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DEMARCAÇÃO CONCEITUAL AO ENSINO DE MATRIZ ENERGÉTICA NA EDUCAÇÃO CTS

6. Ciências com

2.3 Aportes freirianos para a educação CTS

A engrenagem da CT é condicionada, sobretudo, por valores sociais e está voltada em grande parte para manter funcionando um modelo desenvolvimentista perverso, no qual prioriza-se o fator econômico de maximização de lucro combinado à eficiência de processos

industriais, sem demonstrar comprometimento algum com as repercussões sociais e ambientais nas gerações de hoje e do futuro.

Mediante tais circunstâncias, considera-se que o ensino de Ciências precisa preocupar- se mais em desmistificar as faces humanas da CT e suas problemáticas, nas reflexões sobre ciência, tecnologia, sociedade e suas inter-relações (PRAIA; CACHAPUZ, 2005). Ao mesmo tempo em que vislumbra-se, em confluência com Auler (2011) e Santos (2008), aportes teóricos consistentes de Paulo Freire para perspectiva crítica de educação CTS; dos quais sugere-se que a construção de concepções críticas de inter-relações CTS deve partir do desvelamento e superação de mitos contidos na dinâmica científica, tecnológica e social que mantém uma estrutura de dominação/opressão.

Ao proclamar a Pedagogia do Oprimido, Freire (1982) aponta para uma pedagogia humanista e libertadora, na qual os oprimidos precisam desvelar o mundo da opressão e comprometer-se na práxis com sua transformação, em um processo de permanente libertação. É nos movimentos de rebelião, sobretudo de jovens,

[...] que necessariamente revelam peculiaridades dos espaços onde se dão, manifestam, em sua profundidade, esta preocupação em torno do homem e dos homens, como seres no mundo e com o mundo. Em torno do que e de como estão sendo. Ao questionarem a “civilização do consumo”; ao denunciarem as “burocracias” de todos os matizes; ao exigirem a transformação das universidades, de que resulte, de um lado – o desaparecimento da rigidez nas relações professor- aluno; de outro – a inserção delas na realidade; ao proporem a transformação da realidade mesma para que as universidades possam renovar-se; ao rechaçarem velhas ordens e instituições estabelecidas, buscando a afirmação dos homens como sujeitos de decisão, todos estes movimentos refletem o sentido mais antropológico do que antropocêntrico. (FREIRE, 1982, p. 29-30).

Nesse sentido, conforme explicam Gehlen, Auth, Auler, Araújo e Maldaner (2008), Paulo Freire discorre sobre uma educação que prima pela colaboração, participação, tomada de decisão, responsabilidade social e política e, principalmente, pela constituição de um sujeito autônomo. Uma educação como ato de transformação, frente à necessidade do educando de conhecer problemas sociais que o afligem e de engajar-se na vida pública.

Para Freire (1982), àqueles que assumem-se à “sombra” dos opressores e seguem suas pautas, ou seja, os oprimidos, a liberdade é sempre temida; vez que a expulsão desta condição exige preencher um vazio com outro conteúdo, fundado na autonomia e na responsabilidade, sem as quais não podem ser livres.

A liberdade, que é uma conquista, e não uma doação, exige uma permanente busca. Busca permanente que só existe no ato responsável de quem a faz. Ninguém tem liberdade para ser livre: pelo contrário, luta por ela precisamente porque não a tem. Não é também a liberdade um ponto ideal, fora dos homens, ao qual inclusive eles

se alienam. Não é ideia que se faça mito. É condição indispensável ao movimento de busca em que estão inscritos os homens como seres inconclusos. (FREIRE, 1982, p. 35).

Embora na condição de opressão, a realidade faça nítida distinção entre os que oprimem e os que são oprimidos, cabe a esses últimos lutarem por sua libertação juntamente com aqueles que com eles se solidarizem, tomando consciência crítica da opressão na práxis dessa busca. Nesse sentido, ressalta-se que qualquer ação de interesses daqueles que oprimem, ainda que “camuflada de falsa generosidade, faz dos oprimidos objetos de seu

humanitarismo, mantém e encarna a própria opressão” (FREIRE, 1982, p. 43). Ou seja, é

desumanizante.

Diante disso, Freire (1982) propõe uma pedagogia do oprimido, de caráter humanista e libertadora, contendo dois momentos de profunda ação, no enfrentamento da cultura da dominação.

No primeiro momento, por meio da mudança da percepção do mundo opressor por parte dos oprimidos; no segundo, pela expulsão dos mitos criados e desenvolvidos na estrutura opressora e que se preservam como espectros míticos, na estrutura nova que surge da transformação revolucionária. (FREIRE, 1982, p. 44).

