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Mapa 8 – Policarpo: São Cristóvão Sítio do Sossego (cidade – campo)

2. UMA IMAGEM DA PRODUÇÃO EM GEOGRAFIA

2.4 Apontamentos sobre as tendências teóricas

Com base em Bertrand Levy140 vamos propor um balanço entre a geografia cultural e a geografia humanista. Essa relação é importante para fecharmos o capítulo com algumas colocações que reforçam nossas preocupações em relação à produção em geografia e literatura no Brasil. Antes disso é necessário destacar que apesar de nosso levantamento ter se realizado apenas nos periódicos brasileiros, ao mapear suas referências teóricas, notamos, entretanto, uma ampla conexão com as reflexões produzidas internacionalmente. Dessa forma, em nossa leitura, a avaliação que Bertrand Levy faz da geografia cultural e da geografia humanista também dialoga com as produções brasileiras sobre geografia e literatura já que se valem de referências teóricas em comum. Em linhas gerais, podemos afirmar que Levy141 utiliza autores associados à geografia humanista e à geografia cultural que tiveram importância no desdobramento desses campos no Brasil, tais como Denis Cosgrove – no que diz respeito à geografia cultural anglo-americana – e Yu-Fu Tuan – no que se refere à geografia humanista. O autor não faz distinção entre a abordagem cultural francesa e a geografia cultural anglo-americana, como fizemos em nossa sistematização.

Bertrand Levy142 no início do seu texto afirma que “ L'idée que la litérrature exerce une fonction existentielle n'est pas nouvelle”143. Com base nessa afirmação o autor propõe algumas diferenças e relações entre a geografia cultural e a geografia humanista. Para Levy144 a geografia humanista está mais preocupada com a forma como o homem percebe o mundo que o rodeia a partir dos seus sentidos, sentimentos e ideias. Nesses termos, podemos afirmar que essa perspectiva está mais voltada para a singularidade do indivíduo em relação aos grupos sociais e à sociedade. Além disso, ao tratar da geografia cultural, o autor faz o contraponto, quando afirma que esta tendência está mais voltada para uma compreensão da cultura que estabelece uma relação mais direta com os grupos sociais e as sociedades – a primeira tendência parte do homem para os grupos sociais e a sociedade, a segunda, da

cultura. Nesse sentido, a maneira como o homem se insere, rompe ou faz evoluir uma

determinada cultura passa a ser pertinente para a geografia em ambas as perspectivas, a humanista e a cultural. Em outros termos, a forma como o indivíduo se insere na sociedade 140LEVY, Bertrand. Geographie culturelle, geographie humaniste et literature: position épistémologique et

métodologique. In: Géographie et cultures, 21, printemps,1997, p.27-44. 141Ibidem

142Ibidem, p.27.

143“A ideia de que a literatura exerce uma função existencial não é nova”. 144LEVY, op. cit.

através da cultura que o constitui e é constituída por ele é fundamental no entendimento das geografias culturais e humanistas.

No geral, a reflexão de Levy145 reforça nossa compreensão de que a geografia cultural é mais ampla, tem mais possibilidade de estabelecer diálogos com outras abordagens e campos das ciências sociais. Nesse aspecto, por estar mais centrada na percepção do indivíduo ou do homem em sua singularidade, a geografia humanista acaba adquirindo um caráter mais restrito em relação a uma abordagem que preze uma dimensão social. Essa restrição acaba por fornecer a essa tendência uma capacidade maior de aprofundar questões relacionadas à “existência humana” em suas dimensões psicológicas. Nesse sentido, essa restrição não deve ser entendida como uma limitação, e sim como uma delimitação realizada dentro dessa tendência teórica.

