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APORTES PARA FORMAR PROFESSORES QUE VALORIZEM O SABER ESCOLAR

Prof. Dr. Algacir José Rigon1

Resumo: Pretende-se definir, emlinhasgerais, o que se entende porpensamentoempírico

e pensamentoteórico. O pensamentoempírico atua na base das representaçõesgerais (sensação e percepção). No desenvolvimento filogenético o pensamentoteórico é

alcançado tardiamente, ou seja, apenasquando se atingiu

determinadamaturidadecientífica. No plano ontogenético estedesenvolvimento é dependente da qualidade do pensamento, isto é, condicionado pelodesenvolvimento do pensamentoconceitual, enquantoreflexo da realidadeemforma de abstrações e/ougeneralizações (conceitos). O pensamentoteórico tem comocaracterísticaprincipal o fato de possibilitar a conscienciação de como ocorre a transição de umobjeto ao outro, ou de umconceito ao outro, pormeio da atividadeprodutiva. Isso é o que mantém o pensamento inter-relacionado com a realidade. Com a defesa do pensamentoteórico, no campo da pedagogia, quer-se contribuirpara a didática, bemcomoapresentar outra alternativa ao “recuo da teoria”, ou aos ideários pós-modernos.

Palavras-chaves: percepção; pensamentoempírico; pensamentoteórico; saberescolar;

Davidov.

Pressupostos para compreender o pensamento

O pensamento, de modoespecialpeloviéspsicológico, pode

serdefinidocomoumdeterminadomodo de funcionamento e estruturação do reflexo da realidade – realidade esta que medeia avida dos indivíduos. Cabe, portanto, inicialmente, apontar o pensamentocomo uma das formas de conhecimento, ou seja, o processo cognoscitivo da realidade envolve diferentesformas e níveis de reflexo da realidade aparecendo, na matériaaltamente organizada e noshumanos, primeiramente, comosensação e percepção. A sensação é uma das formas básicas da sensibilidadehumana, de outraforma, é um dos modosmaiselementares de reflexo da realidade. Porisso, a sensação pode serconceituadacomoprocessospormeio dos quais o homem reflete indícios soltos tanto do meioexterno (mundoexterior), quanto do meiointerno (organismo). Contudo, os homens vivem emummundocomimagensíntegras, e, portanto, deve haveralgummecanismoque faz comque essas sensaçõessoltas sejam, em alguma medida, sintetizadas, pois, casocontrário, o mundo seria

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ummundoextremamente fragmentado – imagine sonsindependentes, árvores na ruaou os carros na ruacomocoisas, objetosouformasindependentes, etc. Queira ounão, se está semprediante de uma imagemglobal, ou seja, porexemplo, na percepção de umchurrasco de imediato associamos impressõesvisuais, de gosto, e outras. Entretanto, se faz importanteteremmentequenão se está diante de simples “associações”, oucomo queria Kant, diante de condições a priori que possibilitam a percepção unificada.

A percepção é a etapa e formabásica do conhecimento, produto da relaçãoativaentre o homem (biológico) e o objeto (LEONTIEV, 1978, p. 30). O processoperceptivo requer a unificação de traçosessenciais (cor, forma, propriedades táteis, etc.) do meio (externo e interno) e, também, queesses “dados” sejam cotejados comconhecimentos e informaçõesanteriores. Comissoapenas tem-se o reconhecimento dos objetos e, no caso de objetosconhecidos, esseprocesso acontecesse quaseque instantaneamente. Paraveresseprocesso de uma formamaismorosa, basta atentar-se paracomo se desenvolve o processo de identificação de umobjetonovooudesconhecido. Ao final desta análise, o resultado é uma percepçãoíntegra do objeto, ou seja, o resultado de uma complexaatividadeanalítica e sintética num todoque se tomaconsciência. Cabe destacarque a atividade de percepção, entendida dessa forma, é umprocessoque está muito afinado com os processos do pensamentodireto.

O pensamentodireto (empírico), enquantoatividadeperceptiva, é sempre estruturado como o resultado combinado de váriosórgãos dos sentidos, bemcomo, parece quetalprocessonunca acontece num nívelelementar, pois, na sua estruturação, há sempreindícios de atividadepsíquica de nívelsuperior, dentre outras coisas, a linguagem – o homemnão se limita a destacartraços dos objetos, ouunificar as sensações isoladas, o homemtambém dá nomes as coisas, aos objetos percebidos, o que contribui paraconhecermelhor os mesmos, bemcomoparaorganizar, maistarde, emcategorias.

