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5. AS ESCOLAS QUILOMBOLAS

5.1 O governo estadual e as escolas

5.1.3 Supervisão pela Diretoria de Ensino

A Diretoria de Ensino – Região de Registro coordena 49 escolas estaduais em 8 municípios do Vale do Ribeira: Barra do Turvo, Cajati, Cananéia, Eldorado, Jacupiranga, Pariquera-Açu, Registro e Sete Barras. Dessas escolas, 8 são indígenas e 1 é quilombola, a Chules. Suas atribuições estão dispostas no artigo 70 do Decreto 57.141/2011 e dizem respeito a gestão de políticas, diretrizes e metas da educação, recursos financeiros e de pessoal, supervisionar as escolas e articular as atividades do Núcleo Pedagógico com as da Equipe de Supervisão de Ensino, para garantir unidade e convergência na orientação às escolas, dentre outras.

Em seu quadro de funcionárias(os), há 14 supervisoras(es) que formam a Equipe de Supervisão de Ensino e 16 professoras(es) que compõem a Equipe do Núcleo Pedagógico. A Equipe de Supervisão de Ensino tem o objetivo de mediar políticas educacionais e propostas pedagógicas de cada escola, com vistas à “implementação das ações integradas para a gestão escolar, visando a melhoria dos resultados da aprendizagem” (SÃO PAULO, 2015). Suas atribuições estão discriminadas no artigo 72 do mesmo decreto.

As ações da Equipe do Núcleo Pedagógico são regulamentadas pelo artigo 73 do decreto, o qual dispõe que esses núcleos são unidades de apoio à gestão do currículo da rede estadual de ensino. Estes devem atuar preferencialmente por intermédio de oficinas pedagógicas, em articulação com as Equipes de Supervisão de Ensino.

Em conversa que tive com o supervisor responsável pela Chules em outubro de 2015, ele mostrou-se interessado na forma de elaboração de políticas, programas e projetos em que esteja

28 Esse Conselho foi criado para dar cumprimento à Resolução SE 51, de 13 de agosto de 2013, que institui instância

especial para elaboração e implementação do Plano Estadual de Educação. A nomeação do conselho foi publicada no

Diário Oficial do Estado de São Paulo em 4 de fevereiro de 2014 e apresenta como integrantes pessoas de diversos

órgãos centrais da Secretaria da Educação, representantes de entidades e instituições governamentais e representantes da sociedade civil: quilombolas, funcionárias(os) de ONGs, docentes universitárias(os).

prevista a participação direta das pessoas que vivem quilombos e é “a favor da gestão participativa”, como ele mesmo se define. Ressalvou que esse tipo de gestão tem muito a caminhar e que as instituições escolares e as comunidades ainda estão distantes, mas, necessitam trabalhar de maneira que, pelo menos, aproximem interesses para a definição do que será aprendido na escola. Entretanto, ele não soube mencionar nenhuma ação implementada pela Diretoria para impulsionar ou mesmo apoiar práticas educativas e formas de organização escolar que respeitassem a diferenciação daquelas escolas em relação a outras do estado.

A gestão participativa nas escolas

O supervisor informou sobre outras escolas que atendem à população quilombola, mas que não são escolas quilombolas: Escola Estadual Professora Maria das Dores Viana Pereira e Escola Estadual Boa Esperança, também em Eldorado. Falou das escolas indígenas da região, sob sua supervisão: a escola na aldeia Taquari e outra que fica em Pariquera-Açu. Ele disse que não conhece nenhuma escola naquela região em que as comunidades decidem em conjunto o que é necessário aprender. “A que chega mais perto de algo desse tipo é a Chules” (informação pessoal, abril, 2015). E continuou:

Eu sou a favor da gestão participativa, mas, ela tem muito a caminhar. Não há aproximação das associações quilombolas com as escolas, nem das escolas com as associações. Os quilombolas acham que a escola não faz nada ou faz muito pouco pela cultura deles, e a escola acha que eles interferem demais. (Informação pessoal, outubro, 2015).

