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Conforme destaca Macedo (1998), o problema da falta de relevância social do conhecimento que se ensina nas escolas não ocorre por acaso, nem por incompetência, nem mesmo pelas amarras das disciplinas, mas principalmente porque a prática dos professores alimenta um processo, no qual a ênfase em conteúdos formais funciona como poderoso instrumento de diferenciação social. Nesse sentido, há de se considerar que o ensino de matriz energética não pode se limitar a fornecer conhecimentos que reforçam uma preparação para o consumo de artefatos científicos e tecnológicos (SANTOS, 2008), mas deve incoporar a (re)construção de concepções críticas de inter-relações CTS, “pondo em xeque” fundamentos da macroeconomia.

Segundo Julio (2010), articular CTS a uma educação mais humanística permite que os indivíduos reconheçam os processos e passem a manejar suas tomadas de decisões. Para tanto, é fundamental que os sujeitos possam participar de debates relativos a problemas sociais que sofrem interferência da ciência e tecnologia. Tais recomendações são ressonantes, inclusive, com os antigos Parâmetros Curriculares Nacionais e Orientações Complementares para o Ensino Médio (BRASIL, 2000; 2002), os quais sugerem que o professor deve se preparar até mesmo para abordar as questões de energia em um contexto social e produtivo; além de articular conhecimentos de diferentes áreas de conhecimento.

Para Figueiredo, Almeida e César (2004), embora as sociedades tecnologicamente desenvolvidas tenham encontrado nos combustíveis fósseis sua principal fonte de energia para produção tanto na eletricidade, quanto nos transportes, na indústria e em outras atividades, há evidências suficientes que levam à rejeição do uso indiscriminado dos mesmos. De igual modo, é inadimissível se acomodar com um modelo de desenvolvimento e mercantilização de ciência e tecnologia que traz estilos de vida danosos; conduzindo a grandes assimetrias socioeconômicas e sérias consequências ambientais.

A hegemonia ocidental, em particular dos Estados Unidos da América e dos poderios econômicos das multinacionais, associadas ao capitalismo e ao neoliberalismo, conduziu a um despotismo insensível às questões ambientais e sociais. (FIGUEIREDO; ALMEIDA; CÉSAR, 2004, p. 321).

Por outro lado, não se trata de preconizar um retorno a uma vida tribal, como é muitas vezes apregoado por certos grupos ecologistas radicais. Até mesmo porque sociedades primitivas, outrora, também devastaram o planeta em nome de um desenvolvimento. Em face disso, faz-se necessário, sobretudo, formar novos valores, conforme realça Auler (2007), quer sejam democráticos e sustentáveis.

Contudo, no bojo desses apontamentos, Silveira (2012) alerta para grande dificuldade que existe por parte dos professores em estruturar práticas que contemplam discussões sobre a temática matriz energética; seja por conta de resistências na escola, falta de interdisciplinaridade e deficiências em sua formação. Assim como Solbes e Vilches (2002, p. 89, tradução própria) atestam que, via de regra, os professores de Ciências dão “escassa ou

nenhuma atenção às inter-relações CTS em suas aulas”.

Na avaliação de Fourez (2003), os cursos de formação de professores de Ciências não têm se preocupado muito em introduzir os licenciandos nem à prática tecnológica, nem à maneira como ciências e tecnologias se favorecem, nem às tentativas interdisciplinares.

Ora a formação dos licenciados esteve mais centrada sobre o projeto de fazer deles técnicos de Ciências do que de fazê-los educadores. Quando muito, acrescentou-se à sua formação de cientistas uma introdução à didática de sua disciplina. Mas nossos licenciados em Ciências, como nossos regentes de então, quase não foram atingidos, quando de sua formação, por questões epistemológicas, históricas e sociais. (FOUREZ, 2003, p. 111).

Com base nessas observações e a despeito da pertinência de investimentos em práticas, com orientação CTS, para tratar do tema energia, na formação de professores (BERNARDO, 2008), todas intervenções nesta pesquisa estão ressonantes com o que se preconiza no artigo 3°, parágrafo 5°, inciso II, da Resolução nº 2/2015, do Conselho Nacional de Educação, no qual alerta-se que a formação dos profissionais do magistério da educação básica precisa ser comprometida com projeto social, político e ético que contribua para a consolidação de uma nação soberana, democrática, justa, inclusiva e que promova a emancipação dos indivíduos e grupos sociais (BRASIL, 2015). Considera-se, porém, que os licenciandos, futuros professores, não devem ser tratados como simples receptores de uma inovação pedagógica; conforme recomenda Lourenço (2013), que participem de maneira mais direta das propostas a fim de se tornarem aptos para colocá-las em prática.

Nesse sentido, haja vista a resistência e insegurança dos professores, que não se veem tomando decisões na sociedade, Fraile (2015) explica que esse tipo de intervenção pode gerar, inclusive, aportes de orientação para práticas educativas emancipadoras. De todo modo, é fundamental que sejam criadas condições que favoreçam a reflexão sobre não-neutralidade da ciência e tecnologia, educação e participação, quer sejam em casos CTS simulados e (ou) reais.

Diante disso, concebe-se nesta investigação um princípio tanto formador como prático, que leva a compreendê-la como reconstrução de conhecimento articulada com uma prática reflexiva na ação e sobre a ação. Igualmente, são apresentados no presente estudo novos saberes que adentram-se à formação de professores na área de Ciências Naturais, com contributos ao ensino de matriz energética na educação CTS, problematizado na esfera do atual modelo de produção e consumo, muitas vezes deixado de lado nas pesquisas.

Nessa perspectiva, uma primeira contribuição da pesquisa consiste em sinalizar para a constituição de um marco conceitual crítico e transformador para a educação CTS, tão ambicionado no contexto latino-americano, particularmente no brasileiro. Semelhantemente, a exaustiva e consistente análise das concepções críticas/reducionistas de inter-relações CTS presentes nos dados empíricos corrobora, sobremaneira, para aprofundar a compreensão sobre

as categorias denominadas de mitos da superioridade do modelo de decisões tecnocráticas, da perspectiva salvacionista/redentora atribuída à CT e do determinismo tecnológico. É pertinente salientar que, nos últimos 15 anos em que essas são objetos de discussão, têm ocorrido interpretações bem distintas dos pressupostos que as originaram.

Algumas análises têm apontado, por exemplo, que essas três dimensões estejam marcadas por uma posição anti Ciência-Tecnologia. Deveras, o que ocorre é a problematização do atual desenvolvimento científico-tecnológico, considerando este estar a serviço de um modelo econômico insustentável. Ou seja, um direcionamento, uma agenda de pesquisa capturada por algumas transnacionais. Porém, sinalizar um outro modelo de ciência, de tecnologia e de sociedade, é algo muito distinto de uma posição anti Ciência-Tecnologia.

Por fim, embora este estudo aponta elementos importantes para a discussão das três primeiras categorias, é na quarta categoria que focaliza uma das dimensões do denominado modelo linear de progresso, ou seja, o mito do crescimento econômico ilimitado, que encontra-se um dos principais avanços da pesquisa, assumindo um caráter bastante inédito, ainda não submetido à crítica, a um exame mais amplo na academia.