Paramelhorcompreender essa assertiva, apontam-se, conforme LURIA (1981, p. 62-64) algumas peculiaridadesque pertencem tanto ao pensamentodireto, quanto à atividadeperceptiva, a saber: a) o caráterativo mediatizado, ou seja, a percepção é, preliminarmente, sempre cotejada comconhecimentos e experiênciasanteriores; b) o caráterobjetivo e generalizado, querdizer, ao perceber-se o conjunto de algumas características do objeto, sempre se faz referência, também, a determinadas categorias – livro, celular, etc; c) o caráter de permanência e cabalidade, oumelhor, pormeio de nossoconhecimento e experiência sabe-se jáqueumcavalo é grande, que uma cadeiratem

assento, e, quepor algumas características, ele distingue-se dos demais; d) porfim, o caráter de mobilidade e manejabilidade da percepção, ouentão, o processopeloqual a atividadeperceptiva é condicionada pelatarefaque está postapara o sujeito, porexemplo, se é pedidopara o sujeitodestacar, olhando paraumcavalo, qual a suaraça, ele vai, de certaforma, menosprezar, característicascomo a idade do cavalo e se ater a outras, como a definição muscular, a composição da estruturaóssea, e outras. Essas características, porsuavez, ficarão omissas se o pedido for peladefinição da idade do referido animal. Enfim, a atividade na qual o homem estiver inserido condiciona e orienta a suapercepção, apesar desta sofrer a influência de outras circunstâncias, de certaformajá assinaladas: a experiênciaanterior, a extensão e profundidade das representações, a integridade dos movimentos e sentidosque compõe a estruturaperceptiva, dentre outras. As sensações e as percepções formam, assim, a matériaprima do conhecimentosobre a realidadeobjetiva e, graças ao desenvolvimentoconcomitante do trabalho (atividadesocialcominstrumentos) e da linguagem, o homempassa a

tomarconsciência e conhecermelhor a realidade, ou seja,

penetrarcommaiorprofundidade na realidade identificando suaspropriedades, relações, origens (causalidade), etc.

Pensamento empírico e pensamento teórico

O pensamento é sempre uma forma de conhecer a realidadepelohomem. Esseprocesso, conforme assinalado anteriormente, é gerado porummovimento de transformação de princípios da realidadeemprocessospsicológicosquevãoorientar, de algummodo, o pensamento. Conforme Petrovsky, “o pensamento surge do conhecimentosensorialsobre a base da atividadeprática e o excede amplamente” (PETROVSKY, 1987, p. 292). Torna-se importantecompreender, nessa etapa, a mediação, ou seja, “o homem, emgeral, não se encontrasozinho no mundoque o rodeia. Suasrelaçõescomele se encontram sempre mediatizadas porsuasrelaçõescom outras pessoas” (LEONTIEV, 1969, p. 67). Querdizer, nesse sentidoespecífico, o homemnãorecomeçatoda a história da estacazero a cadageração, mas assimila, se apropria da produção das geraçõesanteriores. Tudo indica que se umserhumano, com uma estrutura biológica comparável a de umgrandecientistamoderno, nascesse emmeio

tecnologianãoconseguiria se desenvolver (oudesenvolversuasfunções culturais) semterrelaçõescom outras pessoas. Isso significa, grossomodo, que o desenvolvimento cultural humanosomente é possível a partir da relaçãocom outras pessoasque possibilitam a apropriação, peloindivíduo, porexemplo, daqueles modos de usardeterminadosinstrumentos. O processo de trabalho (a atividadesocial) tem umpapeldeterminante nesse aspecto, pois, além da característica de produção de instrumentos, é o únicoprocessopeloqual o homem age sobre a natureza ligando entresi os demais participantes. Os próprios “instrumentos” animaisnão tem caráter de processosocial, pormais complexas que sejam suasrelações.