Não parece fruto do acaso o fato de alguns pesquisadores da geografia humanista no Brasil evocarem uma tradição centrada no homem que tenciona o racionalismo e resgata uma perspectiva um tanto quanto “renascentista”. No prefácio à edição brasileira do livro “O

Homem e a terra: natureza da realidade geográfica”, de Eric Dardel, Edurardo Marandola146 afirma: “Por esses e outros motivos a tradução de (…) é um presente para nossas bibliotecas, vindo enriquecer e movimentar um conjunto de discussões que tem carecido de um olhar humanista que coloque o homem como motivação e parâmetro para a ciência147”. As palavras do pesquisador ampliam e situam as reflexões de Bertrand Levy no contexto brasileiro segundo o qual o homem e sua percepção fenomenológica do mundo é o ponto de partida privilegiado pela geografia humanista; a ontologia vem antes da epistemologia. Mais adiante, Levy148 fala das relações entre a geografia humanista e a geografia cultural e cita uma definição de cultura ampla o bastante para pensarmos a relação entre esses campos:

Presque toutes les définitions de la culture recoupent un aspect collectif (A. de L'HArpe, 1994). Le lien entre géographie humaniste e géographie culturelle passerait donc par la liassion individu-groupe-societé transcrite dans l'espace e le temps. La culture peut être définie comme cet 'ensemble de traits distinctifs, spirituels et matériels, intellectuels, affectifs, qui caratérisent une sociéte ou un groupe social' et qui 'englobe, outre les arts et les lettres, les modes de vie, les droits fundamentaux de l'être humain, les systèmes de valeurs et les croiances149.

145LEVY, 1997.

146MARANDOLA JR., 2012, p.XIV. 147Grifo nosso.

148LEVY, op. cit., p.28.

149“Quase todas as definições de cultura se sobrepõe em um aspecto coletivo (A. L'Harpe, 1994). A ligação entre geografia humanista e geografia cultural passaria então pela ligação indivíduo-grupo-sociedade transcrito no espaço e nos tempos. A cultura pode ser definida como um 'jogo de traços distintivos espirituais e materiais, intelectuais e emocionais, que caracterizam uma sociedade ou grupo social 'e que 'engloba não apenas as artes e letras, modos de vida, os direitos fundamentais dos seres humanos, os sistemas de crenças e

A opção de Levy150 em trabalhar uma noção ampla de cultura permite afirmar que tanto a geografia cultural quanto a geografia humanista podem dialogar com temas que abordam a relação entre as dimensões objetivas e subjetivas da cultura em seus respectivos estudos. E, ao focar a dimensão cultural da realidade, podem afirmar uma ligação possível entre a geografia cultural e geografia humanista. Essa ligação, na compreensão de Levy151, versa sobre a relação entre as noções de indivíduo, grupo social e sociedade. A perspectiva relacional assumida por esse autor, estabelece relação com a reflexão do sociólogo Norbert Elias152, quando este afirma que a “sociedade humana consiste em indivíduos distintos e todo indivíduo humano só se humaniza ao aprender a agir, falar e sentir o convívio com outros. A sociedade sem os indivíduos ou o indivíduo sem a sociedade é um absurdo”. Em síntese, diríamos que não há sociedade sem indivíduos e não há indivíduos que não façam parte de uma determinada sociedade. Dessa forma, em acordo com as reflexões de Elias, podemos afirmar que focar no indivíduo e anular a dimensão social ou se fixar no social e ignorar o indivíduo são posições “absurdas”153.

Bertrand Levy154 vai desenvolver a relação entre geografia e literatura e seus posicionamentos, novamente, nos contemplam. Colocar a ciência ao lado do rigor, da objetividade e da capacidade de generalização e a arte do lado da fantasia, da subjetividade e da expressão singular, destaca Levy, é muito confortável. O autor evoca a reflexão quando toca no seguinte ponto: entre os dualismos, confortavelmente assumidos acima – objetividade e subjetividade, fantasia e realidade, generalização e expressão singular –, é necessário colocar a seguinte questão: qual é a diferença entre uma geografia cultural ou humanista e a geografia quantitativa? Ambas parecem estar expostas a todas as possibilidades colocadas acima. Em outros termos, as formas de conhecimento, ao fazerem uso de uma determinada linguagem, seja ela científica ou artística, para produzir e comunicar um determinado conhecimento sobre o mundo, estão suscetíveis à fantasia, à subjetividade e expressão singular, assim como ao rigor, à objetividade e à capacidade de generalização. Essa exposição parece deixar evidente que não só a literatura tem um caráter existencial – as ciências também. Nesses termos vale afirmar que tanto artistas e escritores quanto cientistas não deixam de estar informados – de forma consciente ou inconsciente – por determinadas concepções filosóficas que pontuam um determinado entendimento sobre o mundo. Vale

valores”. 150LEVY, 1997. 151Ibidem

152ELIAS, Norbert. Sociedade dos Indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,1994, p.67. 153Ibidem

ressalvar que não se trata de igualar a arte com a ciência ou a geografia com a literatura, mas de propor um diálogo em que as posições cômodas e consagradas sejam suspensas, mesmo que temporariamente. De acordo com o próprio Bertrand Levy155:

