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2.2 PECULIARIDADES ACERCA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO

2.2.1 Aporte histórico

As doenças e as dores nasceram junto com o homem. Por isso, desde o despertar da racionalidade, tratou-se de dispor dos meios necessários para combater ambos os males.

Essas primeiras atividades, não se dispunham ao estudo das patologias, mas essencialmente à sua cura, e o método empirista era o que predominava.

No entanto, se a cura não acontecia, a culpa recaia sempre sobre o curandeiro, acompanhado da acusação de imperícia ou de incapacidade, dando as primeiras sanções para os casos de culpa relativa ao insucesso dos médicos.

Nesse mesmo parâmetro KFOURI NETO [2003, p. 46] complementa.

Em sua fase mais antiga, o médico não era considerado um especialista em determinada matéria, mas sim um mago ou sacerdote, dotados de poderes curativos sobrenaturais. Tal crença derivava da absoluta ignorância da etiologia de todas as doenças e da total inconsciência do modo pelo qual o organismo humano reagira àqueles processos de cura. E quanto mais a medicina se transformava em ciência, tanto maior foi se formando o rigor científico na avaliação dos erros profissionais, não apenas vinculando-os, como na fase antecedente, ao singelo fato objetivo do insucesso.

Tem se com o Código de Hamurabi (1790 – 1770 a.C.) o primeiro documento que trata do problema do erro médico, com interessantes normas a respeito da profissão médica em geral, conforme leciona KFOUIRI NETO [2003, p. 46].

Enriquecendo esta pesquisa, ensina SOUZA [1994 p. 27], que ilustra as disposições do Código de Hamurabi:

O Código de Hamurabi consagrou nove artigos à medicina, suas responsabilidades e obrigações, as penas previstas para os médicos que tivessem insucesso na cirurgia, que cometessem lesões corporais ou matassem um homem, escravo ou livre, as chamadas penas de Talião, como cortar fora à mão do médico que deixasse um paciente, por exemplo, morrer na mesa de

cirurgia, impedindo com isso que ele cometesse outras cirurgias desastrosas. O Código rezava, ainda, que nas operações difíceis de serem realizadas, haveria uma compensação pelo trabalho, bem como exigia muita atenção e perícia por parte dos médicos, pois caso algo saísse errado, penas severas eram impostas a eles. Comparando-se aos dias atuais, verifica-se que não existia o conceito de culpa subjetiva, mas somente objetiva. O medico que causasse a morte ou lesão do paciente, por imperícia ou até má sorte, poderia ser penalizado com a amputação das mãos, conforme dispõe o seu artigo 218: “Se um médico trata alguém de uma grave ferida com a lanceta de bronze e o mata, ou lhe abre uma incisão com a lanceta de bronze e o olho fica perdido, deve- se-lhe-á cortar as mãos”.

Conforme se destaca, impunha-se ao cirurgião a máxima atenção e perícia no exercício da profissão; em caso contrário desencadeavam-se severas penas que iam até a amputação da mão do médico imperito, quando ocorria a morte ou lesão ao paciente, por imperícia ou má prática.

Nesta época inexistia o conceito de culpa e a responsabilidade objetiva predominava, conforme podemos extrair do entendimento de KFOURI NETO [2003, p. 46].

Evidencia-se, assim que inexistia o conceito de culpa, num sentido jurídico moderno, enquanto vigorava a responsabilidade objetiva coincidente com a noção atual: se o paciente morreu em seguida a intervenção cirúrgica, o médico o matou – e deve ser punido. Em suma, naquela época, o cirurgião não podia dizer, com uma certa satisfação profissional, como o faz hoje: a operação foi muito bem sucedida, mas o paciente esta morto.

Contudo, a responsabilidade objetiva não satisfazia os questionamentos que suscitavam, no caso de insucesso de um procedimento médico, necessitando que houvesse uma evolução nesse sentido.