Com o aprimoramento da humanidade se desenvolveram, além dos instrumentos e das formas de atividade, ummeioespecialparatransmitirtodoesseacervo cultural às geraçõesseguintes. “Essa viaespecífica é especificamente o ensino. Este constitui um procedimento orientado e especialmente organizado de transmitir a experiênciasocial” (PETROVSKY, 1987, p. 24). A tese (hipótese) principal, nesse sentido, é de que o desenvolvimento, especialmentenoshumanos, é precedido pelosprocessos de aprendizagem pautados na capacidade de imitação. Conforme VIGOTSKI (2000, p. 136-139), precisa-se considerar, de modogeral, quenão é possívelimitarqualquercoisa, pois a margem de imitação está associadacom a margem das próprias possibilidades de desenvolvimento do animal (ouserhumano). A hipótese é de que a imitação pressupõe uma determinadacompreensão da ação do outro, porisso, se a criançanão compreende a ação do adulto, tãopouco poderá imitá-lo, porexemplo, a escrever. As funções psicológicas superiores, todavia, se desenvolvem tendo porbase a “interaçãosocial”. Elas existem, antes, comofunções interpsíquicas para se tornaram, emseguida, funções intrapsíquicas (VIGOTSKI; LURIA; LEONTIEV, 2001, p. 114).

O entendimento do processamento da mentehumanapassa, ainda, peladistinção daquilo que Vigotski entende porfunções psicológicas elementares e funções psicológicas superiores. Nesse sentido, a primeiraexpressão refere-se às ações reflexas, reações automáticas e associaçõessimplesque o homem tem emcomumcom os animais. O segundotermo, ao contrário, expressa uma realidade tipicamente humana e implica

açõesconscientes, voluntárias, memorizaçãoativa, pensamentoabstrato,

comportamentoessencialmenteintelectual, etc. O funcionamento dessas últimas tem umsuporte biológico (atividadecerebral), no entanto, estão fundamentadas socialmente. O cérebronão é umsistema de funções fixas e imutáveis. Ao contrário, é

umsistemaplástico e abertoqueformaumsistemapsicológico (paraalguns – Sperry, 1968 – o conceito é zonacerebraloumódulocerebral) comligações interfuncionais específicas formadas a partir da apropriação, peloindivíduo, de funções psíquicas desenvolvidas ao longo da históriasocial dos homens. Essa conversão das funçõesexternas (interpessoais) para as internas (intrapessoais) ocorre pormeio de umprocesso de internalização, ou seja, “a reconstruçãointerna de uma operaçãoexterna” (VIGOTSKI, 2002, p. 74). Nas palavras de Luria, “é através dessa interiorização dos meios de operação das informações, meiosestes historicamente determinados e culturalmente organizados, que a naturezasocial das pessoas tornou-se igualmentesuanaturezapsicológica” (LURIA, in

VIGOTSKI, LURIA, LEONTIEV, 2001, p. 27). Querdizer,

sãoessesprincípiospsicológicosque fazem, então, a mediação do pensamentocom a realidade.

Esseprocesso confere extraordináriaimportância ao ensino, ao

processoeducativo, que, de certaforma, se antecipa à aprendizagem (ao desenvolvimento) agindo, de maneiraespecial, na zona de desenvolvimentopróximo: “Essa divergênciaentre a idadementalou o nível de desenvolvimentoatual, que se determina com a ajuda das tarefas resolvidas de formaindependente, e o nívelque alcança a criança ao resolver as tarefas, nãoporsuaconta, massimemcolaboração, é o que determina a zona de desenvolvimentopróximo” (VIGOTSKI, 2001, p. 239). O objetivo

do processoeducativo, tendo issoporbase, é o do

escultorqueprojetasereshumanosdesenvolvidos, habilidosos, criativos, emtoda a extensão daquilo quesua complexidade biológica e cultural possibilita, querdizer, objetiva-se construir ao longo do desenvolvimento ontogenético (existênciaindividual) uma relaçãocom o mundorealque seja pautada emsaberesautênticos.

Paramelhorrefletirsobre o processo de desenvolvimento do pensamento, nessa perspectivaeducativa, recorre-se a distinçãoque Davidov (1982; 1988) faz

entrepensamentoempírico e teórico. Segundo Kopnin, uma

primeiraimportantedefiniçãogeral é que “o pensamento é o reflexo da realidadesob a

forma de abstrações. O pensamento é ummodo de conhecimento da

realidadeobjetivapelohomem. Poristo, o que é característico do

conhecimentoemgeraltambém é próprio do pensamento” (KOPNIN, 1978, p. 121). Rubtsov também percebe uma correspondênciaentreconhecimento e pensamento: “a Psicologiamoderna e a Didática distinguem doistipos de conhecimento: o

saberempíricoe o saberteórico, que correspondem a doistipos de pensamento, igualmenteempírico e teórico, de maneiraque o indivíduo pode abordar a realidade de duas maneirasbem distintas” (RUBTSOV, 1996, p. 129).