Certes, le paysage, la relation homme-milieu ou homme-environnement n'est pas à coup sur la preocupation constante de la literature; néanmoins, le corpus littéraire possède um contenu géographique assez riche pour que le géographe y trouve matière a enseignement. Si l'on cherche à saisir l'essence du message littéraire, l'on s'apercevra que la littérature, sous des objectifs scientifiquement non déclarés, peut receler autant d'objectivité, de veracité et de rigueur qu'un discours apparemment scientifique scientifique et objectif sous lequel se dissimulent parfois l'arbitraire et la prise de décision intellectuele singulière. L'ón a tendence à croire, dans notre societé, davantage aux vertus de chiffres qu'a celles de la poésie; il peut y avoir autant de veracité ou de fausseté dans l'une ou l'autre forma de language156.

O autor sintetiza a questão em sua última frase ao afirmar: “Tendemos a acreditar, em nossa sociedade, em virtude dos números mais que da poesia; pode haver tanta verdade ou falsidade em uma como na outra forma de linguagem”. Assim, ao celebrarmos o discurso científico e o discurso literário como formas de linguagem, percebemos que ambos possuem uma condição existencial. E a partir disso, é possível promover um diálogo entre a geografia e a literatura em um nível que não aquele postulado pelos dualismos: objetividade e subjetividade, verdade e mentira, singular e universal, entre outros. A partir, sim, de uma postura que encara a possibilidade do diálogo entre arte e ciência, entendendo ambas as formas de conhecimento como sujeitos157.

Outro ponto explorado por Levy158 diz respeito à dimensão política da literatura, em especial nos momentos em que predominam regimes totalitários ou posturas políticas arbitrárias. De acordo com esse autor, “le poète ou l'écrivain n'est pas seulement une source

de renseignements irremplaçable, il est celui qui peut vous initier au monde local, à ses intrigues aussi (quelques espions célèbres parmi les écrivains...)159”. A partir dessa reflexão 155LEVY, 1997, p.30.

156“Certamente, a paisagem ou a relação homem-meio ambiente não é preocupação constante na literatura; no entanto, o corpus literário possui um conteúdo geográfico bem rico para que o geógrafo encontre matéria o suficiente para ensinar. Se alguém procura entender a essência da mensagem literária vamos perceber que a literatura, sob os objetivos cientificamente não declarados, pode abrigar tanta objetividade quanto de veracidade e de rigor quanto que um discurso aparentemente científico e objetivo sob o qual, por vezes, se dissimulam o árbitro e a tomada de decisão singular e intelectual. Nós tendemos a acreditar, em nossa sociedade, em virtude dos números mais que da poesia; pode haver tanta verdade ou falsidade em uma como na outra forma de linguagem”. Ver: Ibidem.

157BROSSEAU, Marc. O Romance: outro sujeito para a geografia In: LOBATO, Roberto e ROSENDAHL, Zeny (org.). Literatura, música e espaço. 2007, p.79-121.

158LEVY, op. cit., p.32.

159 “o poeta ou o escritor não é apenas uma fonte de informação valiosa, é aquele que pode apresentá-lo ao mundo local, seus sistemas de valores, crenças, tradições, a sua intriga também (há alguns espiões famosos entre os escritores...)”.

podemos aproximar mais ainda o escritor e o poeta – que assumem uma determinada causa – do cientista social. Tanto um quanto o outro, enquanto intelectuais, podem pensar a sociedade a partir de um determinado campo de valores estéticos e filosóficos. Ambos utilizam o exercício da formalização da palavra escrita em prol da contestação de uma determinada visão de mundo e da possibilidade do surgimento de outros modos de ver a existência. Dessa forma, o autor não cai na armadilha de avaliar a literatura apenas como um instrumento revolucionário ou a partir de qualquer outra perspectiva de caráter mais canônico e essencialista segundo a qual haveria uma literatura revolucionária e outra reacionária160. Bertrand Levy161 não adentra esses méritos porque a intencionalidade do autor (escritor) é relativa em relação à liberdade do leitor. Nesse sentido, o caráter político de um determinado autor e a capacidade de influência que pode exercer em um certo público está associada à sensibilidade do poeta e do escritor em trazer para a literatura em prosa, para a poesia, para a letra de uma canção, para uma peça teatral ou para o roteiro de um filme as questões relativas a sua historicidade e à realidade local.