Dessa feita, no próximo item verificar-se-á o salto que a Responsabilidade Civil do Médico deu na civilização Egípcia, onde a culpabilidade estava voltada no rigoroso cumprimento de regras de procedimentos médicos. 2.2.2 No Egito

No Egito, o Médico tinha uma posição de destaque e se confundiam muitas vezes, com sacerdotes. Este profissional devia seguir regras contidas em um livro, denominado “Livro Sagrado”, e se essas regras não fossem cumpridas, o Médico era severamente punido, porém, se obedecessem à risca os dispositivos contidos neste livro, eram absolvidos de quaisquer julgamentos. A saúde era considerada como um fato de interesse da coletividade, havia disposições para diversos segmentos desta sociedade.

Corroborando com estas palavras delineadas KFOURI NETO [2003, p. 46/47].

No Egito, os médicos ostentavam uma elevada posição social e se confundiam, muitas vezes, com sacerdotes. (...) Desde que respeitassem as regras, mesmo que o paciente viesse a morrer, não eram punidos. (...) Os egípcios possuíam um livro contendo todas as regras de obediência obrigatória pelos médicos. (...) Seguindo-se à risca, livravam-se de toda e qualquer interpelação judicial. Caso contrário, eram punidos com a morte, qualquer que fosse o desfecho da doença. (...) No antigo Egito, o problema da saúde era considerado não um fato privado do cidadão, mas objeto de interesse público e social, ainda que de forma limitada. Vigoravam normas de higiene das habitações, de puericultura, da venda de carne para consumo, disposição sobre sepultamento dos cadáveres, dentre outras.

Nessa esteira, verifica-se que o Médico só era responsabilizado, se desobedecesse tais regras contidas neste “Livro Sagrado”, e caso não fosse observado seus preceitos, ocorrendo a morte do doente, seguia- se a pena capital com a acusação de ter aplicado práticas enganosas e temerárias experiências curativas.

As leis egípcias deram um legado que outras civilizações adotaram, conforme registra SOUZA [2003, 23];

(...) na Grécia, no século V a.C, eram usadas regras (Corpus Hippocraticum) para a atividade médica, com base nas leis egípcias, e no Império Romano, a Lex Auilia (aproximadamente no século terceiro antes de Cristo) previa sanções para o médico que fosse mal sucedido nos tratamentos que realizava.

Dessa feita, passa-se ao próximo subtítulo onde serão analisadas a contribuição dada pela civilização Grega no que se refere a Responsabilidade do Médico.

2.2.3 Na Grécia Antiga

No entanto, é na Grécia antiga, no século V, que se tem pelos doutrinadores, como o primeiro campo de estudo da medicina.

De acordo com esse entendimento, KFOURI NETO [2003, p. 49] explicando o método que os gregos utilizavam na área da medicina, além de como eram avaliados aqueles que não tinham êxito na cura de seus pacientes, e os fundamentos, para a culpabilidade de um médico, senão vejamos.

(...) Mas vamos encontrar o primeiro estudo no campo da medicina somente na Grécia antiga, no século V a.C. Trata-se do Corpus Hippocraticum, de construção filosófica aristotélica, que contém noções de uma medicina não apenas empírica, mas permeada de elementos racionais e científicos, sem, no entanto descurar dos elementos deontológicos da arte de curar, tão bem sintetizados no famoso juramento, até hoje de inegável atualidade. (...) Vai-se lentamente firmando o princípio de que a culpa do médico não se presume somente pelo fato de não ter obtido êxito no tratamento, mas deve ser analisada individualizada com base na conduta seguida pelo profissional. Assim, para os platônicos e aristotélicos, a responsabilidade do médico deveria ser avaliada por um perito na matéria e por um colegiado de médicos – o que em essência, corresponderia ao perito judicial dos tempos modernos. (...) Ainda na Grécia, com fundamento nas regras adotadas no Egito, chegou-se a admitir a culpa médica quando preenchidas duas condições: a) morte do paciente; b) desobediência às prescrições geralmente reconhecidas como fundamento indiscutível da atividade sanitária.

