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Mapa 8 – Policarpo: São Cristóvão Sítio do Sossego (cidade – campo)

3. GEOGRAFIA, HISTÓRIA E LITERATURA

3.3. Literatura e geografia no Império

3.3.1. O Romantismo e o território

Quando se observa a primeira geração do Romantismo, liderada por Gonçalves de Magalhães, está claro que a necessidade de romper com os referenciais clássicos não foi bem sucedida. Essa tentativa de ruptura não obteve sucesso tendo em vista a natureza da Independência que, como dissemos, foi uma independência dependente. Nas palavras de Bernardo Ricupero214 “a rejeição do passado colonial português é menor no país. Também contribui para isso a forma que assume a independência: caso singular na América Ibérica, de emancipação política relativamente sem ruptura violenta”. O autor destaca que nos anos iniciais após a independência, era possível perceber uma “antipatia generalizada pelo português”. No entanto, prossegue, “a estabilidade que se logra encontrar com a forma da maioridade (1840) concorre para o estabelecimento de uma identidade brasileira que não pode

ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

213Nesse sentido, voltando a pensar as especificidades do Império. Ilmar Rholoff nos fornece mais detalhes sobre as relações entre Estado, Nação e território no Brasil Império: “A associação entre Império do Brasil e Nação brasileira atribuía um significado novo à noção de Império, sublinhando uma singularidade. Esta consistia tanto no lugar reivindicado para o Império pelos dirigentes imperiais no conjunto das nações civilizadas, o qual se desdobrava numa determinada concepção de ordem, quanto na impossibilidade de um domínio ilimitado. O que acabava por reservar um valor especial ao território unificado e contíguo, elemento fundamental na definição de brasileiro que não mais deveria se restringir a uma dimensão política”. In: MATTOS, 2005, p.26.

rejeitar a obra realizada pela antiga metrópole, até porque é um Bragança o ocupante do trono brasileiro, a exemplo do português”. A reflexão de Bernardo Ricupero aponta de forma interessante a relação entre o contexto político e a produção literária/cultural da época. Assim, conclui: “a exemplo do que ocorre na sociedade, na economia e na política, não há nas letras choque tão grande entre o novo e o antigo, mas um arranjo, que faz dos românticos herdeiros diretos dos neoclássicos215”. A herança destacada por Ricupero, está diretamente associada à primeira geração do Romantismo no Brasil.216

Por meio de diferentes intensidades e matizes, explicadas pela natureza dos seus trabalhos, Ilmar Rholoff217, Bernardo Ricupero218 e Robert de Moraes219 realçam a ideia de “herdeiros” ao tratar da elite política e intelectual que conduziu o processo de independência do Brasil. Ilmar Rholoff e Robert de Moraes ressaltam o território como um elemento importante na gênese política que conduziu nosso processo de independência – a base territorial seria a marca e a matriz para pensar uma ideia de Brasil. No que diz respeito a Bernardo Ricupero, seu objetivo consiste em destacar como o Romantismo criou uma ideia de nação brasileira, e para isso usou a literatura como tentativa de ruptura. Apesar das especificidades, os autores se encontram em algum momento de sua reflexão. Rhollof deixa o caminho aberto para o trabalho de Bernardo Ricupero e para Robert de Moraes, quando destaca os elementos que foram mobilizados nas primeiras tentativas imperiais de definir o Brasil como nação. Ilmar Rhollof220 indica a relação entre literatura, histórias nacionais e as 215Esse ponto da reflexão de Ricupero ao utilizar a ideía de “arranjo” para situar a visão dos “românticos como herdeiros diretos dos neoclássicos”, estabelece uma relação com a chave desenvolvida por MATTOS “herdeiros e construtores” e desses com MORAES ao pontuar a constituição de um Estado patrimonialista que “embaralha” interesses “públicos e privados”. Ver: RICUPERO, 2004, p.XXXV; MORAES, 2008, p.82; MATTOS, 2005.