Na concepção de Davidov e outros, o pensamentoteórico é aqueleque possibilita penetrarmais a fundo na realidadeobjetiva, uma aproximação e conscientização das relaçõesque permeiam os objetos, a verdade. Ao se tratar do pensamentoempírico a assertiva é de queessetipo de pensamento é direto, ou seja, a produção de idéias e da consciênciahistórica está ligadadiretamente a atividadesocial e prática das pessoas, oumelhor, a atividadeutilitária, a representação na mentehumana dos atosimediatos do comportamentomaterial (imagens diretas da percepção do meio).

À atividadesocialprodutiva (trabalho) está ligada, portanto, a atividade cognoscitiva que, porsuavez, encontraforma de expressãonosdiferentessistemas semióticos (verbais e materiais), ou seja, esseprocesso proporcionou designar (generalizar) e diferenciar (classificar) diferentesclasses de objetos: “Sobre a base das designações verbais dadas às representaçõesgerais e aos resultados das observações

diretas, o homem pode estruturarjuízos [...] Uma série de

juízosparticularessobrequalquerobjeto pode ser substituído por uma novapalavra, uma denominaçãocujoconteúdo pode ser uma representação reduzida ougeral de todoumgrupo de objetos. Com a ajuda dessas representaçõesgerais e dos

juízosexpressos a partir delas, o homem está emcondições de

realizarraciocíniosbastantecomplexos. [...] a formação das representaçõesgerais,

diretamente entrelaçadas com a atividadeprática, cria as

condiçõesindispensáveispararealizar a complexaatividadeespiritualque se chamapensamento” (DAVIDOV, 1988, p. 122-123).

Emdefiniçãosimples, o pensamentoempírico é a expressão da universalidade repetida, transformada e verbal da percepção da realidade, isto é, um derivado direto da atividade objeto-sensorial dos indivíduos, emboraexpressaemtermosverbais. O pensamentoempírico é, assim, o conhecimentodireto e, também, imediato da realidade – dos aspectosque se expressam pelas categorias de existência, quantidade, qualidade, propriedade e medida. “A existência do objeto no tempo e no espaço, na unidade da existênciapresente, significa a manifestação de sua imediatez oucaráterexterno. ‘O conhecimentoempírico é o movimento na esfera da exterioridade, a assimilação do aspecto da realidade descrito pelacategoria da existência’” (DAVIDOV, 1988, p. 123).

Muitosaspectos dos objetos estão acessíveis ao conhecimentoempírico; do movimentoque se inicia com a sensibilidade surge, na seqüência, os conceitos de qualidade e quantidade e, posteriormente, com o auxilio do estudo e da reflexão, a cognição da identidade e causalidade. Contudo, nessa etapa, o pensamento está no plano das imagens concretas e tem porbase os princípios da lógicaformal. De outraforma “[...] suas possibilidades cognitivas sãomuito amplas. Assegura às pessoasumamplocampo de descriminação e designação das propriedades dos objetos e suasrelações, inclusive aquelas que num determinadomomentonãosão observáveis, senãoque se deduzem indiretamentepormeio de raciocínios” (DAVIDOV, 1988, p. 124).

Mas, apesar dessa amplitude do pensamentoempírico, comcertezaelenão dá conta de aprender a realidadeemsuas múltiplas relações e, tampouco, ao nível de perceber a “relação das relações” (VIGOSTKI, 2000), ou seja, não dá conta daquilo que entendemos porconsciência de classe. Pode-se conceituar a consciência de classecomo a consciênciaque se tem do “lugar” que se ocupa no conjunto das relaçõessociais, como a relação do indivíduocom o meio; a consciência do pertencimento a uma determinadaclasse, tendo emvista a totalidade da sociedade e de suasregras, embora seja mais do queisso: o conhecimento das forças, dos determinantessociaisque mantêm o indivíduoem uma determinadaposição no conjunto das relaçõessociais, bemcomo o conhecimento das contradições e leisque permeiam estas relações. Não se deve esquecer, entretanto, que “os mesmoshomensque estabeleceram as relaçõessociais de acordocom a sua produtividade material produzem, também, os princípios, as idéias, as categorias de acordocom as suasrelaçõessociais. Assim, estas idéias, estas categorias, sãotãopouco eternas quanto as relaçõesque exprimem. Elassãoprodutoshistóricos e transitórios” (MARX, 1985, p. 106). Paratal, precisa-se considerar o pensamentoteóricoque, apesar de partir da análise e diferenciação da realidade, não se limita a isso.