Embora de um lado a violência dos opressores traduz-se na dominação de homens proibidos de ser, faz-se necessário que estes respondam à violência pelo anseio do direito de ser. Outrossim, no geral, os opressores usam do dinheiro como medida de todas as coisas e tem o lucro como principal objetivo de suas ações. Na ótica do opressores, ter, cada vez mais, não é um privilégio desumanizante/inautêntico; é, na verdade, um direito conquistado pela coragem de correr risco. Com isso acabam atribuindo aos oprimidos o rótulo de “invejosos” que nada têm porque são incapazes e preguiçosos, além de mal-agradecidos por seus generosos gestos “humanitários”.

[...] para os opressores, o que vale é ter mais e cada vez mais, à custa, inclusive, do ter menos ou do nada ter dos oprimidos. Ser, para eles, é ter e ter como classe que tem. Não podem perceber, na situação opressora em que estão, como usufrutuários, que, se ter é condição para ser, esta é uma condição necessária a todos os homens. (FREIRE, 1982, p. 49).

De acordo Freire (1982, p. 50), tanto a humanização quanto a liberdade dos oprimidos são vistas pelos opressores como subversão. Do mesmo modo que os oprimidos, reduzidos a objetos, como quase coisas, não têm finalidades. Suas finalidades são aquelas prescritas pelos opressores, “que vão se apropriando, cada vez mais, da ciência também como instrumento

para suas finalidades. Da tecnologia, que usam como força indiscutível de manutenção da “ordem opressora”, com a qual manipulam e esmagam”. Diante disso, importa a educador e

educandos, liderança e massas, co-intencionados à realidade, unirem-se não só para desvelá- la, conhecendo-a criticamente, mas também no sentido da reconstrução de conhecimentos.

Ao alcançarem, na reflexão e na ação em comum, este saber da realidade, se descobrem como seus refazedores permanentes. Deste modo, a presença dos oprimidos na busca de sua libertação, mais que pseudo-participação, é o que deve ser: engajamento. (FREIRE, 1982, p. 61).

Igualmente, sugere-se que o saber deve emergir “na invenção, na reinvenção, na

busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros” (FREIRE, 1982, p. 66). Por isso, uma educação bancária que se constitui de

comunicados (ou depósitos) feitos pelo educador em seus educandos – que pacientemente recebem, memorizam e repetem informações – induz concepções distorcidas de ciência, de tecnologia e de sociedade; nas quais não há criticidade e, muito menos, geram engajamento e transformação.

Na medida em que esta visão “bancária” anula o poder criador dos educandos ou o minimiza, estimulando sua ingenuidade e não sua criticidade, satisfaz aos interesses dos opressores: para estes, o fundamental não é o desnudamento do mundo, a sua transformação. O seu “humanitarismo”, e não humanismo, está em preservar a situação do que são beneficiários e que lhes possibilita a manutenção de sua falsa generosidade. (FREIRE, 1982, p. 69).

A verdadeira libertação do homens, que é a humanização em processo, não é uma coisa que se transmite (ou deposita). “Não é uma palavra a mais, oca, mitificante; é práxis

que implica ação e reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo” (FREIRE, 1982,

p. 77). Desse modo, o educador deixa de ser aquele que apenas educa.

[...] enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os “argumentos de autoridade” já não valem. Em que, para ser-se, funcionalmente, autoridade, se necessita de estar sendo com as liberdades e não contra elas. Já agora ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo. [...] O objeto cognoscível, de que o educador bancário se apropria, deixa de ser, para ele, uma propriedade sua, para ser a incidência da refexão sua e dos educandos. (FREIRE, 1982, p. 78-79).

Freire (1982) sublinha que, em um pensar ingênuo, a meta é agarrar-se ao espaço garantido, ajustando-se a ele. Contudo, em tal postura, os homens renunciam sua temporalidade, negando-se a si mesmos.

Por isto, o diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em que se solidariza o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar ideias de um sujeito no outro, nem tampouco tornar-se simples troca de ideias a serem consumidas pelos permutantes. (FREIRE, 1982, p. 93).

Por outro lado, é pela exposição de suas próprias palavras que os homens realmente passam a pronunciar e a transformar o mundo. Desse modo, o diálogo pode ser traduzido como caminho pelo qual os homens conquistam significação enquanto homens.

Nessa direção, importa que, no domínio de uma educação CTS crítica, educador e educandos reconheçam contradições contidas em modelos de ciência, de tecnologia e de sociedade, com empenho em dar respostas “não só no no nível intelectual, mas no nível da

ação” (FREIRE, 1982, p. 101).

Isso posto, entende-se que a adoção de pressupostos freirianos para tratar de uma educação CTS implica não negligenciar de uma postura política (DELIZOICOV, 2008) e deve preconizar problematizações de reconhecimento do ser humano como sujeito e não como objeto histórico. Ao mesmo tempo em que, incomodado com a estrutura de dominação, o educador não deve abdicar-se do diálogo, da ação e da reflexão com seus educandos, conforme propõe Auler (2007), no desvelamento de mitos em torno de temas sociais relativos à CT, rumo à (re)construção de conhecimentos que possam emancipar esses sujeitos para a participação e engajamento na sociedade.