216Bernardo Ricupero apresenta outra contradição associada ao nosso processo de independência no plano político e cultural: “Curiosamente, porém, tanto a crítica literária como a historiografia romântica brasileira são fundadas por estrangeiros: o francês Ferdinand Denis, os ingleses Robert Southey e Jhon Armitage, e o bávaro Karl Friedrich Phillip Von Martius. Ou seja, ironicamente, o movimento literário que mais insiste na autonomia de nossa vida intelectual não é iniciado por brasileiros. Martius parece mesmo ter consciência do desconforto que a situação pode provocar. Tanto que, na apresentação de seu Como se deve escrever a

história do Brasil, diz reconhecer que 'muito longe estou eu de me julgar do número de ilustres literatos

brasileiros habilitados para preencher as vistas do Instituto’”. Mais adiante em sua reflexão, Ricupero traz informações importantes sobre Ferdinand Denis no que diz respeito a agenda seguida pelo movimento intelectual do romantismo: “Denis já em 1826, quatro anos depois da independência, propõe com seu

Resumé de l'histoire litteraire du Portugal, suivi du resumé de l'histoire litteraire du Brésil, o problema que

nos anos seguintes preocupará quase todos os intelectuais brasileiros: a necessidade de realizar a independência literária” (p.87). E ainda sobre a ideia de miscigenação: “Dentro desse espírito romântico, que, como indicou Madame de Stael, procura apreender a especificidade de cada povo, Denis considera que o que é mais particular ao Brasil é o fato de ser o país o resultado da combinação de diferentes raças: 'o gênio peculiar de tantas raças diversas dele se patenteia: sucessivamente arrebatado, como o africano; cavalheiro, como o guerreiro das margens do Tejo; sonhador como o americano”. In: RICUPERO, 2004, p.86.

217MATTOS, op. cit. 218RICUPERO, op. cit. 219MORAES, op. cit. 220MATTOS, op. cit.

necessidades de manter e expandir o território:

A associação entre Império do Brasil e Nação brasileira era propiciada pela construção do Estado Imperial. E esta construção, por sua vez, impunha a própria constituição de Nação. À dominação das demais “nações” somava-se a direção pelo Governo do Estado daqueles brasileiros em constituição, o que implicava um padrão diverso de relacionamento entre aquele governo e o da Casa, “quebrando” as identidades geradas pela colonização, por meio da difusão dos valores, signos e símbolos imperiais, da elaboração de uma língua, uma literatura e uma história nacionais, entre outros elementos. Impossibilitado de expandir suas fronteiras, o Estado Imperial era obrigado a empreender uma expansão diferente: uma expansão para dentro221. E aí

reside o traço mais significativo da construção de uma unidade.

Conforme destacamos, a discussão e o retorno que empreendemos ao Brasil Império foi importante para destacarmos o seguinte ponto: o território é um elemento fundamental para pensarmos as formulações em torno do debate sobre o Brasil como nação, tanto no que diz respeito a sua dimensão subjetiva (imaginários) quanto a seus aspectos objetivos (fronteiras)222. Juntamente à necessidade de manutenção e ampliação do território reside a relevância de se construir um discurso que venha consagrar uma ideia do que é ser brasileiro: o conteúdo é o povo, mas o continente é o território e seus diversos limites e fronteiras externas e internas.

Sem o objetivo de produzir uma dicotomia entre o continente e o conteúdo, vale dizer que tanto a definição de conteúdo quanto a de continente foram fundamentais para os governantes na tentativa de inserir o Brasil no “mundo civilizado”. Nesse sentido, Ilmar Rholoff223 e Robert de Moraes224 destacam dois elementos que foram intensamente utilizados nas reflexões sobre esse conteúdo e na delimitação desse continente: a literatura romântica (brasileira) e a construção de uma história e de uma geografia nacional225. Célia N. Galvão 221Grifo nosso.