O pensamentoteórico atua pormeio de conceitos, uma forma idealizada dos objetos e suasrelações, portanto, pormeio de unidadesque refletem a essência do movimento do objetomaterial. “O conteúdo do pensamentoteórico é a existência mediatizada, refletida, essencial. O pensamentoteórico é o processo de idealização de um dos aspectos da atividade objetal-prática, a reprodução, nela, das formasuniversais das coisas” (DAVIDOV, 1988, p. 125).

Os conceitos, com os quais opera o pensamentoteórico, sãocriações psico- históricas que existem objetivamente. Nas palavras de Davidov, “o conceito atua, simultaneamente, comoforma de reflexo do objetomaterial e comomeio de reproduçãomental, de sua estruturação, ou seja, comoaçãomentalespecial. Terumconceitosobreumoutroobjeto significa saberreproduzirmentalmenteseuconteúdo, construí-lo. A ação de construção e transformação do objetomental constitui o ato de suacompreensão e explicação, o descobrimento de suaessência” (DAVIDOV, 1988, p. 126).

O conceito, enquantoforma de expressãouniversal daquilo que há nosobjetos, é sempre uma forma da atividadehumana, a qual, pornatureza, confere uma certaantecipaçãotemporal ao conceitoemrelação a coisareal, particular. Isso provoca o efeito de que, “as pessoas isoladas (sobretudo as crianças) os captam e os assimilam antes de aprender a atuarcom as suasmanifestações empíricas particulares. [...] o indivíduonão os cria, mas os capta, se apropria” (DAVIDOV, 1988, p. 128). Nesse sentido, o conceito aparece, então, somentecomoumprodutosecundário da atividadesocialprodutiva, ou da atividadeemconjuntocomtoda a humanidade socializada. Querdizer, diferentemente do pensamentoempírico, os fenômenos aparecem inter- relacionados num sistemaque se tornaimprescindívelpara o entendimento dos objetosemseueternodesenvolvimento e movimento – a importância do todopara se compreendercomponentes isolados.

Dentro desse sistemaconceitual inter-relacionado é que se pode “observar” as imbricações entre os objetos, suasconversões de umemoutro, ou seja, uma conexãotalquesomente aparece com o pensamentoteórico. O objetonão está maisdadocomo uma realidadeautônoma. “[...] o presente e o observável deve ser correlacionado mentalmentecom o passado e com as possibilidades do futuro; nesses trânsitos está a essência da mediatização, da formação do sistema, do todo a partir das coisas interatuantes. O pensamentoteóricoou o conceito deve reunir as coisasdessemelhantes, diferentes, multifacetadas, não coincidentes e assinalarseupesoespecífico no todo” (DAVIDOV, 1988, p. 131). O maisimportante, nesse processo, tenhamos emmente, é a transição, pois é istoque diferencia umconceitoteórico de uma representação generalizada e, isto, somente é possível no processo de trabalhoprodutivo – o que propicia, de uma outraperspectiva, o pensamentoestarinternamente ligado com a realidade.

A educação do pensamento: Considerações Finais

Na atualconjunturaeducacional e de carências sociais, refletirsobre o desenvolvimento do psiquismo tendo comosuporte a idéia de educação do pensamento, parece ser o melhormodo de possibilitar aos indivíduosque se apropriem das capacidades humanas já alcançadas no processo de desenvolvimento histórico-cultural humano. A função da educação é transmitirativamente, para as novasgerações, as conquistas históricas e os avanços culturais conquistados pelas gerações precedentes. De outraforma, “os progressos do desenvolvimentohistórico das capacidades humanas não se dão simplesmente ao homempelosfenômenosobjetivos da culturamaterial e espiritual, senãoque se encontram apenas nestes fenômenos. Parapossuirestesavanços, para convertê-los emcapacidades próprias, em ‘órgãos de suaindividualidade’, a criança, o homem, deve entraremrelaçãocom o mundo circundante pormeio de outras pessoas, querdizer, emrelaçãocomelas. Neste processo, a criança, o homem, aprende a atuar adequadamente. Deste modo, esseprocesso é porsuafunçãoumprocesso de educação” (LEONTIEV, 1969, p. 28).

