangendo 23 municípios: Apiaí, Barra do Chapéu, Barra do Turvo, Cajati, Cananeia, Eldorado, Iguape, Ilha Comprida, Iporanga, Itaóca, Itapirapuã Paulista, Itariri, Jacupiranga, Juquiá, Juquitiba, Miracatu, Pariquera-Açú, Pedro de Toledo, Registro, Ribeira, São Lourenço da Serra, Sete Barras e Tapiraí. Nesses municípios do Vale do Ribeira vivem cerca de 307 mil habitantes (BRASIL, 2015e).

Diegues (2007) informa que a região é composta de distintas paisagens:

O Alto Ribeira é marcado pela presença da Serra do Mar, apresentando uma paisagem montanhosa e florestada, por onde passa o Rio Ribeira, em cujas margens situam-se cidades e municípios como Iporanga, Apiaí, Ribeira, Itaóca. A região do Médio Ribeira é marcada pela presença do rio que recebe vários afluentes como o Juquiá, o Jacupiranga e onde se situam cidades como Eldorado, Sete Barras, Juquiá, Jacupiranga e Registro. Já na região do Baixo Ribeira as terras são mais planas e inundáveis, onde o rio desce em meandros até desembocar na região litorânea próxima a Iguape. (DIEGUES, 2007, p. 2). Do ponto de vista econômico, são praticadas atividades agrícolas para as culturas da banana e da tangerina, e as atividades pecuárias de rebanhos bovino e bubalino. As culturas temporárias de tomate e milho são as mais expressivas e concentram-se na área serrana. Entre as culturas permanentes, a tangerina é cultivada na área serrana e ao longo da BR-116, onde também há a produção de banana, caqui e maracujá (QUILOMBOS, 2015).

O ecoturismo vem tendo grande desenvolvimento na região, movido não somente pelas extensões de vegetação nativa, mas também pela presença de inúmeros rios e cachoeiras de grande valor paisagístico e recreativo, e por uma grande concentração de cavernas. Como observa Diegues (2007): “O turismo desponta, em quase todos os municípios, como a atividade mais importante da região, tanto no Alto e Médio Ribeira, com suas incontáveis cavernas, cursos d’água (para canoagem) e visitação em parques naturais, ainda que poucos deles estejam preparados para essa atividade” (DIEGUES, 2007, p. 28).

Mapa 1 – Municípios do estado de São Paulo que compõem a Bacia Hidrográfica do Vale do Ribeira. Fonte: SIGRH [SÃO PAULO (ESTADO), 2017b].

O Vale do Ribeira também é caracterizado pela estagnação econômica e baixo desenvolvimento social. Diegues (2007, p. 29) assevera que os “indicadores sociais do Vale do Ribeira, como mortalidade e analfabetismo, estão entre os mais elevados do Estado de São Paulo, mostrando as precárias condições de vida da população da região”.

Giacomini (2010) aponta que o “Vale do Ribeira se tornou um espaço de debates e embates, cujos fatos se sublinharam na política nacional como os temas ambientais, de desenvolvimento social e de remanescentes de quilombos” (GIACOMINI, 2010, p. 158). Como alguns daqueles

embates, percebe-se que as comunidades negras da região enfrentam os problemas de grilagem de terras e a sobreposição de seus territórios com as áreas de parques instituídas pela legislação ambiental (CARVALHO, 2000a, p. 41). A respeito das áreas destinadas a parques, Nascimento (2006) observa também que o Estado determina que essas áreas não comportam a presença humana. Essa determinação condiciona o conflito com as comunidades pelo uso das terras. Outro problema enfrentado pelas comunidades rurais, diz respeito também ao processo comum de agricultura praticado por elas: a capova ou coivara. Esse processo está associado às outras práticas comunitárias tradicionais, como o mutirão.

De acordo com relatos de moradores nos bairros negros, a agricultura era tradicionalmente praticada em regime de “coivara”. A roça era aberta antes do início das chuvas, em local de mata densa, onde o “cabeça” da família delimitava um trecho (entre 1 e 6ha, raramente maior) e fazia a derrubada da vegetação rasteira com o auxílio da força ativa de seu grupo doméstico, normalmente os filhos maiores. A vegetação rasteira e de pequeno porte era então empilhada em locais estratégicos do terreno e deixada por algum tempo até que secasse. (AMORIM, 1998, p. 21).

A atividade agrícola nas comunidades permanece sendo realizada da forma descrita acima, nas áreas de seu território tradicional sobre as quais não incidem restrições ambientais, ou em áreas menos acessíveis à vigilância da fiscalização. Com a restrição imposta pela legislação para preservação dos parques, as comunidades têm passado por intenso processo de desarticulação.

A intervenção do Estado, portanto, ao sobrepor as unidades de conservação aos territórios das comunidades negras tem proporcionado a desarticulação das formas de vida tradicionais das comunidades, levando ao incremento de relações de mercado próprias à sociedade envolvente e responsáveis pela degradação ambiental do Vale do Ribeira. (AMORIM, 1998, p. 27).

As restrições impostas à agricultura somam-se a outros problemas vividos por aquelas comunidades, como a ameaça de construções de barragens ao longo do rio Ribeira, o processo de grilagem e a especulação do mercado imobiliário.

A falta de recursos também levou moradores a venderem partes de suas posses, principalmente a partir da década de 1980. Devemos aqui relembrar que a proibição das roças entrou em vigor em 1963, com a criação Parque Estadual de Jacupiranga, que recaiu sobre o território de várias comunidades quilombolas. A atuação do policiamento e a imposição de multas aos agricultores, no entanto, se intensificou no início da década de 1980. (CARVALHO, 2000a, p. 40).

A região da bacia do rio Ribeira frente à economia do estado de São Paulo continua com a mais baixa densidade populacional do estado e permanece à parte dos processos de desenvolvimento da economia paulista. De acordo com dados do IBGE, a população de Registro no ano de 2010 era de 54.261 habitantes, distribuídos em uma área territorial em torno de 722,201 de quilômetros

quadrados. Isso resulta numa densidade demográfica de 75,11 habitantes por km². Já o município de Eldorado, também em 2010, tinha 14.641 habitantes21, distribuídos em uma área territorial próxima de um milhão e meio de quilômetros quadrados. Essa relação teve como resultado uma densidade demográfica bem menor do que Registro: 8,85 habitantes por km².