Após essa aproximação é necessário ressaltar que para Levy162: “la littérature ne remplace pas le travail scientifique, le meilleur roman urban ne doit pas nous empêcher d'aller recullier des données sur le terrain si jamais celles-ci nous sont utiles; la représentation ne remplance pas l'expérience du réel163”. Mais adiante o autor aborda o fato

de que que muitas obras literárias demandam uma grande pesquisa por parte de seus autores dos aspectos sociais e psicológicos que circundam a nossa realidade social e psíquica; em outras palavras, os escritores também pesquisam para escreverem suas obras de ficção.

Sobre as questões de ordem epistemológica em geografia e literatura, Bertrand Levy164 nos diz que:

Une autre question que le géographe de le littérature s'est posée est celle-ci: la littérrature doit-elle seconder la géographie existante ou reformuler son langage en profondeur, son epistéme165? La littérature doit-elle fournir à la

géographie un supplément d'âme, faut-il ornementer les rapports scientifiques ou devons-nous plus radicalement comoposer un autre discours géographique, quitte à laisser sur la patère le couvre-chef du 'scientifiquement correct'? C'est bien sûr la seconde proposition qui nous interésse, car elle fait reculler des divisions épistémologiques166.

160 Sobre os riscos de tentar produzir uma literatura de caráter revolucionário, como na antiga URSS ainda sob o regime stalinista. Ver: EAGLETON, Terry. Marxismo e crítica literária. São Paulo: Editora Unesp, 2011. 161 LEVY, 1997.

162 Ibidem, p.34-35.

163 “a literatura não substitui o trabalho científico, o romance urbano não deve nos impedir de recolher dados do terreno, se alguma vez eles são úteis; representação não substitui a experiência do real”.

164 LEVY, op. cit., p.35. 165 Grifo do autor.

Para o autor, a literatura não representa um mero suplemento ou um ornamento para as reflexões científicas; Levy não se limita a simplificar. No entanto, reconhece que para que esse movimento seja realizado é necessário desvestir-se um pouco do que é considerado “cientificamente correto”. Tal movimento representa um avanço em relação às práticas científicas que consagraram as ciências sociais desde sua fundação institucional, no final do século XIX, sob a égide dos positivismos, determinismos e funcionalismos. De forma ampla, quando entendermos de fato que as ciências sociais refletem sobre questões de caráter extremamente subjetivo, que não podem ser demonstradas nem reproduzidas em laboratórios através de experiências, vamos assumir, com mais liberdade, sua relação com as artes.

Parece que muitos fazem a crítica às teorias que informaram os fundadores da geografia – positivismos, determinismos e funcionalismos –, mas não estão dispostos a acrescentar a essa crítica a necessidade de um diálogo mais aberto com as fontes artísticas (literatura). Entendemos que esse movimento pode propor uma reflexão sobre a natureza do nosso campo de pesquisa e ampliar a noção do que seja a geografia.

Refletir sobre a natureza da geografia significa repensar e ampliar a capacidade de leitura que a geografia tem do mundo, ampliar a geograficidade167. Significa repensar nossos conceitos, nossas teorias, nossas ferramentas mentais – os fundamentos epistemológicos do nosso campo científico. Concordamos com Levy168 quando pontua que a relação entre geografia e literatura pode ajudar a ciência geográfica a repensar a sua linguagem, a forma como tem produzido conhecimento e comunicado essa produção. Nesse sentido, Ruy Moreira169 estabelece um diálogo com Levy170, ao fazer uma avaliação da geografia contemporânea argumenta que esta vive uma “crise de sintaxe”. Em nosso entendimento, dizer que a geografia vive uma “crise de sintaxe” significa afirmar que esse campo de pesquisa vive também uma crise de semântica. A “crise de sintaxe” e semântica171 traduz uma reformular sua linguagem em profundidade, a sua episteme? Será que a literatura deve fornecer à geografia um suplemento de alma, deve ornamentar relatórios científicos ou devemos mais radicalmente compor um outro discurso geográfico, deixando sobre o cabide o chapéu do 'cientificamente correto'. É a segunda proposta que me interessa, ela faz recuar as divisões epistemológicas”.

