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Natureza contratual da relação médico-paciente

Preliminarmente, há que se mencionar a criação do artigo 951 do Código Civil de 2002, que inseriu o Erro Médico entre os atos que ensejam indenização. Para tanto foi levada em consideração a ilicitude propriamente dita e não a inobservância ou descumprimento de alguma obrigação, senão vejamos.

Art. 951. O disposto nos artigos 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício da atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.

A relação de médico e paciente tem, de acordo com a doutrina e a jurisprudência dominantes, características negociais, com aspectos contratuais bem definidos existentes na relação jurídica que se estabelece, quando da execução de um serviço médico.

Este entendimento tem como base a Culpa Contratual, fundada no artigo 389 do Código Civil, que trata do inadimplemento das obrigações.

Nesse sentido ALMEIDA [1995, p.16].

Entre o médico e o paciente estabelece-se um contrato. Do conteúdo desse contrato, depende da responsabilidade de um frente ao outro; apresenta-se, portanto como uma responsabilidade contratual.

Vale ressaltar, que este contrato pode estabelecer-se de forma escrita ou verbal. Porquanto, nem sempre é possível de se exigir um contrato escrito entre Médico e paciente, devido ao fato de muitas vezes o paciente necessitar de urgência em seu atendimento, até porque, pode ocorrer ilícito penal do Médico pela omissão de socorro, sob o pretexto de elaborar um Contrato escrito de prestações de serviços. Por isso, na maioria das vezes, o Contrato médico é tácito ou verbal. Partindo daí deve-se abordar as diferentes espécies de Contrato com suas peculiaridades.

Desta feita, apresentará a análise do contrato sui generis, que tem como característica o fato de ser atípico e inominado, não está previsto em lei, mas é permitido se seu objeto for lícito, para que produza efeito jurídico e que a iniciativa da tutela privada seja tutelada. É o contrato típico dos Médicos.

Nesse sentido é o entendimento de GIOSTRI [1999, p.33].

(...) doutrinadores como Alcântara e Dias entendem que por possuírem regulamentação jurídica própria e suas normas não se encontrem disciplinadas expressamente em lei, os contratos sui generis não se encaixem na classificação jurídica dos contratos nominados. Devido ao grande aumento do número de relações humanas tem sido permitido, se lícito o seu objeto, para que então possa produzir efeito no mundo jurídico, tutelando-se, dessa maneira, a iniciativa da autonomia privada.

Da mesma forma salienta LUMERTZ [1997, p. 38].

O contrato entre médico-paciente pode ser elaborado de maneira livre, bastando a comprovação de que houve a vontade das partes. Seu objeto é meramente a atividade médica com zelo de todos os meios disponíveis e necessários. O médico se obriga a usar todos os meios habitualmente disponíveis ao seu alcance para restabelecer o paciente (obrigação de meio) e atingir o objetivo certo e proposto (obrigações de resultado).

No entanto, a doutrina tem dificuldade em classificar este tipo de contrato sui generis e o classifica como locação de serviços, conforme o entendimento de VENOSA [2004, p. 95-96].

O médico tem por obrigação manter informado o paciente, ou sua família sobre seu estado de saúde, sobre cada etapa da evolução do quadro clínico, como também requerer autorizações para as medidas de risco que sejam, necessárias em caso de urgência. Assim como o profissional tem suas obrigações, terá o direito de receber a remuneração condizente com o trabalho realizado. (...) Resulta que nas hipóteses nas quais a existência do contrato entre médico e paciente não fica muito clara, como quando um médico assiste um transeunte em via pública, ou socorre um vizinho acometido de mal súbito, torna-se muito difícil aferir a falta do médico pelo prisma contratual. Tanto assim que a doutrina tem

dificuldade em classificar o contrato, quando não como uma locação de serviços (e assim o é quando o contrato entre médico e paciente surge de forma clara), como um contrato sui generis. Deve ser afastada qualquer classificação ímpar na teoria dos contratos. Dizer que o contrato é sui generis nada esclarece.

Nesse tipo de contrato caberá ao autor da ação fazer prova da culpa da inexecução contratual, como assevera SOUZA [2003, p. 52/53].