Isso serve de basepara o movimentohistórico, uma vezque, caso as gerações futuras não se apropriem das conquistas precedentes, corre-se o risco de uma estagnação da história, oumesmo, a necessidade das geraçõesseguintes terem de refazernovamente a história, o que seria, no mínimo, inútil. “A base da cultura é a habilidade de acumularconhecimentos, recebendo-os das geraçõesanteriores e passando-os para a próxima, de modoquecadanovageraçãonão tenha quereinventar a escova de dentes, a roda e o cálculointegral” (CAVALLI-SFORZA & CAVALLI-SFORZA, 2001, p. 275). Ao contrário, a apropriaçãoativa da cultura transforma-se num aspectofundamental do desenvolvimento. Para Leontiev, a concepção do desenvolvimentonão pode se limitar ao papelrelativo dos fatoresendógenos e exógenos e, tampouco, a umsimplesprocesso de adaptação ao mundo. Porisso, usa o conceito de apropriaçãoparacaracterizar a forma especificamente humana de desenvolvimento. “O processo de apropriação é muitodiferente. É umprocessoque tem comoconseqüência a reprodução no indivíduo de qualidades, capacidades e características humanas de comportamento. Em outras palavras, é umprocessopormeio do qual se produz na criança o quenosanimais se consegue mediante a ação da hereditariedade; a transmissãopara o indivíduo das

conquistas do desenvolvimento da espécie (LEONTIEV in LURIA, LEONTIEV, VIGOTSKI (et al.), 2003, p. 65).

Cabe destacarque “as práticas educativas, formais e

informaissãomeiossociaisparaorganizar uma situação de vidaque promova o desenvolvimentomental da criança” (DAVIDOV; ZINCHENKO, 1995, p. 160), ou seja, a educação tem a importantefunção de promover, se corretamente organizada, o desenvolvimentointelectual da criança, o desenvolvimento das características históricas (sociais) quenão podem desenvolver-se naturalmente, a formação dos comportamentos tipicamente culturais. Nesse sentido, o professor tem umpapelcentral no desenvolvimento do educando: “é onipotenteemsuainfluênciaindireta, através do meiosocial (VIGOTSKI, 2003, p. 76).

O professor deve semprevislumbrar, combase no materialismo dialético, o desenvolvimento do pensamentoteórico, ou seja, a constantesuperação do pensamentoempírico. Essa superação, contudo, não acontece pormeio de umensinoesvaziado de conteúdos, tampouco, quando ao aluno se apresentam situações complexas, abstratas quesão esvaziadas de materialconcreto, ou seja, somente é possíveldesenvolver a capacidade de pensamentoteóricoquando o indivíduo estiver em uma atividadeprodutivasocial, seja elateóricaouprática.

Essas tesessobre o pensamento e o conhecimento, estão, de alguma forma, relacionadas, ainda, como o conhecimentotácito e o saberescolar. Ora, o conhecimentotácito é aquelesaberque prescinde da linguagem. Portanto, como vimos, o

pensamentoempírico e, muitomais, o pensamentoteórico possuem

comoquesitoindispensável a linguagem, ou seja, somente é possíveleducar, peloviés da problemática do pensamento, na medidaemque se supera o viés das pedagogiasque partem dos pressupostos representados pelas expressões “conhecer-na-ação” e “reflexão-na-ação”, poistanto uma quanto a outra revelam uma forma de conhecimentotácito e espontâneo – representantes dessa correntesão: Schön; Tardif;

Perenoud; Zeichner; Nóvoa e outros. Querdizer, não é

possívelpensaremprocessoeducativo, negando o ato de ensinarcomomeio de transmissão de conhecimento, tampouco negando issocomotarefa do professorou dos formadores de professores.

De outraforma, o saberescolar está fundamentado e, ao mesmotempo, é o saberacadêmico, científico e teórico. A educaçãovisa, conforme as teses da Escola de

Vigotski, superar as limitações do conhecimentocotidiano e empírico. O conhecimento e o saberescolar, nesse caso, podem ser adquiridos de maneira discursiva lógica-verbal.

Paraconcluir, restadizerque o objetivo deste trabalho foi apresentar uma diferenciaçãoentreaquiloque se entende porpensamentoempírico e teórico, a fim de chamar a atençãoparaummododiferente de olhar o processo de ensino, ou seja, com a finalidade de contribuirpara a didática.

Referências

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O ENSINO DE GEOGRAFIA ENTRE A UNIVERSIDADE E A ESCOLA: UM