222A partir de Ivan Tiago M. Oliveira percebemos que não é fruto do acaso a assinatura do Tratado de Madri (1750), que permitiu um avanço em relação ao Tratado de Tordesilhas que limitavam por demais as possibilidades de expansão do que viria a se tornar o território brasileiro. Através desse tratado a monarquia pode formalizar e expandir as incursões de colonização e o levantamento de informações sobre os “sertões” do Brasil, o que demonstra desde já a preocupação do governo com a questão territorial. Esse documento consagra o princípio de ocupação chamado de utti possidets de facto, ou seja, tem direito à terra quem a ocupa de fato. Oliveira ainda acrescenta: “Dado o caráter conservador, tanto no plano político quanto no territorial, da Independência brasileira, a obra imperial de limites combinou força do argumento com o argumento da força, mas obedeceu a concepção geral das 'fronteiras naturais' contida no 'mito da Ilha-Brasil, e manipulou habilmente a noção do utti possidets. Nesse sentido, o Tratado de Madri, o qual fora negociado pelo diplomata brasileiro em defesa da coroa portuguesa, Alexandre de Gusmão (considerado um dos patronos da diplomacia brasileira hoje), tornou-se marco de fundação do território brasileiro”. OLIVEIRA, 2008, p.3.

223MATTOS, 2005. 224MORAES, 2008.

225Em termos gerais, Alfredo Bosi destaca a relação do Romantismo com a constituição das nações: “(...) Nostalgia do que se crê para sempre perdido. Desejo do que se sabe irrealizável: a liberdade absoluta na

Quirino, em introdução ao livro de Bernardo Ricupero226, ressalta a base do nosso Romantismo: “Não é sem propósito que os românticos brasileiros buscassem, sobretudo, nos românticos franceses e na própria França a inspiração para suas ideias nacionais. Aqui como lá havia rei. Lá tinha havido um império, aqui este estava presente”. Ainda acrescenta, ao falar sobre os ideais: “Lá os ideais políticos falavam de liberdade, aqui a independência significava libertação, liberdade para criar e inventar tanto a construção do Estado, como na imagem de nação. Como declara Ferdinand Denis, citado por Ricupero: 'A América deve ser livre em sua poesia como no seu governo.'” O Estado brasileiro, munido de seu regime político, de suas leis e regulamentações, não sobrevive sem uma “alma”, sem uma subjetividade que lhe confira uma particularidade enquanto Estado.

Pensamos que essa “expansão para dentro” não diz respeito somente à expansão e consolidação física do território; também deve ser considerada a partir do campo das ideias, das subjetividades, do imaginário mobilizado em prol desses objetivos. Nesse sentido, o índio é um elemento importante na primeira tentativa de produzir um amálgama entre os interesses da aristocracia lusitano-brasileira e de dizer o que é o Brasil, principalmente, no que diz respeito à literatura. É sobre esses pontos que nos deteremos.

sociedade advinda com a revolução de 89. Na ânsia de reconquistar 'as mortas estações' e de reger os tempos futuros, o Romantismo dinamizou grandes mitos: a nação e o herói. A nação afigura-se ao patriota do século XIX como uma ideia força que a tudo vivifica. Floresce a História, ressurreição do passado e retorno às origens (Michelet, Gioberti). Acendra-se o culto à língua nativa e ao folclore (Schlegel, Garret, Manzoni), novas bandeiras para os povos que aspiram à autonomia, como a Grécia, a Itália, a Bélgica, a Polônia, a Hungria, a Irlanda. Para algumas nações nórdicas e eslavas e, naturalmente, para todas as nações da América que ignoram o Renascimento, será este o momento da grande formação cultural”. Mais adiante, Bosi destaca o Brasil e a figura de Gonçalves de Magalhães (1811-1882): “A relevância histórica reside no fato de Magalhães não ter operado sozinho como imitador de Lamartine e Manzoni, mas de ter produzido junto a um grupo, visando uma reforma na literatura brasileira”. Ainda situa a mudança geracional no Romantismo brasileiro: “Foi-lhe fatal o atraso, que o privou desta vez do 'mérito cronológico' que vinha marcando sua presença no Romantismo brasileiro. A essa altura, o indianismo já caminha além das instituições dos árcades e dos pré-românticos e se estruturava como uma para-ideologia dentro do nacionalismo. E a linguagem atingiria em Gonçalves Dias um nível estético que um leitor sensível como Alencar já podia exigir de um poema que se dava por modelo da épica nacional”. Ver: BOSI, Alfredo. História concisa da literatura. São Paulo: Cultrix, 1997, p.103-104.