2.2.4 Em Roma

Em Roma, por intermédio da Lei das XII Tábuas, como já delineado no capítulo anterior, a Responsabilidade lato sensu ganhou princípios, que deu à Medicina mais prestígio e consideravam o Contrato entre Médico e paciente consensual, como se fosse um arrendamento de serviço.

Com o Direito Canônico, houve um grande avanço na caracterização da Responsabilidade Civil, pois exigia provas contra acusados além dos fatos terem que ser examinado sob óptica das investigações médicos- legais.

2.2.5 Na idade moderna

Chegando na Idade Moderna conclui-se que a evolução das normas sobre a Responsabilidade Civil do Médico caminhou a lentos passos e de uma forma desorganizada, tornando-se difícil de impor aos responsáveis por um dano, decorrente de uma conduta médica, uma penalidade.

Conforme registra COUTINHO [1997, p. 36] analisando jurisprudências dos séculos XV e XVI.

Em 1596, o Parlamento de Bordeaux condenou um médico a pagar uma indenização ao seu cliente no valor de 150 francos. Já em 1696, o Parlamento de Paris retirou dos médicos cirurgiões a responsabilidade por faltas advindas do exercício profissional, enquanto o Parlamento de Bordeaux fixou o pagamento de indenização nos casos de irresponsabilidade do cirurgião.

No entanto, um século depois o Parlamento de Paris manifestou-se contrariamente ao parecer de 1696, determinando a interdição do exercício da profissão para Médicos incriminados por Erro Médico, conforme ensina GIOSTRI [1999 p. 30].

Em 1829, Na Academia de Medicina de Paris, foi afirmado que a responsabilidade dos médicos seria unicamente moral, e tal inovação foi seguida pela doutrina e jurisprudência francesa. Justificaram-se, por ter na medicina uma pluralidade de critérios, com diagnóstico, prognóstico, tratamentos, intervenção cirúrgica. Então, o médico só seria responsabilizado pelas faltas que pudessem ser equiparadas àquelas cometidas por um homem comum, seria somente a culpa material e não a culpa médica. Também, a responsabilidade só ocorreria se a culpa fosse considerada grave e o ônus da prova caberia ao paciente. O laudo

médico feito por um perito era considerado decisivo para solucionar o caso. (...). O procurador-Geral, na Corte Civil do Tribunal de Cassação de Paris, teve real importância na questão histórica da responsabilidade civil dos médicos, pois em 1832 determinou, que assim como atos de cidadãos comuns, as atividades médicas deveriam ser julgadas em tribunais. Deixou de lado a intocabilidade do médico, e descobriu uma forma de garantia contra a negligência, imprudência e imperícia dos médicos, pois, por se tratar de um profissional de saúde, deve ter método e conhecimento para tanto.

Pelo exposto, destaca-se que a Responsabilidade do Médico na seara dos tempos foi se moldando e aperfeiçoando lentamente, passando do extremismo para um estado omisso. A aplicação de penalidades, antes por qualquer caso banal, foi encontrando critérios mais rigorosos, onde chegou um dado momento em que a penalização de um Médico era coisa rara.

Cumpre salientar que nos dias de hoje, o ordenamento jurídico pátrio, para a responsabilização do Médico será necessário estar provado que este profissional agiu com imprudência, imperícia ou negligência. Sistema este, adotado dos precursores ingleses e americanos.

Contextualizando este entendimento SOUZA [2003, p. 45].

A responsabilidade civil do médico é regida pelas regras que, em nosso ordenamento jurídico regem a responsabilidade civil em geral. Portanto, está sujeita ao regramento da responsabilidade civil pela teoria da responsabilidade subjetiva (teoria da culpa).

Ante ao exposto, passa-se agora ao subtítulo seguinte, no qual serão enfocados alguns elementos informadores atinentes à caracterização desta Responsabilidade que, como será visto, é de Obrigação de Meio regra geral e de Resultado, para outros segmentos da Medicina, como a cirurgia plástica estética de caráter estético.

2.3 Código do Consumidor e o Novo Código Civil sob o enfoque da

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