(...) a doutrina e a jurisprudência atribuem na inexecução deste contrato sui generis, entre médico e paciente, ao autor da ação contra o médico a atribuição de fazer prova da culpa deste pela inexecução contratual. Só assim, sendo responsabilizado o médico pela infração contratual, atribuindo-se-lhe, então, a obrigação de ressarcir o paciente pelas perdas e danos por um eventual erro médico, ou seja, pela inadimplência da obrigação contratual. Este contrato, de cunho civil, pode ser considerado como intuitui personae - realizado com determinado médico – comutativo, bilateral, oneroso ou gratuito e aleatório e, pela sua informalidade, consolida-se este vínculo contratual a partir de atos singelos como uma marcação de consulta, um contato pessoal, ou mesmo, um telefonema.

Porém, a Responsabilidade Civil do Médico não é exclusivamente contratual. Há casos em que a natureza da relação médico- paciente é estatutária, por se tratar de profissional de hospital pertencente ao Estado, ou quando o médico é funcionário público, responderá com Responsabilidade Objetiva, conforme determinação expressa do art. 37, § 6º da CRFB/88, que assim determina, in verbis:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (omissis)

§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros,

assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Analisando o texto legal acima exposto, verifica-se que há a Responsabilidade médica por fato próprio ou de terceiro, quando Médicos agem como empregados ou prepostos de hospitais, clínicas, casas de saúde ou associações, e também quando atendem os pacientes por convênio. O enquadramento legal que tipifica estas modalidades estão dispostas no Código de Defesa do Consumidor.

Explicando tais situações STOCO [2004, p. 544].

Devemos admitir que a responsabilidade médica não obedece um sistema unitário. Ela pode ser contratual, derivada de um contrato estabelecido livremente entre paciente e profissional, a maioria das vezes de forma tácita, e compreende as relações restritas ao âmbito da medicina privada, isto é, do profissional que é livremente escolhido, contratado e pago pelo cliente. Será extracontratual quando, não existindo o contrato, as circunstâncias da vida colocam frente a frente médico e doente, incumbindo àquele o dever de prestar assistência, como acontece no encontro de um ferido e via pública, ou na emergência de intervenção em favor de incapaz por idade ou doença mental. Será igualmente extracontratual a relação da qual participa o médico servidor público, que atende em instituição obrigada a receber os segurados dos institutos de saúde pública, e também o médico contratado pela empresa para prestar assistência a seus empregados, nestes últimos casos, o atendimento é obrigatório, pressupondo uma relação primária de Direito Administrativo ou de Direito Civil entre o médico e a empresa ou hospital público, e uma outra entre empregado com a empresa, ou entre o segurado e a instituição de seguridade, mas não há contrato entre o médico e o paciente.

Por outro giro, nas cirurgias estéticas, não há como alegar emergência no atendimento, sendo possível e muito recomendável ao profissional elaborar um Contrato por escrito com o paciente. Neste contrato deverão ser estabelecidos os direitos e deveres do Médico e do paciente, onde poderá também ser elaborado um contrato de honorários médicos, como ensina ROMANELO NETO [1998, p. 87]:

Deve ser elaborado no contrato, se necessário, cláusulas com as condições clínicas do paciente, as recomendações pós- operatórias, esclarecimentos sobre o risco da cirurgia, as eventuais cicatrizes e prazo para seu desaparecimento, possíveis cirurgias de retoques, dentre outras especificações para cada caso.

Pelo exposto, evidenciam-se algumas semelhanças entre a responsabilidade contratual e extracontratual, no entanto algumas diferenças devem ser destacadas.

Conforme adverte CAVALIERI FILHO [2005, p. 295];

Não obstante tantas semelhanças, algumas fundamentais, há diferenças importantes entre a responsabilidade contratual e extracontratual, que devem ser destacadas até para efeitos práticos e didáticos. Essas diferenças emanam, em primeiro lugar, da natureza do dever jurídico violado. Na responsabilidade contratual, como já destacado, o dever jurídico violado pelo devedor tem por fonte a própria vontade dos indivíduos. São eles que criam, para si, voluntariamente, certos deveres jurídicos. A responsabilidade extracontratual, por sua vez, importa violação de um dever estabelecido na lei, ou na ordem jurídica, como, por exemplo, o dever geral de não causar dano a ninguém.

Do todo espojado, constata-se que na atividade médica existe ou pode existir Responsabilidade Contratual, mas não está descartada a hipótese do profissional médico ser responsabilizado por uma má conduta ante a inexistência de um contrato.

No entanto, a relação contratual entre Médico e paciente realmente se concretiza no momento em que o paciente necessita de auxílios médicos e solicita sua ajuda, e este o atende. Podendo também ser penalizado pelo não atendimento a quem o solicita, pela omissão de socorro.

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