167 DARDEL, 2011. 168 LEVY, 1997.

169 MOREIRA, Ruy. Correndo atrás do prejuízo: o problema do paradigma geográfico da geografia In: Revista

da ANPEGE, v. 7, n.1, número especial, p. 49-58, out. 2011, p.50.

170 LEVY, op. cit.

171Para LYONS: “A semântica é o estudo do significado. Mas o que é o significado? Os filósofos vêm debatendo a questão, com referência especial à linguagem, já há bem mais de dois mil anos. Ninguém conseguiu ainda apresentar uma resposta satisfatória. Uma das possíveis razões para isso é que, da forma como está elaborada, a pergunta é irrespondível. Apresenta duas pressuposições que são, no mínimo problemáticas: (a) de que aquilo a que nos referimos com a palavra 'significado' tem algum tipo de existência ou realidade; (b) que tudo aquilo a que nos referimos usando este termo apresenta uma natureza semelhante, se não idêntica. Podemos chamar a uma de (a) pressuposição de existência e a outra (b) pressuposição de homogeneidade”. LYONS, John. Linguagem e linguística: uma introdução. Rio de Janeiro: Zahar Editor,

crítica severa à forma como temos construído sentido para a ciência geográfica. Para Moreira172, uma saída possível se dá através do diálogo com os clássicos da geografia – Paul Vidal de La Blache, Max Sorre, Jean Brunhes, Elisée Reclus, Pierre George, entre outros. Além disso, defendemos a ampliação e o aprofundamento do diálogo com a arte literária.

Mais adiante, Bertrand Levy173 retoma a questão epistemológica e acrescenta a questão metodológica:

Toutefois, un problema de ordem épistémologique et métodologique se pose, à la lecture d'un ouvrage littéraire, c'est cellui de la logique interprétative du texte. On peut étayer sans grand risque un phénomène geographique par une citation d'auter sur un point précis, mais dés que nous nous plongeons dans un livre en entier, nous risquons de nous perdre dans l'univers intérieur de l'écrivain – car une fonctions de la littérature, c'est de perdre le lecteur – plutôt que de diriger l'attention vers des questions scientifiques. En somme, l'usage utilitaire de la littérature – qui est aussi faite pour distraire – est discutable. Il y a un hiatus entre la problematique du romancier qui représente le monde dans son foisonnemment (C. Rafesttin, 1983), comme un tout conçu à son image et la problématique d'une science qui découpe la réalité em quartiers pour y appliquer des modéles d'analyse174.

Quando Levy175 fala das diferenças entre as “lógicas interpretativas” do texto literário e da ciência, enuncia uma questão que nos interessa. A preocupação que esteve, desde o início, presente neste trabalho pode ser resumida em alguns questionamentos: até que ponto posso interpretar o texto literário? Até onde vai a minha liberdade interpretativa? Existe interpretação errada? (Pensamos que condenar uma determinada interpretação de um texto literário como errada é um risco). Que instrumento utilizaríamos para dizer que uma determinada manifestação artística pode ou não fornecer determinado entendimento e provocar determinada ação no mundo? Fica a impressão, de que ao falar em termos de certo ou errado, estamos novamente caindo na teia dos cientificismos. No que diz respeito a essa última questão, Umberto Eco fornece um interessante exemplo:

1982, p.133

172 MOREIRA, 2008, p.7-48. 173 LEVY, 1997, p.36.

174 “No entanto, um problema de ordem epistemológica e metodológica surge lendo uma obra literária, é o da lógica interpretativa do texto. Podemos apoiar sem grande risco um fenômeno geográfico por uma citação do autor sobre um ponto específico, mas assim que mergulhamos em um livro inteiro, corremos o risco de nos perdermos no mundo interior do escritor – porque uma das funções da literatura, é perder o leitor – ao invés de direcionar o leitor para questões científicas. Em suma, o uso utilitário da literatura – que também é feita para entreter – é questionável. Há uma lacuna entre o problema do romancista que representa o mundo em sua abundância (C. Raffestin, 1983), como um todo concebido à sua imagem e a emissão de uma ciência que