Núcleo Pedagógico da Diretoria de Ensino-Região de Registro

Conversei também com uma das professoras coordenadoras de áreas do Núcleo Pedagógico da Diretoria de Ensino-Região de Registro. Essa professora coordena ações pedagógicas na Chules. Em sua concepção, a responsabilidade da escola:

Além daquela formação humana, convívio e respeito com o outro, tem o objetivo do aluno ir crescendo no conhecimento geral da sociedade. Também em conhecimentos específicos: letras, esporte, alfabetização, nessas áreas do conhecimento. Isso faz parte da formação humana que vai prepará-lo para uma formação acadêmica na qual ele pode escolher uma profissão. Uma formação em que ele esteja capacitado a conversar, a estudar, a se formar, uma qualificação melhor para o trabalho. Tudo isso é responsabilidade da escola. É o que a gente tenta. (Informação verbal, maio, 2016).

Ela fez a ressalva de que esse seria um objetivo geral e que a escola tem de atentar para o fato de que, ali, “eles têm uma realidade diferente” (informação pessoal, maio, 2016). Então, há a intenção de “pegar a realidade deles para contextualizar para levar para o objetivo geral” (informação pessoal, maio, 2016). Contudo, sobre a vontade de participação das comunidades quilombolas em relação ao que é decido na escola, disse:

Agora, até deu uma apaziguada, mas, antes, coisa de uns 3 ou 4 anos, eles vinham para cima da gente: “tenho direito, tenho direito, tenho direito”... Os alunos não queriam fazer nada, porque diziam que tinham direito “a um currículo nosso, e esse aqui não é o nosso, então a gente não vai estudar. Porque o Fulano de Tal lá falou que tem que ser um nosso”. (Informação pessoal, maio, 2016).

Perguntei como tinham encaminhado essa demanda. A resposta foi:

A gente começou a trazer gente para palestrar, para discutir. Mas, a gente está em sociedade. “Se vocês vão aprender coisas da África, vocês vão utilizar lá. Mas tem de aprender coisas daqui, vocês vão precisar dessas competências aqui”. E o que é requerido no Brasil, é a base. “Então, a gente traz para vocês ‘um currículo de lá da África’, por que é quilombola, mas, vocês vão utilizar aqui. Vai trazer isso aqui para depois o filho de vocês ir fazer um concurso e não passar? Porque o filho de vocês não vai passar no vestibular, em concurso, não vai ter uma carreira”. (Informação pessoal, maio, 2016).

Induzi que ela pensasse nas histórias daquelas comunidades como sendo outra versão da história do Brasil e perguntei se não seria possível ser aprovado em concursos também aprendendo uma história crítica. Ela concordou que a história “deles” é a história do Brasil. E continuou:

O currículo não é fechado. Ele tem objetivos e competências. Mas a forma que vai desenvolver, mediante as contextualizações, é aberto para o professor colocar. Mas, tem professor que não usa livro didático, material, aí tem de vir na escola, acompanhar, ver se está fazendo... Ele pode usar aquele exemplo que está lá no caderno [apostila do estado] para contextualizar com a realidade daqui. Falar da caverna, como forma estalactite, estalagmite. Isso pode ser trabalhado em qualquer lugar. Lá em Registro, por exemplo, tem muito aluno de colônia japonesa. Muita coisa deles já está em nossa cultura, eu adoro um yakissoba, um sushi, um sashimi. A base deles é um arroz, um peixe. A alimentação deles é semelhante à nossa. A nossa orientação para o professor que está em sala de aula é que se faça a contextualização da comunidade. Para que tenha sentido naquilo que você vai estudar. Por que eu vou estudar a poluição de um rio lá em São Paulo se a gente tem poluição aqui? É diferente, o contexto é diferente. Por que eu vou indagar certas coisas que não têm aqui? Posso até dizer que para lá tem, que é diferente. O que a gente pode melhorar aqui? Isso é a contextualização. Porque, senão, não teria como fazer uma matriz curricular se a gente visse tanta diversidade e fosse fazer um currículo para cada escola. (Informação pessoal, maio, 2016).

A coordenadora entende que a matriz curricular é necessária porque “todo país tem uma organização sobre o que vai se ensinar, o que é essencial em educação” (informação pessoal, maio, 2016). Acrescentou ainda que foi criado um dispositivo eletrônico por meio da internet para que docentes propusessem conteúdos para a matriz curricular. Entretanto, ela observou,

docentes não participaram. “Disseram que a internet daqui é ruim e que muitos professores vêm de fora... Mas você não pode perder a chance de participar. Por que, depois, como vai criticar?” (informação pessoal, maio, 2016).